GISELLE SOUZA
Desjudicialização na pauta
A aprovação do Projeto de Lei 5243/09, que visa a possibilitar a realização
da arbitragem por titulares de delegação do poder público é defendida pelo
vice-presidente da Associação dos Notários e Registradores do Estado do Rio
de Janeiro (Anoreg-RJ), Alan Borges. Na avaliação dele, a proposta -
aprovada na Câmara em caráter conclusivo e, por isso, encaminhada ao Senado
- é importante para objetivar a desburocratização da prestação
jurisdicional. Esse tema, aliás, será tratado no XI Congresso de Direito
Notarial e de
Registro que a entidade promove de domingo até quarta-feira, no Rio Othon
Palace Hotel, em Copacabana. "Houve um período de intensa judicialização.
Tudo precisava passar pelo juiz. Hoje, há um fenômeno inverso.
A desjudicialização é o fenômeno pelo qual onde todos sabem exatamente os
seus direitos, então não precisam daquela formalidade que envolve o processo
judicial", explicou Borges, destacando, na entrevista, outros procedimentos
que poderiam ser retirados da esfera judicial.
JORNAL DO COMMERCIO - O que vai ser tratado no Congresso?
ALAN BORGES - O fenômeno da desjudicialização e desburocratização de todo o
processo civil brasileiro, assim como procedimentos que hoje são do
Judiciário e que, na nossa avaliação, poderiam passar para os cartórios.
Houve um período de intensa judicialização. Tudo precisava passar pelo juiz.
Hoje, há um fenômeno inverso. A desjudicialização é o fenômeno pelo qual
onde todos sabem exatamente os seus direitos, então não precisam daquela
formalidade que envolve o processo judicial. O Congresso vai tratar disso,
de novas propostas para tornar mais ágil as relações jurídicas que existem
entre as pessoas físicas e jurídicas do País.
De que forma essa desjudicialização vem ocorrendo?
- A Lei 11.441/07, por exemplo, tornou possível o divórcio, a separação e a
partilha de bens no cartório, nos casos que não envolvem conflitos ou
interesse de menores. Essa norma é o fenômeno mais visível da
desjudicialização, mas há outros. Cito a retificação administrativa de
áreas. Antigamente, os imóveis eram mal descritos em seus registros.
Hoje, com tecnologia, é possível a retificação administrativa.
Que outros procedimentos, na sua avaliação, deveriam ser retirados da esfera
judicial?
- O casamento hoje, dentro do cartório, é um procedimento ágil. No entanto,
poderia ser ainda mais rápido se a habilitação não precisasse passar pelo
crivo do Ministério Público nem do juiz. Hoje, os noivos precisam apresentar
os documentos ao cartório, que de lá seguem para o MP e ao juiz de direito
competente. Depois que eles dizem que está tudo ok, há outra verificação,
desta vez do juiz celebrante ou juiz de paz. Acho que pelo menos duas etapas
poderiam ser eliminadas. Em alguns lugares estão advogando a tese de que o
próprio oficial do cartório poderia fazer a habilitação. Eu acho que sim.
Seriam, então, quatro etapas totalmente desnecessárias. Assim, poderíamos
terminar o processo de casamento em 15 dias. Hoje o processo leva quase 60
dias em alguns cartórios.
Outra situação, que já está sendo discutida no Congresso, diz respeito à
retificação, quando, por exemplo, o nome é grafado errado no registro de
nascimento. Os cartórios poderiam perfeitamente alterar esse
registro. Hoje, no entanto, há todo um procedimento administrativo, pelo
qual o pedido tem que ser encaminhado ao juiz para que autorize o oficial a
fazer a correção. Na verdade, quando um juiz recebe um pedido de
retificação, muitas vezes acaba perguntando ao oficial como fazer já que não
tem o costume de examinar livro por livro, como o oficial faz. Esse tipo de
medida economizaria tempo. Há, a meu ver, dentro do cartório, então, uma
série de procedimentos que não precisariam ser tão formais.
Há um projeto no Congresso que visa a habilitar o notário e registrador como
árbitros. Qual é a expectativa da entidade em relação a ele?
- Qualquer cidadão pode ser eleito árbitro. Algumas pessoas dizem que essa
lei não é necessária por causa disso. Entretanto, para o titular do
cartório, a atividade dele é plenamente vinculada. Tudo o que ele faz no
cartório que está sob sua direção, tem que estar previsto em lei. Então,
temos a expectativa de que esta previsão legal é importante porque
conseguiremos desafogar o emaranhado de causas que estão nos fóruns
judiciais. Isso tudo é para ajudar o próprio Judiciário e a sociedade.
Reivindicamos isso porque o profissional de cartório já é profissional do
Direito capacitado para esse tipo de conciliação prévia. Na verdade, quando
fazemos as escrituras de compra e venda, de pacto antenupcial, temos ali
conciliações de interesses contrapostos, que se resolvem sem nenhum atrito.
Alguns dos pontos que serão tratados no Congresso dizem respeito à
regularização fundiária, o direito de superfície e suas implicações no
Registro de Imóveis, assim como o acesso à moradia e a legitimação do
uso da posse. Que papel os cartórios poderiam desempenhar rumo à
desjudicialização nestas áreas?
- Os cartórios e seus integrantes podem atuar preventivamente para a
observância de regras básicas de urbanística, higiene, ventilação e
utilização de espaço comum. Podem, ainda, efetivar medidas para adequar
áreas que não estejam em conformidade com o regramento definidor daquilo que
é considerado o mínimo necessário a uma boa qualidade de vida. Não é
possível mais aguardarmos que o juiz nos diga o que é o direito. Nós mesmos
temos de democratizar este conceito e disseminá-lo. O direito não pode ser
exclusividade de ninguém, mas sim ser acessível a todos. E o cartório é o
local mais democrático que há para se reconhecer a ocorrência da prescrição
aquisitiva. O registrador domina o assunto e reconhece a função social da
propriedade.
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