Felipe Recondo, BRASÍLIA
A realidade nos protocolos dos tribunais brasileiros faz lembrar ainda hoje
o setor de carga e descarga de um supermercado. Quase dois anos depois de
entrar em vigor a lei de informatização dos processos judiciais, as pilhas
de papéis de petições, inquéritos e ações continuam a chegar aos tribunais
em caminhões e carros dos Correios, como antigamente.
Até hoje, nenhum Estado brasileiro, mesmo os mais ricos, está perto de
completar a informatização dos processos. E pelos cálculos do Conselho
Nacional de Justiça (CNJ), mais dez anos serão necessários até tornar
eletrônicos todos os processos.
Todo esse atraso gera situações que deveriam estar ultrapassadas nos
tribunais. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), por exemplo, dois
carteiros cumprem rotina típica de um estivador. Diariamente, o carro dos
Correios pára a 200 metros do protocolo, carregado com 1.200 processos que
chegam ao tribunal. Os dois funcionários descarregam toda manhã de 80 a 120
malotes, cada um com aproximadamente 25 quilos. São quatro carregamentos de
processos, disponibilizados em carros-gaiola comprados pelo STJ. À tarde, os
dois voltam ao tribunal para buscar outros 150 malotes recheados de
processos. Resultado dessa soma: mais de 6 toneladas de papel movimentadas
todo dia.
Para piorar a situação, os carteiros foram proibidos de estacionar em frente
ao protocolo, onde os processos são deixados. A segurança teria recebido
reclamação de um ministro da corte, que afirmou que a carga e descarga de
processos "enfeia" o STJ. Mais um problema para os dois: a sala onde os
processos são entregues é pequena, o carrinho usado pelos Correios não
entra. E os carteiros são obrigados a arrastar os processos pelo chão.
"Minhas costas começaram a doer", reclama o carteiro Edcarlos Leite.
Na mais alta corte do País, o Supremo Tribunal Federal (STF), a papelada
toma conta dos gabinetes dos ministros. Em muitos, ocupam todas as estantes
disponíveis e se espalham pelo chão na falta de prateleiras. Diante do
volume de processos, o tribunal comprou um carrinho motorizado para carregar
a papelada. Mas o que mais se vê nos corredores são funcionários
terceirizados levando pilhas de processos em carrinhos puxados a mão.
Essa é apenas uma parte do problema gerado pelas ações em papel. Depois que
chegam aos protocolos dos tribunais, os processos enfrentam uma longa
burocracia até chegar aos juízes, trâmite que envolve carimbos, assinaturas
e diversos despachos. Tudo isso contribui para o maior dos problemas da
Justiça: a morosidade. "Boa parte da tramitação desses processos é consumida
nesse vai e vem", afirmou o juiz Antônio Umberto, que integra o CNJ.
Dados divulgados pelo conselho no ano passado mostram que 70% do tempo gasto
na tramitação de um processo é despendido em atos gerados pela burocracia do
papel, como a expedição de certidões, protocolos, registros ou o ato
antiquado de carimbar os processos.
Além disso, geram um custo milionário, que seria suplantado pelos
computadores. Um processo de papel de 20 folhas custa em torno de R$ 20. Se
20 milhões de processos chegam a cada ano ao Judiciário, o custo material é
de R$ 400 milhões.
PRAZO
Ex-presidente do CNJ, a ministra Ellen Gracie previu, quando a lei entrou em
vigor, que a informatização dos processos levaria dois anos. Passado esse
tempo, o mesmo conselho admite que o prazo está distante da realidade. "O
prognóstico foi feito sem o devido diagnóstico do problema", explicou o
secretário-geral do CNJ, Álvaro Ciarlini. Hoje, com informações que dão a
real dimensão do problema, o conselho trabalha com um prazo cinco vezes
maior."Temos um planejamento que vai se estender pelos próximos dez anos",
afirmou Ciarlini.
O primeiro passo é suprir os tribunais estaduais, especialmente do Norte e
do Nordeste, de computadores e programas que permitam a tramitação
informatizada dos processos. O atraso de alguns é tanto que no ano passado o
CNJ gastou R$ 76 milhões para compra de equipamentos. Além da escassez de
computadores e programas, outro problema atravanca a modernização da
Justiça. "Existe uma questão cultural. Juízes, procuradores e as partes se
assustam com um processo que não esteja em papel", afirmou Antônio Umberto.
O receio é que os processos sejam alterados ou sumam no espaço virtual. "As
pessoas não percebem que o processo eletrônico é mais seguro", disse. "Elas
têm que perceber que esse é um processo irreversível."
O CNJ também procura viabilizar que os diferentes programas desenvolvidos
nos tribunais de cada Estado sejam compatíveis. Só então o conselho vê
chances de implementar em definitivo os processos integralmente
informatizados.
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