por Reynaldo Ximenes Carneiro
O avanço da legislação referente ao Judiciário se tornou mais evidenciado a
partir da conquista de maior espaço de atuação que os juízes e as
associações da magistratura encontraram junto ao Legislativo, quando este
votava matérias de interesse do Judiciário, tendo em vista a dificuldade dos
órgãos especiais dos tribunais de Justiça dos Estados em assimilar
inovações, quando surgidas da base. O envolvimento dos juízes é resultante
da democratização surgida com a Constituição de 1988 e, felizmente, é
irreversível.
Há algum tempo, a grande aspiração da magistratura era a Unificação da
Segunda Instância, que ficou sufocada pelo desinteresse da cúpula, até que,
em Minas Gerais, o Tribunal de Alçada e a Assembléia Legislativa, agindo em
sincronia, movimentaram-se. A questão ganhou corpo e voltou a ser debatida
nacionalmente, contando com o apoio da Associação dos Magistrados Mineiros (Amagis)
e da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), ambas dirigidas por dois
ilustres magistrados mineiros, José Guido Andrade e Paulo Medina.
Rio de Janeiro e, depois, o Rio Grande do Sul, liderados por seus
esclarecidos presidentes dos tribunais de Justiça, não tiveram medo de
realizar a unificação. Os seus presidentes, desembargadores Thiago Ribas e
Adroaldo Furtado Fabrício, foram convidados para expor a forma da unificação
nos respectivos Estados, em memorável audiência pública realizada na
Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais, ávida pela concretização
do sonho que não era só dos magistrados, e, na exposição, demonstraram o
êxito da empreitada. Os tribunais de Justiça nestes Estados se tornaram mais
ágeis e, a prestação jurisdicional, melhor e mais efetiva, com a
administração mais moderna e aberta. Entretanto, apesar do apoio dos
magistrados mineiros, nenhuma foi a influência no hermético Órgão Especial
do Tribunal de Justiça deste Estado.
A resistência dos Tribunais de Justiça de Minas Gerais, de São Paulo e do
Paraná não cessou, mas a luta dos idealistas continuou. Veio a Reforma do
Judiciário, quando puderam os magistrados do país comemorar a vitória,
sentindo e percebendo que o êxito decorreu de uma atuação concertada da
magistratura, das associações e dos parlamentos estaduais.
É verdade que se afirmou a impossibilidade de promover-se a integração
através de emenda constitucional por força de constituinte derivada, em
virtude da ingerência na intocável federação, dogma constitucional, e pela
usurpação de competência dos tribunais, mas a força maior do movimento de
base sufocou as manifestações contrárias.
Em Minas Gerais, à época, o Tribunal de Justiça estava com as suas forças
exauridas para conter a pressão, até porque passou a contar em seus quadros
com líderes do movimento inicial de unificação, que auxiliavam as forças
externas. Isso levou o seu presidente a remeter projeto à Assembléia para
alcançar o objetivo, mas não soube ou não quis o Tribunal de Justiça
conduzir a integração como os outros, deixando que a Reforma do Judiciário
se encarregasse da solução. Ela veio com o prazo de seis meses para integrar
os Tribunais. A medida deixou desconfianças e cicatrizes que ainda não foram
completamente curadas.
A interiorização de entrância especial não foge ao figurino. É outra
tormenta para os magistrados do interior. Todas as vezes que se procura
ampliar as regiões alcançadas pela entrância especial, resistência há. Nos
Estados do Paraná, do Rio de Janeiro e de São Paulo a interiorização surgiu
primeiro, embora tenha sido trabalho de magistrados de Minas, quando o
ministro Paulo Medina dirigia a AMB, a proposta para a compactação de
entrâncias. Afinal, na Justiça Federal, na Justiça do Trabalho e na Justiça
Militar, inclusive na Estadual, a compactação existe. Não pode a Justiça
Estadual ficar em desvantagem — porque os juízes estaduais estão em todos os
municípios do país, com a mais ampla competência jurisdicional —, a se
constituir uma contradição, demonstrando uma inferioridade deste segmento em
relação aos outros.
É também por isso que as vozes dos magistrados do interior se tornaram e se
tornam uníssonas na reclamação dessa providência, em todas as reuniões
organizadas pelos dirigentes da Amagis para debater temas de interesse da
Justiça, máxime ao se aproximar o período de reforma da Organização e
Divisão Judiciárias. A época era e é propícia para alcançar e tornar efetivo
o que entendiam mais vantajoso para a Justiça mineira, motivo que animava os
juízes a atuar, com mais intensidade, através da Amagis. Esta conhecia e
conhece a realidade atual da magistratura, sente a sua aspiração e canaliza
para o tribunal e, depois, para o Legislativo, mais afeito ao diálogo, as
propostas para modernizar a máquina judiciária.
Assim se fez e assim será feito enquanto viva a democracia. É por isso que,
a duras penas, as Comarcas de Juiz de Fora, Uberlândia, Uberaba, Governador
Valadares e Montes Claros conseguiram alcançar a entrância especial. Foi
necessário que os juízes Doorgal Andrada e Wagner Guerreiro, à época em
Uberaba, com o acatamento do presidente da Assembléia Legislativa de então,
desmontassem erro material (?) cometido na redação final da Organização
Judiciária, tendente a suprimir a ampliação de entrâncias especiais, quando
da derrubada de vetos.
E só foi cumprido o desiderato do povo, por seus representantes, quando
reclamação formulada pelos juízes foi votada pelo Órgão Especial para
proclamar o óbvio, sendo relator o desembargador Francisco Figueiredo, que,
em voto de fundamentação consistente e brilhante, conduziu o entendimento de
que não podiam as comarcas ficar ao desalento só porque surgida a elevação
de emenda parlamentar, quando as outras de menor porte, com bom
apadrinhamento, ainda que tão importantes quanto as de mais de duzentos e
cinqüenta mil habitantes, não sofreram qualquer embaraço para o
reconhecimento de sua elevação a entrância especial. Estão entre elas as de
Ipatinga, Coronel Fabriciano, Santa Luzia e Timóteo.
Muitos juízes das Comarcas deixadas ao sol e ao sereno, sem classificação —
já que não eram de entrância final, porque não se incluíam entre essas e nem
de entrância especial, apesar de possuírem mais de duzentos mil habitantes,
porque assim não queriam os membros da Corte —, acabaram por se aposentar ao
verificarem que o tribunal só discutiu o assunto quando todos os juízes das
comarcas favorecidas, ainda que mais modernos na entrância final, foram
promovidos. Eles verificaram que muitos passaram à sua frente na antiguidade
com a demora no cumprimento da lei e isso lhes ia dificultar atingir o cume
da carreira.
Aí está a importância da Lei de Organização e Divisão Judiciárias, a
envolver não só o tribunal de Justiça, mas, sobretudo, os magistrados, as
associações de classe, os advogados, os membros do Ministério Público, os
servidores e o povo daqui e do interior. É que, se não encontram os
envolvidos resposta no órgão que tem a prerrogativa da iniciativa do
projeto, comparecem naquele que tem a prerrogativa de votá-lo. Todos vão à
Casa do diálogo para que se debatam os temas tratados no projeto, a fim de
que surja um texto, na medida do possível, mais próximo à vontade do titular
do Poder: o povo, que fala por seus representantes.
Não é estranho, por conseguinte, o Legislativo ouvir os interessados em
audiência pública e em comissões temáticas e chancelar a aprovação do
projeto quando encontrado o consenso. O Legislativo não perde em suas
prerrogativas, dando espaço para receber a contribuição do tribunal e dos
demais protagonistas, porque do consenso surge norma duradoura.
É da essência da harmonia entre os poderes o entrelaçamento e a interação
permanentes, porque, se fossem estanques, não disporia a Constituição de
forma expressa, como princípio fundamental, que os Poderes são independentes
e harmônicos entre si, nem disporia que a organização judiciária será
implantada através de Lei e não de Resolução ou édito do Judiciário.
Sobre o autor
Reynaldo Ximenes Carneiro: é desembargador e vice-presidente do
Tribunal de Justiça de Minas Gerais e Superintende da Escola Judicial
Desembargador Edésio Fernandes.
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