INDENIZAÇÃO - DANO MATERIAL - CERTIDÃO DE
ÓBITO - FALSIDADE DE REGISTRO CIVIL - CARTÓRIO - PERSONALIDADE JURÍDICA -
INEXISTÊNCIA - PESSOA FORMAL - EQUIPARAÇÃO - CAPACIDADE PROCESSUAL -
LEGITIMIDADE PASSIVA - PRINCÍPIO DA ECONOMIA PROCESSUAL - PROSSEGUIMENTO DA
AÇÃO
Ementa: Ação de reparação de danos materiais. Cartório de Registro Civil.
Ilegitimidade passiva decretada em 1ª instância. Capacidade judiciária
reconhecida. Provimento da apelação.
- De fato, o Cartório ou a Serventia, assim entendido como o local onde os
serviços notariais e de registro são prestados, não possui personalidade
jurídica, ou seja, não é entidade sujeita de direitos e obrigações,
qualificação que, na verdade, se atribui aos notários e oficiais de
registro, pessoas físicas a quem é delegado o exercício da atividade, nos
termos do artigo 22 da Lei nº 8.935/94.
- No entanto, o Superior Tribunal de Justiça vem adotando posicionamento no
sentido de admitir o ajuizamento de ações contra o Cartório, equiparando-o
às pessoas formais, que, embora não detentoras de personalidade jurídica,
são titulares de personalidade judiciária, a exemplo do espólio, da massa
falida, do condomínio etc.
Apelação provida, para reconhecer a legitimidade do Cartório de Registro
Civil de Pessoas Naturais - 2º Subdistrito de Juiz de Fora -, determinando o
prosseguimento do feito.
Apelação Cível n° 1.0145.06.324168-4/001 - Comarca de Juiz de Fora -
Apelante: Bradesco Vida Previdência S.A. - Apelado: Cartório de Registro
Civil do 2º Subdistrito de Juiz de Fora - Relator: Des. Batista de Abreu
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na
conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade
de votos, em dar provimento ao recurso.
Belo Horizonte, 22 de agosto de 2007. - Batista de Abreu - Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DES. BATISTA DE ABREU - Bradesco Vida e Previdência S.A. ajuizou ação
ordinária contra Serviço Registral das Pessoas Naturais - 2º Subdistrito -,
afirmando que contratou com a Fundação Habitacional do Exército seguro de
vida em grupo, ao qual aderiu Marcos Gonçalves Neto, tendo como beneficiária
sua esposa, Ana Beatriz dos Santos Neto; que esta, em 08.07.2003, ingressou
com processo de sinistro perante a autora, reclamando indenização pela morte
natural do cônjuge, instruindo seu pedido com certidão de óbito expedida
pelo réu; que, à vista da certidão de óbito, que tem fé pública, viu-se
obrigada a liquidar o sinistro, pagando à beneficiária, em 17.07.2003, a
quantia de R$ 65.149,25; que, no entanto, veio a saber, posteriormente, que
a certidão de óbito do segurado era falsa, tendo Marcos Gonçalves Neto
declarado em boletim de ocorrência que se encontrava fora da cidade desde
1999, estando vivo.
Concluindo a seguradora que seu prejuízo decorreu da expedição pelo
requerido de certidão de óbito falsa, responsabilizando-se este
objetivamente pelos danos por ela suportados, na forma do artigo 22 da Lei
nº 8.935/94 e do artigo 37, § 6º, da CR/88, requereu a sua condenação ao
pagamento da importância de R$ 65.149,25, acrescida de correção monetária e
juros de mora, além de custas e honorários.
O réu ofertou contestação nas f. 20/41, argüindo a sua ilegitimidade para
compor o pólo passivo da demanda, porquanto, por não ser o Cartório pessoa
jurídica de direito público, autarquia etc., não tem personalidade jurídica,
constituindo mera Serventia onde o agente exerce sua atividade.
Suscitou, ainda em preliminar, a inexistência de capacidade processual, sob
o mesmo argumento de não ser dotado de personalidade jurídica.
Quanto ao mérito, alegou que, na verdade, como restou provado em inquérito
policial instaurado a pedido da autora, a declaração de óbito do segurado
foi falsificada por Ana Beatriz dos Santos Neto e seu filho, que preencheram
o documento em conformidade com as formalidades de estilo, não sendo
possível ao Cartório constatar a falsidade nele contida. Sustentou que, ao
elaborar a certidão de óbito, agiu no estrito cumprimento de um dever legal;
que a responsabilidade do oficial do Cartório é subjetiva, dependendo da
prova de culpa, no caso inexistente; por fim, que o nexo causal foi
excluído, na medida em que a causa determinante para o resultado foi a
falsificação da declaração de óbito. Pugnou pelo acolhimento das
preliminares e, eventualmente, pela improcedência da pretensão inicial.
A sentença, de f. 177/179, reconheceu a ilegitimidade do Serviço Registral
das Pessoas Naturais do 2º Subdistrito para figurar no pólo passivo da ação,
extinguindo o processo sem resolução do mérito, com fulcro no artigo 267,
VI, do CPC e condenando a autora a arcar com os ônus da sucumbência. Segundo
o Julgador singular, ``o Cartório de Registro Civil é entidade dotada de
capacidade judiciária para estar em juízo na defesa de seus interesses
próprios, mas não dispõe de autonomia jurídica para suportar os efeitos de
provimento judicial de caráter indenizatório, ou mesmo meramente
declaratório, já que não é pessoa jurídica. A Lei 8.935/94, ao disciplinar
os serviços notariais e de registro, menciona o tabelião como civilmente
responsável por possível prejuízo que venha a provocar no exercício de sua
função, conforme disposto em seu art. 22''.
Bradesco Vida e Previdência S.A. interpõe apelação (f. 180/191),
argumentando que, na esteira da jurisprudência do STJ, o Cartório, conquanto
não tenha personalidade jurídica, tem capacidade processual para figurar no
pólo passivo, bem como autonomia jurídica para responder por indenização.
Transcreve julgados da Corte Superior, requerendo a reforma da sentença, com
o prosseguimento do feito.
Contra-razões, às f. 221/227.
Como relatado, o Juízo a quo, com base no artigo 267, VI, do CPC, extinguiu
o processo sem resolução do mérito, ao fundamento de que o Cartório de
Registro Civil de Pessoas Naturais - 2º Subdistrito de Juiz de Fora -, por
não ser dotado de personalidade jurídica, não tem legitimidade para figurar
no pólo passivo da ação de reparação de danos materiais ajuizada pela
Bradesco Vida e Previdência S.A.
De fato, e não divergem as partes nesse ponto, o Cartório ou Serventia,
assim entendido como o local onde os serviços notariais e de registro são
prestados, não possui personalidade jurídica, ou seja, não é entidade
sujeita de direitos e obrigações, qualificação que, na verdade, atribui-se
aos notários e oficiais de registro, pessoas físicas a quem é delegado o
exercício da atividade, nos termos do artigo 22 da Lei nº 8.935/94.
Em princípio o Cartório apelado não tem capacidade para estar em juízo, o
que autorizaria a extinção do feito, por ausência de pressuposto processual.
No entanto, o Superior Tribunal de Justiça vem adotando posicionamento no
sentido de admitir o ajuizamento de ações contra o Cartório, equiparando-o
às pessoas formais, que, embora não detentoras de personalidade jurídica,
são titulares de personalidade judiciária, a exemplo do espólio, da massa
falida, do condomínio etc.
``Processual civil. Cartório de Notas. Pessoa formal. Capacidade processual.
Ilegitimidade passiva. Erro material. Correção de ofício. Prequestionamento.
Violação do art. 535 do CPC. Não-ocorrência.
[...]
- 2. Entre as atribuições do magistrado, inclui-se a prerrogativa de, a todo
tempo, zelar pela higidez da relação processual, determinando as
providências corretivas que julgar adequadas para que o processo ultime-se
de modo eficaz e efetivo. Hipótese em que o apego excessivo à formalidade da
norma adjetiva contraria os princípios que informam a razoabilidade, a
efetividade e a economia processual.
- 3. O Cartório de Notas, conquanto não detentor de personalidade jurídica,
ostenta a qualidade de parte no sentido processual, ad instar do que ocorre
com o espólio, a massa falida etc., de modo que tem capacidade para estar em
juízo.
- 4. Recurso especial não provido'' (REsp 774.911/MG - 2ª Turma do STJ -
Rel. Min. João Otávio de Noronha - j. em 18.10.2005 - DJ de 20.2.2006, p.
313).
``Cartório de Notas. Tabelionato. Responsabilidade civil. Legitimidade
passiva do Cartório. Pessoa formal. Recurso conhecido e provido para
reconhecer a legitimidade do Cartório de Notas por erro quanto à pessoa na
lavratura de escritura pública de compra e venda de imóvel'' (REsp
476.352/RJ - 4ª Turma do STJ - Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar - j. em
20.5.2003 - DJ de 4.8.2003, p. 317 - RSTJ 188/459).
Com tais fundamentos, comungando do mesmo entendimento acima exposto e,
principalmente, em respeito ao princípio da economia processual e em
desapego ao formalismo excessivo, dou provimento à apelação, para reconhecer
tanto a legitimidade como a capacidade do Cartório réu para estar em juízo,
determinando o prosseguimento do feito.
Custas, ao final, pela parte vencida.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores José Amancio e Sebastião
Pereira de Souza.
Súmula - DERAM PROVIMENTO AO RECURSO. |