Com a decisão do STF, que considerou ilegal o desconto de 3,2% nos salários
para custear a assistência médica do instituto, funcionários podem recorrer
à Justiça para reaver valores pagos.
Os cerca de 450 mil servidores públicos estaduais que pagaram a contribuição
compulsória de 3,2% no contracheque para custear a assistência médica,
hospitalar e odontológica oferecida pelo Instituto de Previdência dos
Servidores de Minas Gerais (Ipsemg) poderão pedir na Justiça o ressarcimento
dos valores pagos nos últimos cinco anos. A cobrança foi entendida como
ilegal pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). A decisão torna
nulos os efeitos da legislação que estabelecia o pagamento e, como não fixa
prazo para entrar em vigor, fica a cargo do funcionalismo requerer o
dinheiro pago indevidamente. O estado ainda pode recorrer, mas somente para
tentar reverter a questão da devolução dos descontos pela retroatividade.
No julgamento de uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin), encerrado
na noite de quarta-feira, o STF considerou por unanimidade que a
contribuição obrigatória paga pelos servidores só poderia existir se fosse
voluntária. O desconto vinha sendo feito no salário mesmo se o funcionário
não usasse o plano de saúde do Ipsemg. Ainda de acordo com os ministros, os
valores arrecadados só poderiam ser usados para fins previdenciários, o que
não ocorria, pois eram destinados ao plano de saúde. Também conforme a
Constituição, cobranças desta natureza só poderiam ser criadas pela União.
De acordo com a assessoria jurídica do STF, o pedido de restituição dos
valores pagos por quem não usou o plano de saúde do Ipsemg fica a cargo dos
servidores. Isso porque na decisão os ministros poderiam determinar que seus
efeitos fossem válidos somente a partir da publicação do acórdão, mas não o
fizeram. Como não foi fixado prazo, é como se a lei que criou a contribuição
compulsória nunca tivesse existido e, desta forma, tudo o que foi cobrado
indevidamente tem de ser devolvido. Cabe ainda ao estado recorrer, pedindo
que os efeitos não sejam retroativos, mas o posicionamento dos ministros do
Supremo tem sido no sentido da retroatividade em casos semelhantes.
Restituição O diretor da Associação Federal de Assistência ao Servidor
Público em Minas Gerais, José Eustáquio Silva, disse que em seu escritório
já existem cerca de 150 pessoas que por meio de liminar já não pagavam a
taxa. Todos os que ingressaram com ações ganharam na Justiça. Segundo ele,
também há casos de execução de sentença de restituição. Eustáquio Silva
afirmou que só são pagos os valores referentes aos últimos cinco anos pois,
como a ação é contra a Fazenda pública estadual, esse é o tempo de
prescrição. A quantia descontada depende do valor que recebe cada servidor.
O entendimento da Justiça de Minas, segundo ele, tem sido de que,
suspendendo-se o pagamento da taxa, também cessa o direito de uso do plano
de saúde do Ipsemg.
O presidente da Coordenação Intersindical dos Servidores Públicos mineiros,
Renato Barros, afirmou que o funcionalismo aguarda a publicação do acórdão
para ver que medidas tomar. Ele não descartou uma ação coletiva para pedir o
ressarcimento dos descontos feitos.
Atendimento só para quem pagar o plano
O Ipsemg informou ontem que o plano de assistência médica, hospitalar e
odontológico continua à disposição dos 450 mil usuários inscritos que pagam
a contribuição. De acordo com o presidente do instituto, Antônio Abraão
Caram Filho, aqueles que usam o plano de saúde podem continuar com ele. O
Ipsemg vai cumprir a decisão do Supremo Tribunal Federal e acabar com a
contribuição compulsória, mas informa que os que quiserem continuar com os
serviços oferecidos devem continuar pagando.
De acordo com Antônio Caram, os efeitos da decisão do Supremo e a
possibilidade de recorrer da sua retroatividade ainda serão avaliados pela
Advocacia Geral do Estado. As contribuições dos servidores correspondem a
cerca de R$ 300 milhões, dois terços de um orçamento de R$ 450 milhões para
o funcionamento da rede do Ipsemg (o restante é pago pelo estado). Ainda
assim, o presidente do instituto não teme um rombo no caixa com a decisão do
STF. Diferentemente do que foi dito na quarta-feira pela assessoria do
governo, segundo ele, a maioria dos servidores usam do plano do Ipsemg.
“Essa hipótese não vai acontecer porque a maioria dos servidores só tem o
Ipsemg, não há essa preocupação. Quem deixar de pagar estará exercendo um
direito dele e nós também não o iremos atender”, afirmou.
Antônio Caram ressaltou que não haverá redução de atendimentos ou fechamento
do instituto. “A preocupação das pessoas que só têm o Ipsemg hoje é grande.
Perguntam: como eu fico? Fiquem tranquilos, respondemos, o estado vai
garantir o atendimento. Vai pagar a contribuição quem quiser continuar
conosco, só não é mais compulsório”, disse.
Sobre a possibilidade de os servidores pedirem o ressarcimento dos valores
descontados, o presidente do instituto também não demonstrou preocupação.
“Isso terá que ser examinado no momento oportuno, nem sei se essa
possibilidade está prevista na decisão do Supremo”.
Estudos Antônio Caram também informou que os estudos para elaboração de um
novo plano de saúde para os servidores já estão prontos e sob análise da
Secretaria de Planejamento e Gestão. Uma licitação foi feita para definir os
critérios de atendimento da assistência médica dos servidores. “É o desenho
de um novo plano para o servidor público no qual estamos corrigindo os
defeitos do atual, que tinha muitos, inclusive este que agora foi corrigido
pelo Supremo. Quero deixar claro que não se trata de uma privatização como
andaram dizendo, mas da melhoria dos serviços”, afirmou. (JC)
ENTENDA O CASO
Em 2002 os deputados estaduais aprovaram a Lei 64/2002 que estabeleceu em
3,2% a contribuição compulsória dos servidores ao Ipsemg para custear
atendimento médico e odontológico.
Em janeiro de 2004, o procurador-geral da República, Cláudio Fontelles,
ajuizou no Supremo Tribunal Federal uma Adin alegando que a cobrança é
ilegal, pois o artigo 149 da Constituição diz que a contribuição
previdenciária só pode ser utilizada para gastos com previdência ou
assistência social – o que exclui a saúde.
Na defesa apresentada ao Supremo, a Advocacia Geral do Estado alegou que o
desconto é constitucional porque é feito para um serviço que é prestado pelo
Estado, tratando-se então de uma contrapartida dos servidores.
Na apreciação da Adin, o então presidente do STF, Maurício Correia, negou a
liminar pedida por Fonteles, mas apresentou indícios de que concorda com a
inconstitucionalidade da cobrança. “Como se verifica, em um exame
preliminar, parece-me ocorrer conflito entre a legislação estadual e os
preceitos da Carta Federal”, afirmou em seu despacho na ocasião.
Em 2004 o ministro Eros Grau assumiu a relatoria da Adin.
Em agosto de 2009 a Adin foi julgada e sete ministros entenderam que a
cobrança era ilegal. O ministro Marco Aurélio Mello, na ocasião, pediu
vistas.
Na última quinta-feira, o STF decidiu por unanimidade que a contribuição não
pode ser compulsória. Só pode ser feita se for voluntária. |