Embargos de terceiro - Cônjuge do locador - Locador e fiador - Penhora da meação de bem imóvel do devedor - Bem de entidade familiar - Impenhorabilidade

CIVIL E PROCESSO CIVIL - EMBARGOS DE TERCEIRO - CÔNJUGE DO LOCADOR - DIREITO DE AÇÃO - LOCADOR E FIADOR - ART. 3°, INC. VII, DA LEI N° 8.009/90 - PENHORA DA MEAÇÃO DE BEM IMÓVEL DO DEVEDOR - BEM DE ENTIDADE FAMILIAR - IMPENHORABILIDADE

- Tem a esposa casada em comunhão de bens o direito de ação, por via de embargos de terceiro, para impedir o praceamento de bens que lhe pertença por meação.

- O bem imóvel do devedor que se consubstancia em bem da entidade familiar, ou seja, residência de sua família, está acobertado pelo art. 1° da Lei n° 8.009/90, portanto impenhorável.

- Não há que se equiparar o locador ao fiador, visto que o primeiro, ainda que seja o real devedor, não responde com bens de sua entidade familiar como garantia da locação, diferentemente do fiador, que se enquadra no art. 3°, inc. VII, daquela mesma norma legal.

Apelação Cível n° 1.0024.08.105021-3/001 - Comarca de Belo Horizonte - Apelante: Maria Aparecida de Oliveira Silva - Apelada: Jerusa Valadares de Araújo Pires - Relator: Des. Nicolau Masselli

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em dar provimento à apelação.

Belo Horizonte, 29 de outubro de 2009. - Nicolau Masselli - Relator.

N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S

DES. NICOLAU MASSELLI - Trata-se de embargos de terceiro aforado por Maria Aparecida de Oliveira Silva, ora apelante, contra Jerusa Valadares de Araújo Pires, apelada.

Emerge do presente feito que a apelada, Jerusa Valadares de Araújo Pires, locou um imóvel de sua propriedade a Roberto Dias da Silva, quando ali passou a residir sua ex-companheira, Norma Rizza Alves, em companhia de dois filhos.

Ocorre que, estando em atraso com o pagamento dos aluguéis e demais encargos, a apelada, Jerusa Valadares de Araújo Pires, propôs uma ação de despejo c/c ação de cobrança, tendo logrado êxito quanto à primeira ação.

Iniciada a ação de execução de sentença com o fito de receber o valor devido - processo em apenso -, procedeu-se a uma penhora sobre o imóvel de propriedade do devedor, Roberto Dias da Silva, marido da ora embargante apelante, Maria Aparecida de Oliveira Silva.

Note-se que, quanto à penhora, foi resguardada a meação do cônjuge virago.

Acobertada pelo direito de buscar o bem que também lhe pertence, por meação, oriundo de casamento, pelo rito de comunhão de bens, a esposa do devedor aforou os embargos de terceiro.

Mais ainda: que, em se tratando de imóvel residencial onde habitam ela, seu marido e filha, consubstancia um imóvel protegido pela Lei n° 8.009/90, ou seja, pela impenhorabilidade.

Aduz, in fine, que se trata de imóvel adquirido por financiamento na Caixa Econômica Estadual e que pouco importa que tenha sido reservada a sua meação, visto que a norma legal protege a totalidade deste, daí o pedido de liberação do ônus da penhora, com o consequente reconhecimento de procedência do pedido.

Citada, compareceu a embargada Jerusa Valadares de Araújo Pires para contestar o pedido, aduzindo que, não obstante o legislador querer proteger a entidade familiar, fato plenamente reconhecido, não teria a apelante trazido para o feito prova inequívoca de que aquele imóvel estaria, efetivamente, destinado à entidade familiar, inclusive não sendo demonstrado pela mesma que se tratava de único imóvel do casal.

Ademais, continua a embargada, ainda que tenha sido preservada a meação do cônjuge, ficando assentado que o ato ilícito tenha revertido em benefício da sociedade conjugal, não há se falar em reserva da meação, sendo que tal ocorreu no presente feito, na medida em que o imóvel locado foi habitado não só pelo cônjuge varão, mas por toda a sua família, daí por que se deve proceder à alienação total do bem penhorado.

Em impugnação à contestação, a embargante aduz que a prova da existência de outro imóvel de propriedade do casal, assim como estes não residem no imóvel objeto da penhora, seria da embargada.

O ilustre Magistrado, em decisão de f. 34/38, julgou improcedentes os embargos de terceiro, aduzindo que, em que pese o art. 1° da Lei n° 8.009/90 proteger o imóvel onde reside a entidade familiar, essa mesma norma jurídica, em seu art. 3°, estabelece as exceções.

Assim, diz o ilustre Magistrado sentenciante que o inc. VII daquele diploma legal permite a penhorabilidade nos casos de "[...] obrigações decorrentes de fiança concedida em contrato de locação".

Trouxe ainda o argumento de que os ditames da Magna Carta relativos ao direito de moradia e do princípio da isonomia se encontravam modificados em razão da superveniência da Emenda Constitucional n° 26/2000, que teria sido incluído no rol constante do art. 6° da Constituição Federal.

Entendeu o Magistrado sentenciante que o inc. VII do art. 3° da Lei n° 8.009/90 não estaria derrogado, inclusive reforçado pelo art. 82 da Lei n° 8.245/91.

Assim, encerra o Magistrado, em se tratando de fiança locatícia, o imóvel da entidade familiar pode ser objeto da penhora e seu praceamento, não lhe protegendo o art. 1° da Lei n° 8.009/90 no que diz respeito à impenhorabilidade.

Rechaçados os embargos de declaração.

Inconformada, compareceu a autora embargante para apresentar recurso de apelação (f. 42/45), aduzindo, em síntese, que o valor executado teria originado de um débito locatício em contrato que seu marido teria avençado com a apelada, em imóvel que foi ofertado à residência de sua ex-companheira, Norma Rizza Alves, e seus dois filhos.

Em atraso com os pagamentos da locação e seus encargos, procedeu-se ao despejo e, em seguida, à abertura do processo de execução, quando, após várias anuências, foi lavrado termo de penhora do imóvel de propriedade da apelante e seu marido, este, locador do imóvel dado à residência de sua ex-companheira, repete-se.

Diz a apelante que o referido imóvel também lhe pertence e, porque reside neste com seu marido e uma filha, trata-se de bem que abriga uma entidade familiar de tal forma que é impenhorável nos termos da Lei n° 8.009/90.

Aduz finalmente que o Magistrado se teria enganado na medida em que entendeu que seu marido era o fiador e, dessa forma, estaria enquadrado no que estatui o inc. VII do art. 3° da referida Lei n° 8.009/90.

Pugna pelo acolhimento do recurso e consequente provimento dos embargos.

Contrarrazões de recurso, às f. 55/60, quando a embargada mantém o posicionamento de que o imóvel pode e deve ir à praça em razão do posicionamento do marido da embargante, ora apelante, dentro do contrato locatício como principal devedor.

É o que temos dentro do feito, o qual passo a analisar.

Em suma, trata-se de processo executivo cujo valor que se busca receber é oriundo de um contrato de locação firmado entre o marido da apelante, Roberto Dias da Silva, e a apelada.

Efetuada a penhora sobre o bem de propriedade da apelante e seu marido, inclusive reservando a meação desta, compareceu a apelante para embargar de terceiro, ao fundamento de que se tratava de imóvel residencial que abriga uma entidade familiar e, por isso, protegido nos termos do que estatui o art. 1° da Lei n° 8.009/90.

O ilustre Magistrado, ao lavrar sua decisão, entendeu que, em sendo fiador daquele contrato de locação, o devedor estaria enquadrado no que estatui o inc. VII do art. 3° daquela mesma norma legal.

Analisando todo o processado, data venia, verifico que o Magistrado sentenciante não agiu com o devido e costumeiro acerto.

Não existem dúvidas quanto à existência do contrato de locação do qual originou o débito e que esta avença foi firmada entre a apelada, Jerusa Valadares de Araújo Pires, e o marido da apelante, Roberto Dias da Silva.

Entretanto, numa análise perfunctória no contrato de locação, que se encontra juntado ao feito à f. 31 usque 37, podemos ver que o locatário do imóvel é, tão somente, Roberto Dias da Silva, inclusive assim denominado do preâmbulo daquela avença, e a garantia ofertada encontra-se descrita na cláusula décima sexta, que diz expressamente que:

"Décima sexta - Da garantia: Como garantia das obrigações advindas do presente Contrato de Locação, o locatário oferece como caução a importância de R$ 1.350,00 (mil trezentos e cinquenta reais), equivalente a três aluguéis, entregue neste ato em dinheiro".

Chama-nos a atenção o constante do parágrafo terceiro daquela cláusula, que diz que:

"[...] A garantia fiança abrangerá o período que for prorrogado contrato, amigavelmente ou [...]", numa demonstração inequívoca de que o que se utilizou como fiança foi o valor monetário que o locatário entregou, em dinheiro, à locadora.

Some-se isso ao fato de que, ao final da avença, à f. 37 do feito em apenso, existem tão somente três assinaturas, ou seja, da locadora, do locatário e de uma testemunha, inclusive não havendo nenhum local para se apor a assinatura do fiador.

Nesse diapasão, tem-se, sem qualquer sombra de dúvidas, que o marido da embargante não era fiador do referido contrato, como foi tratado pelo Magistrado primevo, mas simplesmente o locatário.

Nesse diapasão, cabe-nos verificar se a norma legal, consubstanciada na Lei n° 8.009/90 ou qualquer outra norma legal, extrai do locatário a garantia da impenhorabilidade em imóvel de sua propriedade, imóvel este que abriga a sua entidade familiar.

Mais ainda: verificar os aspectos que envolveram a penhora do imóvel do locatário, no que diz respeito aos limites da garantia do valor devido, conforme assentado às f. 105/107-v. do processo em apenso.

Inicialmente, poderíamos dizer, sem nenhum medo de errar, que, no que diz respeito à manifestação do Magistrado de que o devedor e sua mulher teriam deixado passar, in albis, o prazo para insurgirem contra aquela penhora e, dessa forma, consolidaria o direito da credora em ver praceado, data venia, tal não ocorre dessa forma.

Isso porque, se olharmos, tanto no termo de penhora quanto nos demais documentos que dizem respeito a esta, não consta que o devedor ou sua mulher tenham tomado ciência da mesma.

Aliás, levando a norma legal ao "pé da letra", podemos dizer que o Termo da Penhora e Depósito de f. 106 é absolutamente nulo visto que, apesar de constar o devedor como depositário, este não firmou o referido termo de forma a demonstrar sua aceitação ao múnus e sequer há prova de que tomou conhecimento do evento.

Podemos ver ainda que, após o pedido da apelada para a penhora do bem, o ilustre Magistrado deferiu este; e, sem maiores delongas, foi lavrado o termo e expedida certidão (f. 107), inclusive omitindo-se o valor do bem penhorado, repetindo, sem nenhuma participação do devedor.

Assim, de início, entendo que a penhora, ante os defeitos que apresenta, é absolutamente nula.

Quanto à questão da aplicação da Lei n° 8.009/90, efetivamente inexiste, nesta e em qualquer outra norma legal em vigor, qualquer manifestação da exceção constante do inc. VII do art. 3° daquela lei dizendo da penhorabilidade do imóvel residencial do locatário.

Pelo contrário: o normal é exatamente a proteção outorgada pela Lei n° 8.009/90, ou seja, que o imóvel residencial que abriga a entidade familiar é impenhorável, ai incluída a moradia familiar do locatário.

A propósito, este também é o pensamento de nossos tribunais conforme podemos aferir no julgamento do Recurso Especial n° 772230/MS, em data de 03.10.2006, pela 5ª Turma do eg. Superior Tribunal de Justiça, tendo como Relator o insigne Ministro Arnaldo Esteves Lima. Diz o ilustre Magistrado que:

"Ementa: Civil - Locação - Embargos à execução - Art. 3° da Lei 8.009/90 - Prequestionamento - Ausência - Súmulas 282 e 356/STF - Bens de família do locatário - Impenhorabilidade - Art. 3° da Lei 8.009/90 - Inaplicabilidade - Recurso conhecido e improvido.

1. Para abertura da via especial, requer-se o prequestionamento da matéria infraconstitucional. A exigência tem como desiderato principal impedir a condução ao Superior Tribunal de Justiça de questões federais não debatidas no tribunal de origem. Hipótese em que a aplicação do art. 3º, III, da Lei 8.009/90 não foi debatida no acórdão recorrido. Incidência das Súmulas 282 e 356/STF.

2. É firme a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a inovação trazida pelo art. 3º, VII, da Lei 8.009/90, que tornou impenhorável o bem de família do fiador nas obrigações decorrentes de fiança concedida em contrato de locação, não se aplica ao locatário, sendo vedada a penhora dos bens de família de sua propriedade, ainda que em execução proposta pelo locador a fim de solver dívida advinda da relação locatícia.

3. Recurso especial conhecido e improvido" (In DJU de 23.10.2006, p. 351).

Dessa forma, tenho comigo, repito, que o ilustre Magistrado sentenciante não atentou para o fato de que o débito, oriundo de uma locação, não é do devedor, mas do fiador daquele contrato locatício.

Entendo mais ainda: que a apelada embargada é quem deveria trazer para o feito demonstração inequívoca de que o devedor tem outro imóvel, de tal sorte que aquele que foi penhorado e cujo praceamento se tentou não servia para habitação dos entes familiares deste e dele próprio.

Ante o exposto, não me resta outro caminho senão dar provimento ao recurso de apelação para julgar procedente os embargos de terceiro aviados em razão do processo executivo promovido contra Roberto Dias da Silva, determinando a desoneração da metade do imóvel residencial localizado nesta Capital, na rua Higino Bonfioli, 398, bairro Jaraguá.

Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Alberto Henrique e Luiz Carlos Gomes da Mata.

Súmula - DERAM PROVIMENTO À APELAÇÃO.


Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico de MG - 03/02/2011.

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