por Izner Hanna Garcia
Não faz muito tempo, eu estava no balcão de um cartório, pagando meu quinhão
à burocracia do Brasil, quando vi ao meu lado desenrolar-se uma cena
estranha.
Um indivíduo (ou meliante) apresentou uma transferência de um carro para ser
reconhecida e, juntamente, sua identidade visto que tal reconhecimento o
exige. O escrevente, conforme é normal, foi conferir a assinatura, a qual
condizia (ao que pude depreender) com a ficha havida no cartório. Contudo, o
documento de identidade era, digamos com eufemismo, dissonante. O número do
RG não era o mesmo que estava nos cadastros do cartório.
Houve uma pequena alteração de vozes entre a pessoa e o escrevente, e a
“coisa” desmanchou-se sozinha, sem o reconhecimento da firma.
Uma pequena tentativa de golpe? Um engano?
Não sei. E também, certamente, o escrevente não soube. Na dúvida, não
reconheceu a firma.
Conto este caso, que presenciei, para comentar a assinatura de um decreto
pelo governo do estado de São Paulo que retira a exigência do reconhecimento
de firma e autenticação de documentos junto a órgãos públicos estaduais.
É uma medida saneadora e que contribuí para desburocratização. É evidente
que a exigência do reconhecimento de firma (a um custo que varia de R$ 2,5 à
R$ 7,15) e autenticação (a um custo de R$ 1,85) gera inúmeros trâmites que
fazem de nós o país dos cartórios.
Contudo, fica-me uma séria dúvida se os benefícios alcançados com esta
desburocratização não irá gerar, por outro lado, inúmeras fraudes. O
“jeitinho brasileiro” e o “exercício da Lei de Gerson” são notórios. E os
documentos são suas vítimas primeiras.
É evidente que podemos, academicamente, abstrair a questão até as esferas
constitucionais mais elevadas e mesmo dos Direitos do Homem, alegando que há
a presunção de inocência e que tal instituto pressupõe que um documento
assinado por alguém ou uma cópia sejam, em princípio, verdadeiros.
Entretanto, se deixarmos de lado o academicismo, quem tem um mínimo de
prática no dia a dia comercial e foreiro sabe que, embora burocráticos, o
reconhecimento de firma e a autenticação de documento dão segurança jurídica
mínima.
Os cartórios funcionam como juízos preventivos, obstando a prática de
inúmeras fraudes.
Sem a exigência do reconhecimento de firma, por exemplo, fico imaginando
como ficarão os arquivos da Junta Comercial, arquivando milhares de
alterações contratuais firmadas sem a certeza de quem realmente as
assinaram.
É evidente que, a partir desta medida, a quantidade de fraudes,
falsificações e adulterações irão aumentar. E muito.
E tudo irá terminar no Poder Judiciário, operando o efeito inverso que busca
o governo estadual, tal seja, o trâmite burocrático não será desfeito e se
perderá a única vantagem do sistema, tal seja, a segurança.
É uma pena que assim seja. Mas assim o é e será
Izner Hanna Garcia: é professor de Processo Civil, pós-graduado pela
FGV.
|