Destaca-se que a Lei nº 8.009/90 não foi criada para proteger a
propriedade do devedor, mas, sim, para garantir a aplicação do princípio da
dignidade humana. Vale lembrar que a execução tem por objeto obrigações
certas, líquidas e exigíveis, fundadas em títulos executivos judiciais e
extrajudiciais
*Armando Quintão Bello de Oliveira Júnior, Advogado e professor de
processo civil do UNI-BH
Desde 21 de janeiro de 2007, estão em vigor as novas disposições do processo
de execução introduzidos no Código de Processo Civil pela Lei nº 11.382/06
que, juntamente com a Lei nº 11.232/05, em vigor desde junho de 2006,
criaram um novo panorama para as execuções em nosso sistema. Foram
modernizados os referidos procedimentos, com o objetivo claro de aprimorar a
prestação jurisdicional executiva.
A lei trouxe inúmeras e profundas alterações, tais como:
(1) a revogação da oportunidade que era dada ao devedor de nomear bens à
penhora. Pode agora o exeqüente na inicial indicar bens passíveis de penhora
de acordo com a nova ordem estabelecida no artigo 655 CPC;
(2) a regulamentação da penhora on-line de moeda corrente depositada em
contas correntes e aplicações financeiras mantidas em nome do devedor;
(3) a possibilidade de se intimar o devedor passa da penhora através de seu
advogado – na ausência deste, a intimação deverá ser pessoal, mas poderá até
mesmo ser dispensada pelo juiz;
(4) a criação da alienação por iniciativa particular (artigo 685-C e
seguintes CPC), onde o exeqüente poderá promover a venda por iniciativa
própria ou através de corretor credenciado junto ao juízo;
(5) a desnecessidade de estar seguro o juízo pela penhora de bens (artigo
736 CPC) para admissibilidade dos embargos do devedor;
(6) a alteração do prazo e forma de interposição dos embargos do devedor. O
prazo passou a ser de 15 dias, contados a partir da juntada aos autos do
mandado de citação devidamente cumprido e não mais da intimação da penhora;
(7) os embargos do devedor são agora recebidos, via de regra, sem efeito
suspensivo, podendo ser o mesmo atribuído pelo juiz nos termos do parágrafo
1º do artigo 739-A CPC; e
(8) possibilidade de pagamento parcelado do crédito exeqüendo (seis parcelas
mensais), desde que, no prazo para embargos (15 dias), o executado reconheça
o crédito do exeqüente, ofereça garantia idônea e comprove o depósito de 30%
do valor em execução.
As alterações em destaque – entre outras contidas na nova lei – traduzem
relevante avanço. Não obstante isso, o texto legal original previa outra
esperada inovação que, infelizmente, foi vetada pelo presidente da
República.
Tratava-se do parágrafo único do artigo 650 do CPC, que possibilitava a
penhora de imóvel considerado de família, se de valor superior a mil
salários mínimos. Pela disposição revogada, ainda que penhorado tal imóvel,
o valor até o patamar legal seria entregue ao devedor sob cláusula de
impenhorabilidade, permanecendo o excedente à disposição do juiz para
pagamento – total ou parcial – da dívida em execução.
O veto a tal permissivo contraria o interesse público e o fim satisfativo da
execução e, ao final da história, protege maus pagadores, que se escondem
atrás da impenhorabilidade de bens imóveis residenciais de grande valor,
frustrando a execução forçada.
A penhorabilidade do imóvel residencial de grande valor iria ampliar o
alcance efetivo da execução, compelindo o devedor proprietário de imóvel,
por exemplo, no valor de R$ 2 milhões, a cumprir obrigação expressa no
título executivo. Assim, seria tal bem alcançado pela penhora sem, contudo,
desrespeitar o direito constitucional à moradia, expresso no artigo 6º da
CF, já que o limite impenhorável – mil salários mínimos –, seria devolvido
ao devedor para aquisição de outro imóvel que lhe servisse de moradia.
Destaca-se que a Lei nº 8.009/90 (impenhorabilidade do bem de família) não
foi criada para proteger a propriedade do devedor, mas, sim, para garantir a
aplicação do princípio da dignidade humana e do preceito constitucional
supracitado. Essa legislação não surgiu, portanto, para institucionalizar o
calote. Vale lembrar que a execução tem por objeto obrigações certas,
líquidas e exigíveis, fundadas em títulos executivos judiciais e
extrajudiciais.
O veto presidencial, na verdade, equipara situações bem diversas, colocando
em um mesmo patamar tanto o devedor proprietário da mansão única
residencial, quanto aquele outro proprietário de imóvel de pequeno valor,
este sim, sob a égide de proteção da citada Lei nº 8.009/90.
Da forma como foi publicada a lei, ambos devedores terão seus imóveis
residenciais únicos protegidos em caso de execução – a depender, é claro, de
entendimento jurisprudencial caso a caso –, demonstrando claro desequilíbrio
na aplicação dos princípios informativos da execução da dignidade humana e
da satisfação do crédito em execução nos exatos limites do título executivo.
Na mensagem de veto, o presidente da República fundamenta seu ato no
interesse público. Entretanto, salta aos olhos que interesses foram
protegidos, mas, certamente, não o público, nem tampouco o jurídico, que,
nesse caso, reside na efetividade do processo executivo e no cumprimento das
obrigações assumidas pelo devedor ou a ele impostas via sentença
condenatória.
É de se lamentar a falta de sensibilidade e compromisso expressa no veto
presidencial. Espera-se que em outra oportunidade, provavelmente em outro
governo, mais compromissado com a segurança jurídica e com a distribuição
igualitária da Justiça, tal avanço possa ser introduzido em nosso sistema
processual.
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