Consulta nº 2010.0013045-2/000
VISTOS,...
1. Trata-se de consulta formulada pela Associação de Notários e
Registradores do Estado do Paraná, indagando sobre a possibilidade de
promover a lavratura de escritura pública de conversão de separação judicial
em divórcio que envolva casal com filho menor ou incapaz, nas hipóteses em
que não haja alteração das cláusulas inseridas no processo de separação que
lhes diga respeito.
Noticia a entidade consulente que a falta de norma expressa acerca do tema
tem dado margem a interpretações divergentes quanto à possibilidade de
lavratura de escritura pública na situação acima descrita. Informa, ainda,
que no Estado do Rio Grande do Sul foi definida pela Corregedoria-Geral a
possibilidade da lavratura de escritura pública de conversão de separação em
divórcio mesmo que Consulta nº 2010.0013045-2/000 existam filhos menores ou
incapazes do casal, desde que não haja alteração das cláusulas pactuadas em
relação a esses.
A douta Procuradoria-Geral de Justiça apresentou manifestação sobre o tema
(f. 19/29).
POSTO ISTO.
2. A Corregedoria da Justiça manifesta-se pela impossibilidade de lavratura
de escritura pública de conversão de separação judicial em divórcio que
envolva casal com filho menor ou incapaz, ainda que não haja alteração das
cláusulas inseridas no processo de separação que lhes diga respeito.
Com efeito, a Lei Federal nº 11.441, de 4 de janeiro de 2007, expressamente
destaca a circunstância de o casal possuir filho menor ou incapaz como
impeditiva para a realização de separação1 ou divórcio por escritura
pública.
Eis a redação do art. 1124-A do Código de Processo Civil, com a redação
conferida pela mencionada Lei:
Art. 1.124-A. A separação consensual e o divórcio consensual, não havendo
filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais
quanto aos prazos, poderão ser realizados por escritura pública, da qual
constarão as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns
e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de
seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o
casamento.
Pondere-se, ainda, que o Conselho Nacional de Justiça disciplinou os termos
da Lei nº 11.441/2007, no que diz respeito aos serviços notariais e de
registro, por meio da Resolução nº 35, de 24 de abril de 2007, autorizando a
conversão da separação em divórcio por escritura pública e tratando do tema
juntamente com o divórcio consensual, nos seguintes termos:
SEÇÃO V
DISPOSIÇÕES REFERENTES AO DIVÓRCIO CONSENSUAL
Art. 52 A Lei nº 11.441/07 permite, na forma extrajudicial, tanto o divórcio
direto como a conversão da separação em divórcio. Neste caso, é dispensável
a apresentação de certidão atualizada do processo judicial, bastando a
certidão da averbação da separação no assento de casamento.
Art. 53 A declaração dos cônjuges não basta para a comprovação do implemento
do lapso de dois anos de separação no divórcio direto. Deve o tabelião
observar se o casamento foi realizado há mais de dois anos e a prova
documental da separação, se houver, podendo colher declaração de testemunha,
que consignará na própria escritura pública. Caso o notário se recuse a
lavrar a escritura, deverá formalizar a respectiva nota, desde que haja
pedido das partes neste sentido.
E na Seção anterior (III), que versa sobre disposições comuns à separação e
ao divórcio consensuais, nos artigos 33 e 34, elenca os requisitos para a
lavratura da escritura pública, verbis:
Art. 33 Para a lavratura da escritura pública de separação e de divórcio
consensuais, deverão ser apresentados:
a) certidão de casamento; b) documento de identidade oficial e
CPF/MF; c) pacto antenupcial, se houver; d) certidão de nascimento ou outro
documento de identidade oficial dos filhos absolutamente capazes, se houver;
e) certidão de propriedade de bens imóveis e direitos a eles relativos; e f)
documentos necessários à comprovação da titularidade dos bens móveis e
direitos, se houver.
Art. 34 As partes devem declarar ao tabelião, no ato da lavratura da
escritura, que não têm filhos comuns ou, havendo, que são absolutamente
capazes, indicando seus nomes e as datas de nascimento.
Como se denota, fica claro, portanto, que não se admite o divórcio por meio
de escritura pública, em qualquer de suas modalidades (direto ou por
conversão), quando houver filho menor ou incapaz.
Sem embargo das respeitáveis interpretações em sentido contrário, a
finalidade da Lei Federal nº 11.441/2007 – promover acesso amplo e
desburocratizado a atos da vida civil ao tempo em que permite o
desafogamento da máquina judiciária – não pode prevalecer sobre a
necessidade de se conferir proteção integral e prioritária a interesses de
incapazes, mandamento constitucional (art. 227 CRFB/88) e escopo da ressalva
contida na própria Lei.
Como bem pondera Paulo Luiz Netto Lobo:
Atendendo ao reclamo da comunidade jurídica brasileira, e da própria
sociedade, para desjudicialização das separações conjugais quando não
houvesse litígio, a Lei 11.441/2007 introduziu a possibilidade de o divórcio
ou a separação consensuais serem feitos pela via administrativa, mediante
escritura pública.
Os requisitos para o exercício da faculdade legal, além do consenso sobre
todas as questões emergentes da separação, são: a) a inexistência de filhos
menores ou incapazes do casal; b) a escritura pública lavrada por tabelião
de notas; c) a observância do prazo de um ano da celebração do casamento
para a separação, ou do prazo de dois anos de separação de fato para o
divórcio; e) assistência de advogado.
Da mesma forma que na separação judicial e no divórcio judicial consensuais,
e considerando a inexistência de filhos menores, a escritura deve expressar
a livre decisão do casal acerca do valor e do modo de pagamento dos
alimentos que um dos cônjuges pagará ao outro, ou sua dispensa, a descrição
e a partilha dos bens comuns e se o cônjuge que tiver adotado o sobrenome do
outro mantê-lo-á ou retomará o de solteiro. Se houver qualquer discordância
sobre algum desses pontos, o tabelião não poderá lavrar a escritura.
(...) Transcorrido o prazo de um ano, contado da data da escritura pública
de separação administrativa, os separados poderão realizar nova escritura
pública para a conversão daquela em divórcio.
Tendo em conta os fins sociais da lei e do princípio da desjudicialização
que a anima, não há vedação legal para que o divórcio por conversão seja
consensual e mediante escritura pública, mantidas as condições acordadas na
escritura de separação. A exigência de processo judicial para o divórcio por
conversão não é razoável, pois o divórcio direto consensual, que não é
antecedido de qualquer ato ou providência, pode ser feito inteiramente pela
via administrativa.
Tampouco há impedimento legal para a escritura de divórcio por conversão da
separação consensual judicial. Não há aderência da mesma natureza que impeça
a conversão da separação judicial em divórcio extrajudicial, pois não há
possibilidade de alteração das condições anteriores e a facilitação para a
separação e o divórcio de pessoas capazes e sem filhos menores ou incapazes
é a finalidade da lei. (Divórcio e separação consensuais extrajudiciais. Jus
Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1433, 4 jun. 2007. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/9970).
Outrossim, como bem ponderado pela douta Procuradoria-Geral de Justiça,
admitir a conversão de separação em divórcio pela via extrajudicial, ainda
que envolvidos interesses de filhos menores ou incapazes, significa afastar
a curadoria destes interesses pelo Ministério Público, nos termos do artigo
402 da Resolução nº 35/2007, do Conselho Nacional de Justiça, consequência
cuja gravidade não recomenda o acolhimento da tese esposada pelo consulente.
Em arremate, agregue-se que o argumento de que outros Estados do Brasil
permitem a lavratura de escritura pública nestas condições, por óbvio, não é
motivo suficiente a embasar a medida postulada.
3. Diante do exposto, respondendo à consulta, decido que, diante da
legislação atual aplicável, não é possível a lavratura da escritura pública
de conversão de separação judicial em divórcio, quando houver filho menor ou
maior incapaz.
4. Comunique-se o consulente, servindo cópia desta manifestação como ofício.
5. Ciência à douta Procuradoria-Geral de Justiça.
6. Publique-se a presente decisão, inclusive na página da Corregedoria no
sítio eletrônico do Tribunal de Justiça e remeta-se cópia desta decisão aos
Doutores Juízes de Direito das Varas de Família e os responsáveis pelo Foro
Extrajudicial do Estado do Paraná.
Curitiba, 10 de maio de 2011.
Des. Lauro Augusto Fabrício de Melo
Corregedor da Justiça
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