As firmas individuais poderão estar com seus dias contados. É que o
Projeto de Lei 4.605/09, de autoria do deputado Marcos Montes (DEM-MG), em
trâmite na Câmara dos Deputados, se aprovado acrescentará ao Código Civil
brasileiro o artigo 985-A, que institui a empresa individual de
responsabilidade limitada, constituída por um único sócio, pessoa natural,
que é o titular da totalidade do capital social e que somente poderá figurar
numa única empresa dessa modalidade
Stanley Martins Frasão
Advogado, conselheiro seccional da Ordem dos Advogados do Brasil em Minas
Gerais (OAB-MG) e sócio do escritório Homero Costa Advogados
A denominada sociedade por cotas de responsabilidade limitada, que era
regida desde 1919 pelo Decreto 3.708, passou a ser tratada simplesmente de
sociedade limitada pelo Código Civil (CC). Constitui o tipo de sociedade em
maior número entre aquelas registradas no país, sem a consideração, nesse
cálculo, das sociedades civis por cotas de responsabilidade limitada, que
foram registradas nos cartórios de registro civil de pessoas jurídicas
(artigo 1.364 do Código Civil de 1916), o que majoraria ainda mais a
participação relativa das sociedades limitadas no total de sociedades
registradas.
Verifica-se que, no período de 1985 a 2005, das 9.868.627 empresas com os
respectivos contratos sociais arquivados nas juntas comerciais brasileiras,
4.783.051 são sociedades limitadas, no percentual relativo de 48,46%. A se
considerar que 50,99% (5.031.614) dos arquivamentos são registros de firmas
individuais, e que 0,06% constitui-se das demais empresas e 0,26% de
cooperativas, sendo que, inclusive, o percentual destas é superior ao das
sociedades anônimas (0,23%), demonstra-se a relevância da sociedade limitada
como tipo societário no ordenamento jurídico brasileiro.
Assim, 99,45% dos registros nas juntas comerciais brasileiras, no período de
1985 a 2005, conforme estatísticas do Departamento Nacional de Registro de
Comércio (DNRC), são de firmas individuais e sociedades limitadas. Dessas,
bem se sabe, na maioria das vezes, são constituídas por apenas dois sócios e
um deles é sócio majoritário, com 99% das cotas.
As firmas individuais poderão estar com seus dias contados. É que o Projeto
de Lei 4.605/09, de autoria do deputado Marcos Montes (DEM-MG), em trâmite
na Câmara dos Deputados, se aprovado acrescentará ao Código Civil brasileiro
o artigo 985-A, que institui a empresa individual de responsabilidade
limitada, constituída por um único sócio, pessoa natural, que é o titular da
totalidade do capital social e que somente poderá figurar numa única empresa
dessa modalidade. Somente o patrimônio social da empresa responderá pelas
dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, não se
confundindo em qualquer situação com o patrimônio pessoal do empresário,
conforme descrito em sua declaração anual de bens, entregue à Secretaria da
Receita Federal do Ministério da Fazenda.
Isso possibilitará que o empresário individual possa explorar uma atividade
econômica sem colocar em risco seus bens pessoais e ter que se associar a
alguém somente para compor uma sociedade limitada, que atualmente é formada
de, no mínimo, duas pessoas.
Em contrapartida, os terceiros com quem negociar não deverão deixar de
examinar o contrato social, porque estarão restritos, em tese, à garantia do
capital social. Certamente, outras garantias serão e passarão a ser exigidas
pelos credores de tal novo empresário.
Vale lembrar que obrigam a pessoa jurídica os atos do administrador,
exercidos nos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo (artigo
47 do CC).
Exige-se do administrador, além do cuidado, a diligência necessária no
exercício de suas funções perante a administração da sociedade e obediência
estatutária e legal. Deve, assim, agir com obediência ao contrato social,
principalmente com respeito aos limites de seus poderes, e às leis, sob pena
de responder judicialmente pelos danos a que der causa perante a sociedade,
os sócios e terceiros.
O Código Civil formulou (parágrafo único, artigo 1.015) as três hipóteses
nas quais poderá a sociedade limitada opor a terceiros a exceção de excesso
de poderes: se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no
registro próprio da sociedade (sistema estatutário); provando-se que a
limitação de poderes era conhecida do terceiro; e quando tratar-se de
operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade.
Deve ser lembrado que o terceiro de boa-fé, com entendimento mediano de
negócios, pode e deve discernir um ato regular de administração de um ato
estranho aos negócios da sociedade, praticado com excesso de poderes. No
exame de um fato concreto deverá ser levada em consideração a teoria da
aparência, com exame do comportamento adotado. Afinal, a aparência, nos
negócios de boa-fé, “é uma das formas de proteção da confiança, asseguradas
pela ordem jurídica”. (Hélio Borghi, Teoria da aparência no direito
brasileiro, 1999, p. 17).
Isso também reforçará o sistema estatutário, tendo o legislador adotado a
lição de Waldemar Ferreira (Tratado de direito comercial. São Paulo:
Saraiva, 1961, vol. III, n. 540. p. 428 – 433), no sentido de que caberá ao
terceiro perscrutar quais os atos o administrador tem poderes para praticar,
com respeito à publicidade que é portador o contrato arquivado no registro
do comércio. A considerar que o registro do contrato social confere oposição
erga omnes àquele ato societário, torna-se prudente a exigência para o
terceiro de boa-fé tomar conhecimento do mesmo previamente à realização do
negócio com a sociedade, para averiguar se o administrador estaria
praticando algum ato em nome da sociedade, com excesso de poderes.
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