Se é verdade que o casamento civil é a forma pela qual o Estado melhor
protege a família, e sendo múltiplos os arranjos familiares reconhecidos
pela Carta Magna, tal opção não poderá ser negada a nenhuma família,
independentemente da orientação sexual dos participantes, pois as famílias
constituídas por pares homoafetivos detêm os mesmos princípios daquelas
constituídas por casais heteroafetivos, que são a dignidade das pessoas e o
afeto.
O entendimento do ministro Luis Felipe Salomão, relator do processo que
discute a possibilidade de habilitação de pessoas do mesmo sexo para o
casamento, foi seguido por três ministros da Quarta Turma do Superior
Tribunal de Justiça (STJ). O julgamento foi interrompido pelo pedido de
vista do ministro Marco Buzzi, último a votar.
O processo trata de duas cidadãs do Rio Grande do Sul que recorreram ao STJ,
após terem o pedido de habilitação para o casamento negado na primeira e na
segunda instância. A decisão do tribunal gaúcho afirmou não haver
possibilidade jurídica para o pedido. No recurso especial, elas sustentaram
não existir impedimento no ordenamento jurídico para o casamento entre
pessoas do mesmo sexo. Afirmaram, também, que deveria ser aplicada ao caso a
regra de direito privado de que é permitido o que não é expressamente
proibido.
Em seu voto, o ministro Salomão afirmou que a dignidade da pessoa humana não
é aumentada nem diminuída em razão do concreto uso da sexualidade das
pessoas, salvo quando é usada com intenção de negar a dignidade e a
liberdade de outro, como ocorre nos casos de crimes sexuais. “O sexo,
entendido como gênero – e, por consequência, a sexualidade, o gênero em uma
de suas múltiplas manifestações –, não pode ser fator determinante para a
concessão ou cassação de direitos civis, porquanto o ordenamento jurídico
explicitamente rechaça esse fator de discriminação”, observou.
O ministro lembrou que um dos objetivos fundamentais da República, motivo da
própria existência do Estado, é promover o bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
“É importante ressaltar, ainda, que o planejamento familiar se faz presente
tão logo haja a decisão de duas pessoas em se unir, com escopo de constituir
família, e desde esse momento a Constituição lhes franqueia ampla liberdade
de escolha pela forma em que se dará a união”, asseverou.
Segundo observou o relator, a interpretação do Tribunal de Justiça do Rio
Grande Sul (TJRS) para os artigos 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565 do
Código Civil de 2002 não foi a mais acertada. “Os mencionados dispositivos
não vedam expressamente o casamento entre pessoas do mesmo sexo, e não há
como enxergar vedação implícita ao casamento homoafetivo sem afronta a caros
princípios constitucionais, como o da igualdade, o da não discriminação, o
da dignidade da pessoa humana e os do pluralismo e livre planejamento
familiar”, acrescentou.
Para o relator, o legislador poderia, se quisesse, ter utilizado expressão
restritiva, de modo a impedir que a união entre pessoas do mesmo sexo
ficasse definitivamente excluída da abrangência legal, o que não ocorreu.
“Por consequência, o mesmo raciocínio utilizado, tanto pelo STJ quanto pelo
STF, para conceder aos pares homoafetivos os direitos decorrentes da união
estável, deve ser utilizado para lhes franquear a via do casamento civil,
mesmo porque é a própria Constituição Federal que determina a facilitação da
conversão da união estável em casamento”, concluiu Salomão.
Acesse aqui a íntegra do voto do ministro Salomão.
Foto - Ministro Salomão: não há vedação expressa ao casamento entre
pessoas do mesmo sexo.
REsp 1183378
|