Conselho Nacional de Justiça trabalha pacote de normas que force os
tribunais estaduais a promoverem concursos públicos para preencher vagas de
notários e tabeliães. Proposta deve ser apresentada em março.
Mirella D'Elia - Correio Braziliense
O
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pretende baixar, em março, um pacote de
normas sobre a atuação dos cartórios brasileiros. Contrário à proposta de
emenda constitucional (PEC) que efetiva, sem concurso público, titulares de
cartórios, o órgão quer forçar os Tribunais de Justiça a aplicar as provas
para o preenchimento de vagas, como determina a Constituição Federal. A
falta de concursos é um dos argumentos dos defensores da aprovação da
polêmica PEC 471 de 2005, que está no plenário da Câmara.
O CNJ vai aproveitar para impor, também, regras mais rígidas para os donos
de cartórios. Uma das propostas é padronizar os preços cobrados por serviços
que, atualmente, são fixados pelas legislações estaduais. A falta de
critérios claros faz com que cheguem ao conselho dezenas de reclamações de
cidadãos questionando as diferenças de valores nos estados.
Tabela única
Outra mudança que deve ser colocada em pauta é a padronização dos modelos de
certidões. O objetivo, neste caso, é evitar falsificações. Segundo Ricardo
Chimenti, juiz auxiliar da Corregedoria do CNJ, até 15 de março a proposta
deverá ser fechada e levada aos demais integrantes do conselho para votação.
“É uma forma de agilizar o provimento de vagas abertas por concurso”,
informou o juiz.
Desde dezembro de 2008, por determinação do corregedor nacional de Justiça,
ministro Gilson Dipp, uma equipe de oito pessoas — que inclui juízes da
corregedoria e magistrados especializados no assunto, que atuam nos estados
— analisa a situação dos cartórios brasileiros para chegar a um diagnóstico.
“O CNJ passou a estudar a questão quando descobriu que havia um grande
número de conflitos. A discussão sobre a PEC contribuiu para isso”, disse
Chimenti.
Transição sem conflitos
Este mês, chegou às mãos do corregedor nacional de Justiça, ministro Gilson
Dipp, um relatório da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg),
entidade que promove os concursos e representa os cartórios. O próximo passo
é ouvir os representantes dos tribunais. “Em 5 de fevereiro, vou ter uma
reunião com os juizes que fiscalizam os cartórios. Em cima desses dados,
pretendemos montar um procedimento que não gere conflitos e que permita que
os concursos se realizem com tranquilidade e rapidez”, completa o juiz.
O CNJ já se posicionou publicamente contra a PEC dos Cartórios. Em novembro
do ano passado, o órgão aprovou uma nota técnica defendendo os concursos e
reivindicando a rejeição da proposta, classificada como “um descompasso
histórico, pois vulnera princípios constitucionais do Estado de Direito”. “A
norma (realização de concursos) atende o critério de impessoalidade previsto
no artigo 37 da Constituição Federal. A partir do momento em que você tem
uma prova, qualquer pessoa que se qualifique vai poder ter acesso a essa
função. Com concurso, todos terão oportunidades iguais”, afirma Ricardo
Chimenti, juiz auxiliar da Corregedoria do CNJ.
Outras entidades, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), também já
criticaram duramente a PEC. No fim de 2008, o presidente da OAB, Cezar
Britto, chegou a declarar que os cartórios não poderiam ser “capitanias
hereditárias”. O tema é assunto de várias ações em tramitação no Supremo
Tribunal Federal (STF) e de processos administrativos no próprio CNJ.
No Congresso, porém, deputados vêm sofrendo lobby intenso de donos de
cartórios para aprovar a proposta. Em reunião no fim de novembro, os líderes
partidários chegaram a selar um acordo para levar a PEC à votação no
plenário da Câmara. O presidente da Casa, Arlindo Chinaglia (PT-SP), porém,
preferiu passar longe da polêmica e acabou deixando a matéria para ser
apreciada este ano. A justificativa foi de que não havia disposição política
para votar o texto.
Memória
Trem da alegria de mil donos de um negócio milionário
A PEC 471 de 2005 efetiva, sem concurso público, titulares de cartórios.
Polêmica, a proposta original beneficiava os responsáveis e substitutos
“investidos na forma da lei”. Seriam pelo menos mil donos de cartórios,
segundo cálculo feito pela Associação dos Notários e Registradores do Brasil
(Anoreg).
Pelo substitutivo do relator, deputado João Matos (PMDB-SC), seriam
efetivados aqueles que estivessem respondendo interinamente pelas funções
nos últimos cinco anos.
O texto que vai a plenário, aprovado na comissão especial da PEC, delega a
titularidade dos cartórios “àqueles designados substitutos ou responsáveis
pelas respectivas funções até 20 de novembro de 1994 e que, na forma da lei,
encontrarem-se respondendo pela serventia há no mínimo cinco anos
ininterruptos imediatamente anteriores à data de promulgação desta emenda
constitucional”.
A Constituição manda que os tribunais de Justiça estaduais promovam, no
prazo de seis meses, concurso público para preencher os cargos vagos.
Em novembro de 2007, o Correio fez um levantamento em vários estados e
demonstrou que nem mesmo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), responsável
pela fiscalização da atividade, conhecia o número de pessoas que seriam
beneficiadas pelo trem da alegria.
Em abril de 2008, o Correio divulgou com exclusividade levantamento do CNJ
sobre os cartórios. Os números explicavam as razões da cobiça pela
titularidade dos cartórios. Juntas, as 10,7 mil serventias extrajudiciais
que já tinham prestado informações tinham arrecadado R$ 3,8 bilhões em 2006.
Cerca da metade das serventias tinha renda mensal de até R$ 5 mil.
As cifras impressionam quando se chega aos 100 maiores cartórios. Segundo o
levantamento, os estabelecimentos tinham faturamento mensal entre R$ 500 mil
e R$ 2 milhões. O maior deles, com cerca de 150 funcionários, localizado no
Rio de Janeiro, faturou R$ 28,3 milhões em 2006.
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