Clipping - Aspectos jurídicos da compra e venda de empresas

Sobre os bens sujeitos a registro público, como os imóveis, os veículos, as embarcações e aeronaves, as patentes, marcas e direitos de uso das mesmas existem as certidões dos cartórios ou órgãos de registro competentes que oferecem não só a prova de sua titularidade mas ainda a evidência de ônus, como hipotecas, penhores etc. que incidam sobre os mesmos

João Luiz Coelho da Rocha

Advogado, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), autor do livro Compra e venda de empresas: as diferentes etapas para concretizar um negócio (Campus Elsevier), sócio do escritório Bastos-Tigre, Coelho da Rocha e Lopes Advogados

Comprar empresas, bancárias ou não, é uma tarefa complicada e trabalhosa. Sob o ponto de vista jurídico, envolve uma série de procedimentos que, embora padronizados em seus estratos básicos, apresentam uma gama de averiguações tanto mais complexas e delicadas quanto maior a estrutura empresarial a ser adquirida. No primeiro passo, tanto evidente quanto possa ser, cabe ao comprador a averiguação básica da titularidade daquilo que se está ali comprando, pois, se há a intenção de adquirir o controle de uma sociedade, anônima ou limitada, deve-se checar a presente situação dominial das ações ou cotas representativas desse controle, o que é determinado ou nos livros societários pertinentes, no caso das companhias, ou nas certidões da Junta Comercial atualizadas, na hipótese das sociedades limitadas.

Ainda assim, mesmo que as ações ou cotas pretendidas estejam formal e juridicamente em nome do vendedor, deve o comprador checar a eventual existência de acordos de acionistas e/ou de cotistas que podem eventualmente — e frequentemente assim o fazem — trazer limitações ou comprometimentos no direito de voto, o que comporta restrições ou diminuição do formal controle societário. Por óbvio, os próprios estatutos e/ou contrato social devem ser esquadrinhados, para conclusão sobre as existentes limitações do controle majoritário.

Se a aquisição não representa uma “compra isolada de controle” mas a assunção de um controle compartilhado, mais importante ainda se mostra essa verificação do eventual acordo existente e quase sempre, a celebração de outro, regrando essa “gestão compartilhada” do controle societário dali em diante. Assumido e verificado como claro e juridicamente correto o controle social a ser adquirido, o comprador deve voltar seus olhos para uma completa averiguação dos ativos e passivos integrantes do balanço da empresa.

E isso se dá, sob a ótica do advogado, com uma análise completa da titulação dos bens, imóveis e móveis da empresa, assim como dos direitos, inclusive de crédito, de propriedade intelectual ou industrial (marcas, patentes, nomes de domínio, direitos autorais). Veja-se que sobre os bens sujeitos a registro público, como os imóveis, os veículos, as embarcações e aeronaves, as patentes, marcas e direitos de uso delas existem as certidões dos cartórios ou órgãos de registro competentes que oferecem não só a prova de sua titularidade, mas ainda a evidência de ônus, como hipotecas, penhores etc. que incidam sobre eles.

Nos casos de bens móveis sem registro, sua prova de domínio é mais evidente, representada pela posse física, e, quando for o caso, por notas fiscais de aquisição. No caso dos direitos de crédito, os contratos que lhe dão origem e, quando o caso, os títulos como promissórias, cheques, duplicatas (com aceite ou com prova de entrega da mercadoria ou dos serviços) serão os documentos a serem analisados. Nota-se ainda que existem bens mais intangíveis, como a tecnologia não patenteável, os blue prints, e o fundo de comércio (capacidade corrente de gerar clientela), que não são apontáveis em balanço.

Podemos apontar ainda que, na hipótese de a empresa que se pretende adquirir exercer atividades daquelas sujeitas a licenciamento, em sentido amplo, aí incluídas concessionárias ou permissionárias de serviços públicos, concessionárias de exploração de petróleo e/ou gás etc., os documentos sobre tais autorizações legais hão que ser analisados para que se verifiquem condições de prazo, tarifação e outras mais, já para que se proceda à obtenção da necessária aprovação do poder concedente para a transferência de controle.

Na outra vertente o comprador há de ter um enorme cuidado na mensuração das dívidas, das obrigações da empresa alvejada, de modo tal que esse passivo, com suas contingências maiores ou menores, valha como um claro fator de quantificação do preço a ser pago, pois, de todo o montante dos ativos da empresa, esse valor passivo há de ser deduzido.

São não só os chamados débitos correntes, espelhados nas contas da empresa, mas ainda as contingências ocultas, ou ainda não surgidas, que tenham causa válida nas atividades da empresa. Na ordem jurídica brasileira há de se ter em conta que as obrigações de pagamento de verbas trabalhistas podem, se não pagas pela empresa, seguir exigíveis de seus acionistas ou sócios, e ainda que pretéritas, em sua origem, à aquisição que se vai processar, podem trazer tais responsabilizações aos novos adquirentes e a seus sócios/acionistas.

O mesmo se diga com respeito às obrigações tributárias ou previdenciárias da empresa, ressalvando-se que aqui, diferentemente dos débitos trabalhistas, as obrigações só se estendem às pessoas dos sócios se derivadas de sonegação.

Mas ainda há casos em que o comprador não adquire a pessoa jurídica, preferindo adquirir o fundo de comércio, e ainda aqui as responsabilizações tributárias também a ele se estendem, conforme preceito do Código Tributário Nacional (CTN), não aos sócios do comprador, salvo caso de sonegação, assim como as trabalhistas, estas pelos mesmos princípios da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) aplicáveis ao grupo empresarial.

Comprar empresas é, pois, um desafio enorme, envolvendo já de modo preliminar um esforço considerável, mas é desse constante vaivém das titularidades empresariais que se extrai, tantas vezes, a seiva de crescimento da economia, trazendo protagonistas que se dispõem a enfrentar os desafios necessários.


Fonte: Jornal "Estado de Minas" - Caderno Direito & Justiça - 15/06/2009.

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