- Maria Débora, nome pelo qual é conhecida, não sabe de suas origens, não
sabe seu sobrenome, quem são seus pais e tão pouco o dia e o local em que
nasceu.
Nunca comemorou aniversários e desde criança viveu em situação de desamparo.
Com cinco anos de idade ficou órfã de pai e mãe, vindo a ser criada por
pessoas estranhas, as quais não sabe precisar o nome.
Com 12 anos de idade teve o primeiro filho, com um homem que acreditava ser
o dono das terras em que as pessoas que a criaram residiam. Não lembra o
nome do local, apenas sabe que era uma região rural, de difícil acesso, onde
toda a alimentação era retirada da própria colheita.
Durante toda sua vida vagou por diversos estados brasileiros: Amazonas,
Acre, Bahia, até chegar ao RS.
Nunca foi registrada, pois sendo analfabeta e sem saber precisar dados como
filiação, data e local de nascimento não lhe era permitido por qualquer
órgão registral a retirada de certidão de nascimento, documento básico para
a feitura de todos os outros e, por conseguinte, para o exercício de seus
direitos como pessoa e cidadã.
Sem conhecimento, ou qualquer pessoa que a auxiliasse, não sabia que podia
buscar o Judiciário para regularização de sua situação, razão pela qual,
apenas fez isso em fevereiro deste ano.
O raro processo de registro civil foi iniciado em Guaíba (RS), cidade onde
Maria Débora viveu nos últimos 30 anos, mas foi deslocado para a comarca de
Porto Alegre depois que ela passou a residir no Abrigo Bom Jesus.
O Instituto Geral de Perícias colheu as digitais dela e concluiu que não
existe no banco de dados do RS nenhum cadastro em seu nome. Em Porto Alegre,
o Ministério Público se manifestou favorávelmente às postulações, dada a
urgência do caso, porque Maria Débora, sem qualquer documento, não pode
exercer sua cidadania.
A sentença proferida pelo juiz Alberto Delgado Neto, diretor do Foro,
substituindo na Vara dos Registros Públicos de Porto Alegre, foi de
procedência e Maria Débora terá seu assento de nascimento registrado na
próxima segunda-feira (15). A prestação jurisdicional foi elogiavelmente
rápida.
Ela passará a chamar-se Maria Débora Aparecida da Silva.
Maria Débora é o pré-nome pelo qual ela é conhecida desde suas primeiras
lembranças.
Aparecida é uma referência a sua condição de peregrina.
Já o sobrenome Da Silva, em latim significa "selva" ou "aquele que vem da
selva", o que também remete a suas origens, eis que recorda ter vivido
quando criança em meio à selva e é conhecedora de ervas e plantas
medicinais. Imagina-se que tenha origem em algum grupamento quilombola.
A data de nascimento escolhida foi 13 de maio de 1941 e está relacionada com
a libertação dos escravos (Lei Áurea), sancionada em 13 de maio de
1888.
"É um caso que não vemos todo o dia e demonstra que mesmo quando os fatos ou
as provas não são suficientes à comprovação do que se alega, o Estado e o
Direito não podem deixar de dar uma resposta" - diz Ana Wisniewski, do
escritório de Advocacia Lourenço & Souza que atuou no caso.
Com ela participaram os advogados Ademir Bonnes Cardoso, Imilia de Souza,
Vilmar Lourenço, Paulo de Souza e Rodrigo Pieralisi. (Proc. nº 11101749130).
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