Tereza Cristina Monteiro Mafra, Professora de direito de família
da Faculdade de Direito Milton Campos (FDMC), coordenadora do Núcleo de
Pesquisa da FDMC, mestre em direito civil pela UFMG e advogada
No Brasil, especialmente durante a segunda metade do século 20, ocorreram
drásticas transformações no ordenamento jurídico. Consagrados na
Constituição de 1988, os princípios da dignidade da pessoa humana e da
igualdade, entre homem e mulher e entre os filhos (nascidos ou não de
relacionamento conjugal, ou por adoção), passaram a representar novas
diretrizes para o direito de família.
O fenômeno denominado constitucionalização do direito civil, entre outros
aspectos, faz com que as leis devam estar em conformidade com os direitos
fundamentais. Com isso, os filhos, nas disputas judiciais entre seus
genitores, passaram de objetos das controvérsias a sujeitos de direitos e
destinatários principais da prestação jurisdicional, que deve ser norteada
pelo princípio do superior interesse do menor (the best interest of the
child).
Diante desses novos paradigmas, a tendência de se atribuir, isoladamente, a
guarda dos filhos menores a um só dos pais vem se abrandando, buscando-se
evitar o desequilíbrio quanto aos direitos parentais, em que a notória
preferência reconhecida à mãe mostra-se, em princípio, contrária à previsão
constitucional de igualdade entre o homem e a mulher (conforme Eduardo de
Oliveira Leite).
Neste sentido é o Projeto de Lei nº 6.350, de 2002, de autoria do
ex-deputado Tilden Santiago, que modifica o Código Civil para prever a
denominada guarda compartilhada dos filhos, cujos pais não mantenham uma
comunhão de vida, retornou à Câmara dos Deputados, para apreciação do
substitutivo apresentado pelo Senado e foi aprovado, na última terça-feira,
por unanimidade.
De acordo com a relatora da proposta na Comissão de Seguridade Social da
Câmara, deputada Cida Diogo, o substitutivo apresentado no Senado trouxe
importantes modificações na redação original do projeto, estabelecendo não
só regras para a guarda compartilhada, mas definindo, expressamente, o que
se denominou guarda unilateral.
Guarda unilateral definiu-se como aquela atribuída a um só dos genitores, ou
a alguém que o substitua e, por guarda compartilhada compreende-se a
responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres, do pai e da
mãe, que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos
filhos comuns.
A previsão na lei, expressamente, do significado atribuído às espécies de
guarda por ela reguladas tem a inegável utilidade de evitar interpretações
díspares e confusão conceitual, ante a existência de múltiplos modelos, tais
como a unilateral, alternada e compartilhada.
A guarda unilateral dá-se quando o menor tem uma moradia fixa, em companhia
de um dos pais, recebendo a visita periódica daquele que não detém a guarda.
Para Eduardo de Oliveira Leite, a tendência dos Tribunais no sentido de
atribuir, sistematicamente, à mãe o exercício da guarda, reservando ao pai
somente as visitas, levou a distorções: tanto há o abandono dos filhos por
pais desmotivados pela ausência dos mesmos, como também a revolta dos
genitores que não mais admitem ser relegados a um papel “secundário”.
A guarda alternada – equivocada e freqüentemente confundida com a
compartilhada – é aquela na qual os genitores dividem, em partes iguais, o
tempo em companhia do filho e cujos períodos se alternam em dias, semanas,
meses ou anos. Cada um dos pais exerce a guarda, alternadamente, com todos
os atributos que lhe são inerentes. De acordo com a psicanalista Françoise
Dolto, as guardas alternadas não asseguram ao “filho-joguete” um continuum
afetivo, espacial e tampouco social, prejudicando o desenvolvimento da
criança.
Diversamente, a guarda compartilhada refere-se a um tipo de guarda na qual o
pai e a mãe dividem a responsabilidade legal sobre os filhos, ao mesmo
tempo, e compartilham as obrigações pelas decisões importantes a eles
relativas.
Trata-se de um cuidar dos filhos, concedido aos pais, que devem atuar em
cooperação, com respeito e igualdade, sempre priorizando o bem-estar do
menor.
A guarda compartilhada originou-se na Common Law (joint custody), alcançou
Canadá e Estados Unidos, e instaurou-se na Europa, assimilada pela França, a
partir de 1976.
O exercício compartilhado da autoridade parental, porém, não se estende à
guarda física e dela independe. Ou seja, o menor poderá ter sua moradia
única estabelecida com o pai ou a mãe. Compartilhadas serão as prerrogativas
na tomada de decisões acerca dos filhos, não importando quem deterá a
custódia física, como explica Rolf Madaleno.
No texto do projeto, a guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser
fixada, por consenso ou por determinação judicial, para prevalecer por
determinado período, considerada a faixa etária do filho e outras condições
de seu interesse. E, quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à
guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada.
O legislador recomenda a guarda compartilhada, que pressupõe o exercício da
autoridade parental de modo harmônico, ou, pelo menos, em cooperação pelos
pais.
Entretanto, tal exercício, em comum, dos direitos-deveres relativos aos
filhos menores, pode revelar-se inviável, quando o fim do relacionamento
amoroso do ex-casal tiver deixado, como graves seqüelas, sentimentos
nefastos, o que se demonstra até mesmo pela continuidade e proliferação de
demandas.
Deve-se, ainda, mencionar uma novidade: a alteração não autorizada ou o
descumprimento imotivado de cláusula de guarda, unilateral ou compartilhada,
poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor,
inclusive quanto ao número de horas de convivência com o filho.
Por fim, tendo sido aprovada pelo Legislativo, o Projeto de Lei nº
6.350/2002 será encaminhado para sanção presidencial. Uma vez promulgada, a
nova lei se tornará obrigatória no prazo 60 dias de sua publicação.
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