Clipping - Pensando em garantir uma vida melhor para os filhos, há pais que apostam em nomes chiques, com k, y, w

O hábito de batizar os filhos com nomes de pessoas importantes é antigo. Há centenas de anos, camponeses já escolhiam nomes de reis para suas crianças, com a fé de que, junto com o nome, um recém-nascido fosse capaz de herdar o prestígio social de um monarca. Hoje, a crença permanece, mas os reis são outros: na era das celebridades, é na TV que pais se inspiram para encontrar o nome ideal para os moleques. Já há uma geração de batizados em homenagem a ícones pop. E vale tudo: a referência pode ser um ator, um personagem, uma novela ou um desenho animado.

O último nome da ficção que fez muito sucesso no segundo subdistrito de registro civil de Belo Horizonte, na Rua dos Guaranis, Centro, foi “Hadija”, da novela ‘O Clone’, de 2002. Segundo Maria Cândida Faggion, oficial responsável pelo cartório desde 1966, de vez em quando, é preciso barrar a criatividade paterna. “Quando aparece um nome muito esquisito, mando para o juiz”. Entre os pedidos indeferidos pela Justiça, Rakkonen – provavelmente vindo de um fã de fórmula 1 –, Claude Van Dame – a ideia era registrar não apenas o prenome, mas também o sobrenome do ator belga – e Ryu – homônimo do velho lutador do game Street Figher.

Com ‘Caminho das Índias’ em cartaz desde janeiro, pode ser que venha por aí uma leva de Mayas ou Bahuans. Mas Maria Cândida adverte que, mais do que de referências pop, os pais gostam mesmo dos nomes diferentes, com letras dobradas, “ll” e “nn”, além da presença constante do “y”, “k” ou “w”, muito antes de a reforma ortográfica integrar tais consoantes ao alfabeto brasileiro. “Quanto mais complicado, mais bonito. Esse pensamento é comum, especialmente entre os pais que têm menos instrução”, afirma. E dá-lhe novos nomes barrados, como Dihorrara, Jhunipher – esse até difícil de ler –, Hiasmin, Hamy, Aristany, Sully e Percephinny, versão mais rebuscada do nome da deusa grega Perséfone.

Num país de tantas desigualdades sociais como o Brasil, as pessoas que querem ascender socialmente tendem a se esforçar para mudar o jeito de falar e se expressar de forma mais complexa, imitando o linguajar da parte mais alta da pirâmide. “Quem é simples e quer falar difícil pode tropeçar. É o fenômeno da hipercorreção. Um exemplo óbvio disso é o Seu Creyson, do Casseta & Planeta. Ele não fala errado, mas quer usar um repertório acima da escolaridade que teve e erra por isso”, explica Bruno Dallari, professor de linguística da PUC-SP e pesquisador das variantes linguísticas populares. Para Bruno, a busca pela ascensão social está ligada também à preferência pelos nomes mais complicados. “Em geral, pobres não gostam de se chamar Maria ou José, mas Everton ou Edmilson. É a noção de singularidade: o nome único, inventado, tem uma sonoridade mais arrojada”, compara.

Direto de Hollywood

Há 21 anos, Rosemary de Oliveira Lima, então moradora de um bairro de classe média baixa da cidade-satélite de Ceilândia Sul, no Distrito Federal, procurava o nome ideal para a filha que estava prestes a nascer. “Queria o nome de uma pessoa importante, porque sabia que isso iria influenciar a vida da menina”, lembra. A pessoa importante foi a atriz de Hollywood Kathleen Turner. Mas a solução ainda não estava acertada. Rosemary queria um nome que juntasse o “k”, da inicial do nome do marido, Kleber, com o “y” final de seu próprio nome. “Optamos, então, por escrever Ketleyn”, explica.

A mãe acredita que o nome trouxe boa sorte: Ketleyn, que tinha “nome da artista”, acabou, de fato, ficando famosa. Mas nos esportes, como judoca. Ela foi a primeira mulher brasileira a ganhar uma medalha olímpica num esporte individual, o bronze em Pequim 2008. “Quando as crianças iam brincar, muitas queriam mudar de nome, menos eu. Meu nome não mudo, nem por brincadeira”, garante.

Nas gincanas e nas peças de teatro da escola pública em que estudou, Ketleyn sempre teve vantagem por causa do nome. Ela tem outras primas com nomes sofisticados: Grace Kelly, Jéssica Lohane e Shayene. A judoca confirma que o hábito de batizar os filhos com nomes estrangeiros é “coisa de gente humilde”, mas nem liga: “O único problema é passar o resto da minha vida soletrando”, diz, rindo.

O jornalista Kleyson de Souza, 25, também reclama de ficar soletrando o nome. O pior para ele é que, ao repetir várias vezes a frase “Kleyson, com ‘k’ e ‘y’”, os colegas da faculdade se lembraram da marca de lubrificantes íntimos KY. “A bobeira pegou”, fala, resignado.

Ele é o caçula de três irmãos, que também têm o nome iniciado com a letra “k”. Quanto à forma como foram batizados pelos pais, Kleyson explica: “O nome do filho surge do universo do pai e da mãe, e os meus são muito simples, não vêm tanta relevância no nome. Para ter uma ideia, meu avô registrou meu pai, em Coronel Fabriciano, sem o nome de família.”

O linguista Bruno Dallari ressalta que, entre a parcela mais rica e instruída da população, ocorre o fenômeno contrário. “Cada vez mais, são escolhidos nomes simples, para se diferenciar das classes C e D. A ideia é que meu filho é tão nobre, que pode ser chamado de João”, esclarece. Kleyson percebe o mesmo: “O nome tem muita importância e o sobrenome mais ainda. O chique é o nome ser simples e o sobrenome complicado, tipo Ana Hickmann”, conclui, ironizando.


Fonte: Portal Uai - Seção Ragga - Notícia - 09/04/2010.

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