Apesar de, em princípio, ser algo bastante simples, a penhora gera
importantes discussões nos Tribunais Superiores, entre as quais optamos
por abordar a (im)penhorabilidade do bem de família do fiador em contrato
de locação e o que pode ser considerado necessário ou supérfluo quando da
sua efetivação Sérgio Santos Rodrigues, sócio do escritório Santos
Rodrigues Advogados Associados e Professor da Escola Superior Dom Helder
Câmara Sergio@santosrodrigues.com.br A penhora é definida por Liebman
como o “ato pelo qual o órgão judiciário submete a seu poder imediato
determinados bens do executado, fixando sobre eles a destinação de
servirem à satisfação do direito do exequente. Tem, pois, natureza de ato
executório” (em Processo de execução.4.ed. São Paulo: Saraiva, 1946, n.
56, p. 95). Apesar de, em princípio, ser algo bastante simples, a penhora
gera importantes discussões nos Tribunais Superiores, entre as quais
optamos por abordar a (im)penhorabilidade do bem de família do fiador em
contrato de locação e o que pode ser considerado necessário ou supérfluo
quando da sua efetivação.
Quanto ao primeiro caso, a Lei 8.009/90 prevê em seu artigo 1º a chamada
“impenhorabilidade do bem de família” assim descrita, in verbis: “O imóvel
residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e
não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal,
previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos
pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas
hipóteses previstas nesta lei”.
Todavia, a Lei 8.245/91 – Lei de Locação de Imóveis Urbanos – incluiu no
dispositivo supracitado o inciso VII no artigo 3º, passando a determinar
que a impenhorabilidade poderia ser oponível em qualquer processo de
execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista, ou de outra natureza,
salvo se movido “por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato
de locação”. Em suma, portanto, o bem de família do fiador em contrato de
locação passou a ser penhorável.
A questão tomou novos rumos em abril de 2005 quando o ministro Carlos
Mário Velloso, então no Supremo Tribunal Federal, proferiu decisão
monocrática no RE 352940/SP mudando esse entendimento, sob o argumento de
que a alteração imposta pela lei de 1991 não foi recepcionada pela
Constituição da República, mormente após a edição da Emenda Constitucional
26/2000, que passou a incluir o direto à moradia como direito social.
Segundo o ministro, ainda, a situação feria o princípio da isonomia por
tratar desigualmente situações iguais. Esse voto, contudo, não pacificou a
questão.
Em fevereiro de 2006, julgando o Recurso Extraordinário 407.688-8/SP, o
pleno do Supremo Tribunal Federal analisou a questão e, por maioria,
adotou entendimento diverso, seguindo voto do ministro relator César
Peluso, que teve a seguinte ementa: “FIADOR. Locação. Ação de despejo.
Sentença de procedência. Execução. Responsabilidade solidária pelos
débitos do afiançado. Penhora de seu imóvel residencial. Bem de família.
Admissibilidade. Inexistência de afronta ao direito de moradia, previsto
no art. 6º da CF. Constitucionalidade do art. 3º, inc. VII, da Lei no.
8.009/90, com a redação da Lei no. 8.245/91. Recurso Extraordinário
desprovido. Votos vencidos. A penhorabilidade do bem de família do fiador
do contrato de locação, objeto do art. 3º, inc. VII, da Lei no. 8.009/90,
de 23 de março de 1990, com a redação da Lei no. 8.245/91, de 15 de
outubro de 1991, não ofende o art. 6º da Constituição da República”.
Votaram em sentido contrário os ministros Eros Grau, Carlos Brito e Celso
de Mello, o que demonstra que a questão realmente é complicada.
Diante desse novo cenário, o Superior Tribunal de Justiça seguiu esse
entendimento, que é o que predomina atualmente – v. AgRg no REsp
1002833/MG, de 14/10/08, relator ministro Paulo Gallotti e EDcl no REsp
951649/SP, de 23/06/08, relator ministro Arnaldo Esteves Lima, entre
outros.
Superada essa questão, analisemos o que pode ser penhorado ou não, segundo
o Superior Tribunal de Justiça. Novamente é necessário recorrer à Lei
8.009/90, que no parágrafo único do artigo 1º determina que a
“impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam
construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os
equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a
casa, desde que quitados”. Foram expressamente excluídos dessa lista pelo
artigo 2º os veículos de transporte, as obras de arte e os adornos
suntuosos. Sendo assim, em que se configuram essas determinações na
prática?
As segunda, terceira e quinta turmas do STJ discutiram a possibilidade de
penhora de um aparelho de ar-condicionado. Para a terceira turma o bem
seria impenhorável, sob o argumento de que assim devem ser todos os
equipamentos da residência, e não somente aqueles indispensáveis para o
seu funcionamento. Desta forma, foi suspensa a penhora sobre ar
condicionado, micro-ondas e televisão. A quinta turma, em outro caso,
incluiu o videocassete na lista.
Em sentido contrário, porém, a segunda turma do STJ chegou à conclusão de
que, apesar de não ser um bem suntuoso, o aparelho de ar-condicionado pode
ser penhorado por não ser indispensável à sobrevivência. Para os ministros
componentes desta turma, ainda, um piano também pode ser penhorado já que,
se o devedor tem um instrumento que não é utilizado para fins
profissionais ou de aprendizagem, ele é considerado um adorno suntuoso.
As vagas de garagem também geraram divergência, nesse caso, entre a
terceira e quarta turma (de direito privado) e a segunda turma (direito
público). Enquanto aquelas entendem que pode haver a penhora da vaga
(desde que tenha matrícula individualizada com inscrição no Registro de
Imóveis), para essa, a vaga de garagem faz parte do apartamento e está
coberta pela impenhorabilidade prevista em lei.
Está claro, portanto, que chegar a um posicionamento unânime parece
impossível. Os ministros do STJ têm analisado essas questões
individualmente e relevando, sempre, o contexto social de cada família.
Sendo assim, qualquer previsão concreta sobre o tema pode ser errada,
motivo pelo qual o ideal é sempre tentar arcar com as dívidas e evitar a
penhora.