Por Sylvia Maria Mendonça do Amaral
Não é nova a reivindicação dos homossexuais pelo reconhecimento da
possibilidade de pessoas do mesmo sexo viverem em união estável, de modo
idêntico aos casais heterossexuais, para que possam constituir um núcleo
familiar. Decisão recente do Superior Tribunal de Justiça, que confirmou
decisões de 1ª e 2ª instâncias, dando a uma mulher de Bagé (RS), o direito
de adotar dois meninos, filhos adotivos de sua companheira, deverá abrir
novos precedentes e modificar o Direito de Família no Brasil.
Há tempos os homossexuais buscam solidificar seus direitos junto ao Poder
Legislativo, por meio de projetos de lei que tendem a ficar esquecidos e
sempre preteridos. Os políticos têm mais interesse em julgar outras questões
que não essa, bastante polêmica e fortemente combatida pelas bancadas
religiosas, que insistentemente obstam sua aprovação.
O projeto de lei que originou a nova Lei de Adoção 12.010/2009 trazia em um
de seus artigos a previsão expressa de que casais homossexuais pudessem
adotar. Por pressão das bancadas religiosas, o projeto foi aprovado com a
supressão desse artigo. Além da ausência de previsão legal, políticos
pretendem proibir a adoção por casais do mesmo sexo através de projetos de
lei. É o caso do deputado Zequinha Marinho (PSC-PA), autor do projeto
7018/2010, que tem como proposta alterar o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), inserindo no texto tal vedação.
Porém, os políticos contrários à adoção por casais homossexuais vêm
assistindo a queda de seus ideais preconceituosos. Vide as decisões
proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça, Tribunal do Estado do Mato
Grosso e de São Paulo, sucessivamente, todas num intervalo de 10 dias.
A primeira delas aconteceu no dia 27 de abril deste ano e foi proferida pelo
STJ, que concedeu a uma moradora de Bagé (RS) o direito de adotar dois
meninos, filhos adotivos de sua companheira. Um dia depois veio uma decisão
do TJ-MT, concedendo o mesmo direito a um homem cujo companheiro já havia
adotado uma criança. No início de maio, o TJ-SP concedeu o mesmo direito a
uma mulher que vivia em união com sua companheira, mãe adotiva de uma
menina.
Foram três vitórias que tiveram foco no bem-estar da principal beneficiada
com a adoção, a criança. Ela é quem merece as atenções e cuidados e,
existindo uma estrutura familiar, mesmo que não idêntica àquelas que nossas
leis determinam (as famílias heterossexuais), não há porque negar a criança
o direito de ser adotada.
Ou seja, concluindo-se que há efetivamente uma estrutura familiar saudável e
estável, que propicie à criança a felicidade, segurança e amor, não há
motivo que justifique a separação daqueles que já vivem unidos de forma
harmoniosa. Não há porque negar-lhes o direito à vida em família já que aos
pequenos foi concedida a felicidade, mesmo que informal, de assim viverem.
Além da harmonia dessas crianças com a família que as criou, a adoção pelo
companheiro ou companheira revela-se fundamental no aspecto jurídico.
A criança adotada por apenas um dos parceiros estabelece vínculos jurídicos
só com ele, por mais estreitos que sejam os laços de afeto formados com
aquele que não a adotou. Só será herdeira e só poderá exigir alimentos do
adotante; e só dos benefícios concedidos a ele é que a criança poderá
usufruir.
Um exemplo corriqueiro é a impossibilidade de inclusão da criança no plano
de saúde daquele que também a cria, mas que não a adotou legalmente e, por
isso, não mantém com ela vínculos jurídicos.
Com a adoção pelo companheiro, como preconizada nos julgados recentes, a
criança estabelece vínculos jurídicos com ambos os pais ou mães. Será
herdeira deles, podendo exigir de um ou outro os mesmos direitos, gozando
dos benefícios que ambos podem lhe dar.
Com decisões inovadoras como essas, principalmente a do STJ por ser uma
instância superior, que já entrou para a história da busca pela igualdade e
dignidade da pessoa humana, ganharam todos. Ganhou a família que,
homossexual ou heterossexual, tem como maior função dar às crianças o
suporte indispensável para que se desenvolvam e cresçam como cidadãos do
bem. Cidadãos que no futuro provavelmente defenderão que nada mais é tão
importante do que conceder a todos o direito à felicidade.
* Sylvia Maria Mendonça do Amaral é advogada de Direito Civil e
Direito de Família e Sucessões, especialista em indenizações e sócia do
escritório Mendonça do Amaral Advocacia. |