Dificuldade não reside na interpretação da norma ou na finalidade a que
propõe o legislador e sim na falta de conhecimento legal e procedimental de
alguns intérpretes do direito
Eversio Donizete de Oliveira
Presidente da Associação dos Tabeliães de Protestos de Minas Gerais (Assotap-MG)
Vivemos numa era digital. A sociedade tem almejado novos padrões sociais,
conferindo-lhes privilégios especiais, principalmente no que concerne à
economia. No plano jurídico, temos a necessidade de buscar soluções para os
conflitos, observando o presente e o futuro. Nessa perspectiva, devemos
aproveitar intensamente a legislação pertinente ao direito intelectual.
O protesto extrajudicial tem sofrido ataques constantes de alguns
intérpretes do direito, no que reporta a duplicatas mercantis por indicação,
entregues nas serventias, por via eletrônica de imagem ou outros meios de
reprodução. Sob a alegação de serem boletos bancários, denotam que o
protesto tem se constituído um verdadeiro abuso de direito, extorsão, forma
violenta e indevida de cobrança. Destarte, tentaremos elucidar o caso,
apresentando à sociedade a verdade dos fatos e a legalidade do protesto.
O artigo 1º, da Lei nº 9.492/97 (Lei de Protestos), expõe que: “O protesto é
o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento
de obrigação em títulos e outros documentos de dívida”. Entre os possíveis
pensamentos do legislador, podemos admitir a possibilidade dos seguintes
protestos: duplicata, nota promissória, cheque, letra de câmbio, cédula de
crédito bancário, sentença judicial, contrato de aluguel, taxa de condomínio
e tantos outros. A lei não define quais são os documentos a serem
protestados.
O protesto de duplicata mercantil por indicação é um título de crédito com
legislação própria (Lei nº 5.474/68, alterada pelo Decreto nº 436/69 – Lei
de Duplicatas), que tem objeto, característica e método de abordagem
próprios, e, ainda, encontra como respaldo, para o protesto por meio
eletrônico, a Lei de Protesto em seu artigo art. 8º, parágrafo único.
Veja-se: “Poderão ser recepcionadas as indicações a protestos das duplicatas
mercantis, por meio magnético, sendo de inteira responsabilidade do
apresentante os dados fornecidos, ficando a cargo dos tabelionatos a mera
instrumentalização das mesmas”.
Impende observar que o título acima apresentado não tem característica de
boleto bancário, não constitui abuso de direito e, ainda, na generalidade da
lei, encontra respaldo para licitude da emissão e futura protocolização nas
serventias de protestos, caso o devedor esteja inadimplente ou descumpra a
obrigação.
Os nossos tribunais têm apresentado julgamentos favoráveis ao protesto por
meio magnético. Veja-se: “Recurso 358.588-2, relator Osmando Almeida –
julgado em 02/04/2002 – Duplicata mercantil – Cobrança escritural – Protesto
por indicação – Lei nº 9.492/97, art. 8º, parágrafo único – Emissão em data
posterior à da extração da fatura – Possibilidade I – São lícitas as
indicações a protesto de duplicatas mercantis e de prestação por meio
magnético ou de gravação eletrônica de dados. Inteligência do parágrafo
único do art. 8º, da Lei nº 9.492/97.”
Com relação ao boleto bancário, as instituições financeiras acordam por meio
contratual com o sacador, sendo-lhe facultada a cobrança de tais documentos,
e, a posteriori, os bancos enviam um boleto bancário, comunicando aos
supostos devedores os dados do título “número – espécie do título –
vencimento – valor a ser pago pelo documento – etc.
Alguns intérpretes do direito ainda provocam a sociedade alegando que os
cartórios deveriam requerer o canhoto da nota fiscal ou documento
probatório, para protocolização do título na serventia. Data venia, a
obrigatoriedade de tais documentos existiam antes do advento do Decreto nº
436/69, que modificou a Lei de Duplicata, dando nova redação. Vejamos:
“Artigo 13 – A duplicata é protestável por falta de aceite, de devolução ou
pagamento”. O tabelião não pode exigir do apresentante aquilo que não está
expresso em lei. Nesse caso em comento, a redação atual afasta a
aplicabilidade do tabelião no requerimento de comprovante de entrega de
mercadoria ou outro comprovante da relação jurídica.
Outro aspecto, de ordem processual e procedimental, é a responsabilidade
civil e criminal sobre a titularidade do tabelião no momento da
protocolização do título ou documento de dívida. O artigo 3º, da Lei de
Protestos, expõe competência do tabelião no recebimento do documento para
protesto. Vejamos: “Compete privativamente ao tabelião de protesto de
títulos, na tutela dos interesses públicos e privados, a protocolização, a
intimação, o acolhimento da devolução ou do aceite, o recebimento do
pagamento, do título e de outros documentos de dívida”. Depare-se que a
responsabilidade do tabelião é averiguar se existe vício no documento
apresentado; não cabe a ele averiguar o negócio jurídico entre o devedor e o
sacador do título.
Destarte, o legislador opera de forma clara e sucinta quanto à
responsabilidade civil ou criminal daquele que apresenta títulos ou
documentos de dívida em cartório, que figurou por fraude, estelionato ou
qualquer outro ato ilícito. Vejamos a aplicabilidade do artigo 5º, parágrafo
único da Lei de Protestos: “Art. 5º – Parágrafo único: Ao apresentante será
entregue recibo com as características essenciais do título ou documento de
dívida, sendo de sua responsabilidade os dados fornecidos”.
Em matéria de responsabilidade civil ou criminal, o legislador aplica ao
apresentante do título ou documento de dívida a responsabilidade dos dados
fornecidos ao tabelião de protestos. Cabe à instituição financeira, nos
casos de endosso mandato ou endosso translativo, a observância legal de
boa-fé ou má-fé do sacador do título, requerendo comprovantes probatórios do
negócio jurídico subjacente.
Por fim, a dificuldade não reside na interpretação da norma ou na finalidade
a que propõe o legislador no instituto de protesto e, sim, na falta de
conhecimento legal e procedimental de alguns intérpretes do direito.