PACTO Juntos há cinco anos, Ricardo e Thaís acabaram de assinar um contrato
de namoro: "O que é teu é teu e vice-versa", diz ela
Como é em outros paises
Minuta de escritura
Igor Corteletti Leite, comissário de bordo (...) e Julia Guimarães Silva
Costa (...) declaram de livre e espontânea vontade, sem pressão ou qualquer
coação, o que reconhecem como pacto de relacionamento afetivo." Foi
exatamente nesses termos que os cariocas Júlia, 23 anos, e Igor, 28,
assinaram um documento para, simplesmente, deixar claro que o que existe
entre eles, há três anos, é um namoro. Há no País, hoje, uma corrida de
casais a escritórios de advocacia para fazer o mesmo: firmar, na frente de
testemunhas, um "contrato de namoro" - também chamado de "contrato de
convivência", "declaração de namoro" e "pacto de relacionamento". O motivo
principal é evitar que um eventual fim do amor vire uma disputa por
dinheiro. "Isso pode ocorrer porque o namoro tem características de união
estável", explica o professor de direito de família da Pontifícia
Universidade Católica (PUC-MG), Rodrigo da Cunha Pereira, presidente do
Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDF-AM).
Reconhecida na Constituição de 1988 como uma entidade familiar assim como o
casamento, a união estável dá direito aos companheiros à pensão alimentícia,
herança e partilha de bens adquiridos no curso do relacionamento. "O Igor
vai comprar um apartamento na Barra da Tijuca. E ele é muito certinho. Para
deixá-lo tranqüilo de que eu não estou interessada em uma parte do imóvel,
assinei no mês passado o contrato de namoro", conta a estudante Júlia. "E eu
entendo, porque podemos casar ou não. A vida é assim: hoje você ama,
amanhã..."
Pela legislação atual, não é mais necessário ter convivência superior a
cinco anos e morar sob o mesmo teto para se configurar uma união estável.
Basta, segundo a lei, uma "convivência pública, contínua e duradoura, com o
objetivo de constituição de família". "Freqüentar os parentes do
companheiro, as festas, convites comuns (do tipo fulana e fulano convidam
para o jantar), viagem juntos, pagar a conta do supermercado da parceira
podem ser provas de que a relação é mais do que um namoro", diz Tânia da
Silva Pereira, advogada de família do Rio de Janeiro.
Em São Paulo, a advogada Regina Beatriz Tavares da Silva, professora da
Fundação Getúlio Vargas (FGV) conta que, dez anos atrás, fazia uma
declaração de namoro - como prefere definir a tendência - por ano. Hoje,
elabora uma a cada três meses. "É uma atitude consciente, sinal de que as
pessoas estão regulando suas relações de maneira madura", diz ela. "E é um
bom teste. Se o seu parceiro estiver malintencionado, não só vai ficar
melindrado quando você propuser assinar um documento, como não vai assiná-
lo. Se você quer saber se seu namorado está com boas intenções, proponha a
ele declarar que namoram."
Foi o que ocorreu com uma empresária de uma pequena cidade do interior de
Minas Gerais. Aos 42 anos, ela herdou um patrimônio considerável do pai e,
há dez meses, passou a namorar um estudante de 28. "Fiquei preocupada, não
queria que me vissem como um bom partido. Minha família começou a se meter
no relacionamento. Se ele não assinasse o contrato não ficaríamos juntos.
Deixei isso claro", diz a empresária, que pede para não se identificar. O
casal mineiro colocou o namoro no papel, em maio, explicitando a separação
total de bens e a não pretensão de constituir família. "O stress passou.
Estou mais tranqüila, mais solta na relação, sem me preocupar com as
intenções dele."
O tema é controverso entre os juristas. "Não aconselho meus clientes a
assinarem algo do tipo", diz a advogada Lia Justiniano dos Santos,
exconselheira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). "O contrato de namoro
tem valor relativo, pode ser válido até o ponto em que o casal passar a
viver de outra forma. Depende da análise do juiz."
O empresário carioca Ricardo Reuters, 22 anos, fechou em janeiro uma
parceria com uma multinacional do ramo de publicidade online e se mudou para
São Paulo. No Rio, ficaram a pedagoga Thaís Santana, sua namorada há cinco
anos, e uma declaração de namoro assinada no mês passado. Ricardo, que
pretende se casar com separação total de bens, pensou: por que não fazer o
mesmo no namoro com Thaís, 20 anos - já que o futuro a Deus pertence, mas (o
patrimônio) não pode correr o risco de ser dividido entre o casal
A pedagoga respondeu com naturalidade: "Tudo bem. O que é teu é teu e
vice-versa."
Pela sua amplitude, a união estável tem feito com que as pessoas tenham medo
de ser generosas nos relacionamentos. Em seu escritório, em Minas Gerais, o
advogado Rodrigo da Cunha Pereira, ouviu de um cliente de cerca de 50 anos:
"Tenho dinheiro e a pessoa com quem namoro há um ano e meio, não. Quero dar
um apartamento a ela de presente. Mas se eu fizer isso, fica caracterizada a
união estável entre nós. Como faço para namorar em paz
" Exímio dissecador de almas, Machado de Assis escreveu: "Deus, para a
felicidade do homem, inventou a fé e o amor. O Diabo, invejoso, fez o homem
confundir fé com religião e amor com casamento." Chegou o tempo de o homem,
com suas leis, fazer a confusão entre união de fato e namoro.
DIVÓRCIO ACELERADO
No ano em que se completam três décadas da liberação do divórcio no Brasil,
o processo para voltar a ser solteiro está saindo em tempo recorde. Em
janeiro, entrou em vigor a Lei nº 11.411/07, que permite a realização de
separações e divórcios em cartórios, sem a necessidade de um fórum judicial.
"Houve um aumento de 30% a 40% nos cartórios em N busca dessas escrituras.
Os separados de fato querem ser separados de direito", afirma Rogério
Bacelar, presidente da Associação dos Notários e Registradores do Brasil
(Anoreg), entidade que congrega os cartórios no País.
Dependendo do Estado, o prazo para obter o divórcio caiu pela metade. Para
tanto, é preciso que a decisão seja consensual e não envolva menores de 18
anos ou filhos considerados incapazes (caso de portadores de deficiências).
Dentro dessas condições, um casal pode ingressar com o pedido e obter o
divórcio em questão de horas. A presença de um advogado no ato é necessária
e a escritura é lavrada por um tabelião. Para esclarecer esses pontos, a
Anoreg preparou uma cartilha que ensina como fazer o divórcio ou a separação
no cartório. Ela será distribuída no fim deste mês em cartórios e
associações de moradores.
LENA CASTELLÓN
Revista ISTOÉ
|