A regra de
que nenhum bem de família, independente do valor, pode ser penhorado foi
confirmada pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça em decisão
recente. Embora, o novo Código Civil considere exceções, a decisão do
tribunal levou em conta a garantia constitucional do direito à moradia e
o respeito à instituição família.
No Recurso Especial, o relator do caso, ministro Massami Uyeda, entendeu
que é irrelevante para efeitos de impenhorabilidade que o imóvel seja
considerado luxuoso ou de alto padrão. No caso, os autores assinaram um
contrato de arrendamento agrícola para plantar e cultivar café. Mas a
área não era própria para o cultivo, então, deixaram de pagar as
parcelas do arrendamento. Sem o pagamento, houve o pedido de penhora de
imóveis, considerados bem de família.
Para o ministro, não convence o argumento de que a intenção do
legislador, ao editar a Lei 8.009/90, não seria a de proteger o luxo e a
suntuosidade. "Basta que o imóvel sirva de residência da família, sendo
irrelevante o valor do bem", disse. O Projeto de Lei 51/06 foi proposto
para estabelecer um valor ao que seria bem de família, mas foi
rejeitado, sob o argumento de quebrar o dogma da impenhorabilidade
absoluta do bem de família.
Massami Uyeda diz que a lei é explícita "o imóvel residencial próprio do
casal, ou da entidade familiar, é impenhorável, não particularizando sua
classe, se luxuoso ou não, ou mesmo o seu valor". O ministro deixou
claro que parte do bem também não pode ser penhorada. "Não se olvida da
orientação desta Corte Superior no sentido de que é possível a penhora
de parte ideal do imóvel", confirma.
O relator afirmou que a impenhorabilidade do bem de família é uma
garantia constitucional que não deve ser deixada de lado. "Sem dúvida
que essa circunstância é moldada pelos princípios basilares dos direitos
humanos, dentre eles, o da dignidade da pessoa humana, um dos
fundamentos do nosso Estado Democrático, nos termos do 1º, inciso III,
da Constituição da República", completa.
Alcance do texto
A interpretação do juiz da 25ª Vara Cível de São Paulo é
contrária à do ministro do STJ. Para ele, apesar de a lei não permitir a
penhora de bem de família, "a norma jurídica, entretanto, não pode ser
interpretada de forma absolutamente formal e literal". Ele explica que o
julgador, no momento da decisão, precisa levar em conta "determinados
fatos sociais, em vista à realização de certos valores".
"A busca pelo 'fim' da norma é fruto de uma obrigatória interpretação
teleológica e sistemática, pois o conjunto de leis - evidentemente em
sentido amplo - que integra a ordem jurídica deve ser entendido como
composto por disposições reciprocamente coerentes, já que a lei não
pode, ao mesmo tempo, ser considerada lícita e contrariar princípios
gerais de direito."
O juiz entende que o bem social é o objetivo maior da lei. "A menção aos
fins sociais e ao bem comum, como assinala Tércio, pressupõe uma unidade
de objetivos do comportamento social do homem; postula-se que a ordem
jurídica, como um todo, seja sempre um conjunto de preceitos para a
realização da sociabilidade humana. O juiz deve buscar o verdadeiro
sentido e alcance do texto legal", finaliza.
Imóvel de luxo x sustento da família
A advogada Tatiane Cardoso Gonini Paço concorda com a
interpretação dada pelo juiz ao caso. Para ela, é preciso uma ponderação
por parte dos julgadores para conciliar interesses conflitantes. "O que
é mais importante: um devedor morando em um imóvel de luxo ou um
trabalhador receber verbas importantes para o sustento básico de sua
família?", questiona. Ela diz que a Justiça, em casos específicos, como
o do banqueiro Edemar Cid Ferreira, poderia penhorar e vender o imóvel,
e ainda garantir ao devedor o valor de outro imóvel para ele morar.
O banqueiro, que controlava o Banco Santos, morava em uma mansão no
nobre bairro do Morumbi em São Paulo e foi despejado na semana passada.
Ferreira provou no STJ que sua casa era um bem de família, e o tribunal
o manteve na residência, que custou cerca de R$ 140 milhões. Após a
quebra do banco, em novembro de 2004, Edemar foi condenado por crimes
contra o sistema financeiro, lavagem de dinheiro e formação de
quadrilha. O rombo, segundo o Banco Central, era de R$ 2,5 bilhões.
A advogada recorda que houve uma iniciativa de um Projeto de Lei 51/06,
vetado pelo ex-presidente Lula, que permitia a penhora de bens de luxo.
Segundo o projeto, bens com valor acima de R$ 540 mil poderiam ser
penhorados, ainda que fossem de família. E pelo novo Código Civil, a
penhora não pode ultrapassar um terço do patrimônio da família. "Mas só
pode ser considerado bem de família se a especificação constar na
escritura do imóvel", ressalva.
Tatiane Paço diz que é comum as pessoas que sofrem um processo tentarem
fazer a escritura do imóvel após a execução, mas isso não é possível.
Ela alerta que com a aprovação do novo Código Civil, se tornou
obrigatório o documento. "Nos novos apartamentos, a garagem e o imóvel
tem escrituras separadas. É comum, os réus terem sua garagem penhorada
pela Justiça", destaca.
Recurso Especial 1.178.469
Leia a decisão:
RECURSO ESPECIAL Nº 1.178.469 - SP (2010/0021290-0)
EMENTA
RECURSO ESPECIAL - DIREITO CIVIL - QUESTÃO PRELIMINAR - JULGAMENTO
PROFERIDO POR CÂMARA COMPOSTA MAJORITARIAMENTE POR JUÍZES CONVOCADOS -
POSSIBILIDADE, DESDE QUE OBSERVADOS PARÂMETROS LEGAIS - PRECEDENTES -
EXISTÊNCIA DE VÍCIO REDIBITÓRIO E O PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO DA FORMA
MENOS ONEROSA AO DEVEDOR - PREQUESTIONAMENTO - AUSÊNCIA - INCIDÊNCIA DA
SÚMULA 211/STJ - PENHORA - PARTE IDEAL DE IMÓVEL - POSSIBILIDADE -
PRECEDENTES - BEM DE FAMÍLIA - AVALIAÇÃO - JUÍZO DINÂMICO - BEM IMÓVEL
DE ELEVADO VALOR - IRRELEVÂNCIA, PARA EFEITOS DE IMPENHORABILIDADE -
ÍNDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA - DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL -
DEMONSTRAÇÃO - INEXISTÊNCIA - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - MULTA -
IMPOSSIBILIDADE - INTUITO PROCRASTINATÓRIO - AUSÊNCIA - INCIDÊNCIA DA
SÚMULA 98/STJ - RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO,
PARCIALMENTE PROVIDO.
I - A jurisprudência desta Corte Superior já teve oportunidade de
indicar que é possível o julgamento por Turmas ou Câmaras constituídas,
em sua maioria, por juízes convocados, desde que a convocação se dê
dentro dos parâmetros legais e que observadas as disposições
estabelecidas pela Constituição Federal.
II - As questões concernentes à existência de vício redibitório, bem
como quanto ao prosseguimento da execução da forma menos gravosa ao
devedor, não foram objeto de debate ou deliberação no acórdão recorrido,
não obstante a oposição de embargos declaratórios, o que atrai a
incidência da Súmula 211/STJ.
III - É possível a penhora de parte do imóvel, caracterizado como bem de
família, quando for possível o desmembramento sem sua descaracterização.
Precedentes.
IV - A avaliação da natureza do bem de família, amparado pela Lei n°
8.009/90, por ser questão de ordem pública e não se sujeitar à
preclusão, comporta juízo dinâmico. E essa circunstância é moldada pelos
princípios basilares dos direitos humanos, dentre eles, o da dignidade
da pessoa humana, um dos fundamentos do nosso Estado Democrático, nos
termos do 1º, inciso III, da Constituição da República.
V - Para que seja reconhecida a impenhorabilidade do bem de família, de
acordo com o artigo 1º, da Lei n° 8.009/90, basta que o imóvel sirva de
residência para a família do devedor, sendo irrelevante o valor do bem.
VI - O art. 3º da Lei nº 8.009/90, que trata das exceções à regra da
impenhorabilidade, não faz traz nenhuma indicação concernente ao valor
do imóvel. Portanto, é irrelevante, para efeitos de impenhorabilidade,
que o imóvel seja considerado luxuoso ou de alto padrão. Precedente da
eg. Quarta Turma.
VII - Acerca do índice de correção monetária, impõe-se reconhecer que,
não se admite recurso especial pela alínea "c" quando ausente a
demonstração, pelo recorrente, das circunstâncias que identifiquem os
casos confrontados.
VIII - Os embargos de declaração foram opostos com o intuito de
prequestionamento, vedando-se, por lógica, a imposição de multa
procrastinatória, nos termos do que dispõe o enunciado da Súmula 98/STJ.
IX - Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão,
parcialmente provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima
indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal
de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a
seguir, a Turma, por unanimidade, conhecer em parte do recurso especial
e nesta parte dar provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a).
Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino,
Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS) e Nancy Andrighi
votaram com o Sr. Ministro Relator. Impedido o Sr. Ministro Sidnei
Beneti.
Brasília, 18 de novembro de 2010(data do julgamento)
MINISTRO MASSAMI UYEDA
Relator
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA (Relator):
Cuida-se de recurso especial interposto por XXXXXXX e OUTROS
fundamentado no art. 105, III, alíneas "a" e "c", do permissivo
constitucional, em que se alega violação dos artigos 107 e 108 da Lei
Complementar 35/79; 1º e 3º da Lei 8.009/90; 1.062, 1.092, 1.101, 1.105
e 1.262 do Código Civil de 1.916; 538, parágrafo único, 620 e 702, do
Código de Processo Civil, bem como dissídio jurisprudencial.
Os elementos existentes nos autos noticiam que, na origem, XXXXXXXX e
OUTROS, em 12 de abril de 1999, celebraram contrato de arrendamento
agrícola, cujo objetivo era o de plantar e cultivar café em áreas rurais
objeto de arrendamento. Contudo, é dos autos que, sob fundamento de que
as áreas nãoseriam apropriadas para cultivo de café, os recorrentes
suscitaram a existência de vício redibitório, nos termos do
art. 1.105 do Código Civil de 1.916 e deixaram, ato contínuo, de efetuar
o pagamento das parcelas do arrendamento.
Em face do inadimplemento das parcelas do arrendamento, a ora recorrida,
XXXXXX., propôs execução de título extrajudicial em face dos ora
recorrentes, XXXX e OUTROS, momento em que obteve, judicialmente, a
penhora de imóveis situados na Cidade de São Paulo, o primeiro de
propriedade de XXXX, localizado na rua XXXX e o segundo, de propriedade
XXXXXXXX, situado Rua XXXX.
Irresignados, XXXX e OUTROS,apresentaram embargos à execução ao
fundamento de que tais imóveis constituem bens de família, nos termos do
que dispõe a Lei 8.009/90, pugnando, consequentemente, pela nulidade das
constrições e a sua desconstituição, bem como pelo excesso de execução.
O r. Juízo da 25ª Vara Cível da Comarca da Capital/SP, ao examinar a
controvérsia, entendeu por bem julgar parcialmente procedente os
embargos à execução. Dentre outros fundamentos, em relação ao
afastamento da penhora dos imóveis, apontou que: "(...) a garantia
de moradia digna não se confunde com a manutenção de residência luxuosa,
em detrimento dos credores, pois, se assim fosse, bastaria ao devedor
detentor de vastas riquezas, para 'escapar' de seus débitos, concentrar
todo o seu patrimônio em uma única residência, ainda que nababesca ou
palaciana, a qual estaria garantida pela regra da impenhorabilidade."
(fl. 104) Contudo, excluiu da penhora a parte ideal do primeiro
imóvel de propriedade de XXXXXX, a 1/5 (um quinto) de sua totalidade que
é de 795 m2 (setecentos e noventa e cinco metros quadrados) e, quanto ao
segundo imóvel, de propriedade de XXXXXXXX, em 1/10 (um décimo) de sua
extensão que é de 319 m2 (trezentos e dezenove metros quadrados). Ao
final, afastou a cobrança cumulada de multa moratória no importe de 2%
(dois por cento) (fl. 113).
Inconformados, ambas as partes interpuseram recurso de apelação,
oportunidade em que o eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo,
por unanimidade, negou provimento a ambos os recursos. A ementa está
assim redigida:
"PENHORA. Incidência sobre parte ideal de coisa indivisível.
Admissibilidade. Recurso desprovido.
PENHORA. Incidência sobre bens de família. Coisas suntuosas e de grandes
dimensões, porém. Proteção legal que não pode favorecer o devedor que,
mantendo residência suntuosa, causa prejuízo aos credores. Suficiência
da redução das penhoras a partes ideais para que, após a conversão em
dinheiro, os devedores possam adquirir moradias dignas. Recurso
desprovido.
EXECUÇÃO POR TÍTULO EXTRAJUDICIAL. Contrato de arrendamento com opção de
compra. Cerceamento de defesa inexistente. Pretensões à obtenção de
abatimento e à rejeição da coisa já acobertadas pela decadência. Índice
de correção monetária que foi pactuado e deve prevalecer. Multa
moratória com incidência cumulativa e sucessiva, o que afronta a
natureza de tal encargo.
Incidência única corretamente determinada. Embargos procedentes em
parte. Recursos desprovidos."
Os embargos de declaração opostos às fls. 243/245, foram rejeitados
às fls. 249/253, com imposição de multa protelatória.
Nas razões do especial, os recorrentes, XXXXX e OUTROS, sustentam, em
resumo, preliminarmente, nulidade do julgamento em razão da
participação, em sua maioria, de Juízes Convocados. Aduzem, também, a
nulidade da penhora dos imóveis, por constituírem bens de família,
reputados impenhoráveis, nos termos do art. 1º, da Lei
8.009/90.Sustentam, ainda, que a lei não estabelece qualquer ressalva
quanto a inviabilidade de penhora, em se tratando de imóvel de alto
valor. Asseveram, também, que as propriedades arrendadas não são
apropriadas para a cafeicultura, o que justifica, na sua compreensão, o
inadimplemento parcial dos valores devidos, conforme determinam os arts.
1.101 e 1.105 do Código Civil de 1.916. Dizem, igualmente, que o índice
de correção monetária a ser aplicado é o INPC. Por fim, sustentam que os
embargos de declaração opostos não possuem caráter procrastinatório.
Às fls. 435/437, foi proferido juízo negativo de admissibilidade. Por
meio do Agravo de Instrumento nº 1.066.331/SP, esta Relatoria determinou
a subida dos autos principais para melhor exame.
É o
relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.178.469 - SP (2010/0021290-0)
EMENTA
RECURSO ESPECIAL - DIREITO CIVIL - QUESTÃO PRELIMINAR -
JULGAMENTO PROFERIDO POR CÂMARA COMPOSTA MAJORITARIAMENTE POR JUÍZES
CONVOCADOS -POSSIBILIDADE, DESDE QUE OBSERVADOS PARÂMETROS LEGAIS -
PRECEDENTES - EXISTÊNCIA DE VÍCIO REDIBITÓRIO E O PROSSEGUIMENTO DA
EXECUÇÃO DA FORMA MENOS ONEROSA AO DEVEDOR - PREQUESTIONAMENTO -
AUSÊNCIA - INCIDÊNCIA DA SÚMULA 211/STJ - PENHORA - PARTE IDEAL DE
IMÓVEL - POSSIBILIDADE - PRECEDENTES - BEM DE FAMÍLIA - AVALIAÇÃO -
JUÍZO DINÂMICO - BEM IMÓVEL DE ELEVADO VALOR - IRRELEVÂNCIA, PARA
EFEITOS DE IMPENHORABILIDADE - ÍNDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA -
DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL - DEMONSTRAÇÃO - INEXISTÊNCIA - EMBARGOS DE
DECLARAÇÃO - MULTA - IMPOSSIBILIDADE - INTUITO PROCRASTINATÓRIO -
AUSÊNCIA - INCIDÊNCIA DA SÚMULA 98/STJ - RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO
E, NESSA EXTENSÃO, PARCIALMENTE PROVIDO.
I - A jurisprudência desta Corte Superior já teve oportunidade de
indicar que é possível o julgamento por Turmas ou Câmaras constituídas,
em sua maioria, por juízes convocados, desde que a convocação se dê
dentro dos parâmetros legais e que observadas as disposições
estabelecidas pela Constituição Federal.
II - As questões concernentes à existência de vício redibitório, bem
como quanto ao prosseguimento da execução da forma menos gravosa ao
devedor, não foram objeto de debate ou deliberação no acórdão recorrido,
não obstante a oposição de embargos declaratórios, o que atrai a
incidência da Súmula 211/STJ.
III - É possível a penhora de parte do imóvel, caracterizado como bem de
família, quando for possível o desmembramento sem sua descaracterização.
Precedentes.
IV - A avaliação da natureza do bem de família, amparado pela Lei
8.009/90, por ser questão de ordem pública e não se sujeitar à
preclusão, comporta juízo dinâmico. E essa circunstância é moldada pelos
princípios basilares dos direitos humanos, dentre eles, o da dignidade
da pessoa humana, um dos fundamentos do nosso Estado Democrático, nos
termos do 1º, inciso III, da Constituição da República.
V - Para que
seja reconhecida a impenhorabilidade do bem de família, de acordo com o
artigo 1º, da Lei n° 8.009/90, basta que o imóvel sirva de residência
para a família do devedor, sendo irrelevante o valor do bem.
VI - O art. 3º da Lei nº 8.009/90, que trata das exceções à regra da
impenhorabilidade, não faz traz nenhuma indicação concernente ao valor
do imóvel. Portanto, é irrelevante, para efeitos deimpenhorabilidade,
que o imóvel seja considerado luxuoso ou de alto padrão. Precedente da
eg. Quarta Turma.
VII - Acerca do índice de correção monetária, impõe-se reconhecer que,
não se admite recurso especial pela alínea "c" quando ausente a
demonstração, pelo recorrente, das circunstâncias que identifiquem os
casos confrontados.
VIII - Os embargos de declaração foram opostos com o intuito de
prequestionamento, vedando-se, por lógica, a imposição de multa
procrastinatória, nos termos do que dispõe o enunciado da Súmula 98/STJ.
IX - Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão,
parcialmente provido.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA:
A irresignação merece prosperar, em parte.
Com efeito.
A controvérsia aqui agitada reside no exame da possibilidade de penhora
de parte ideal de bem imóvel, considerado bem de família,
com características, segundo o v. acórdão recorrido, de luxo e
suntuosidade.
Preliminarmente, acerca da nulidade do v. acórdão recorrido tendo em
vista a participação de Juízes Convocados em seu julgamento e a possível
ofensa aos artigos 107 e 108 da Lei Complementar 35/79, registra-se que
a jurisprudência desta Corte Superior já teve oportunidade de indicar
que é possível o julgamento por Turmas ou Câmaras constituídas, em sua
maioria, por juízes convocados, desde que a convocação se dê dentro dos
parâmetros legais e que observadas as disposições estabelecidas pela
Constituição Federal. Com essa orientação, cita-se, por todos, a
seguinte ementa:
"RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA.
IMPUGNAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS FIXADOS EM EMBARGOS DO DEVEDOR.
OMISSÃO ECONTRADIÇÃO NO ACÓRDÃO RECORRIDO. INOCORRÊNCIA. JULGAMENTO
PROFERIDO POR CÂMARA COMPOSTA MAJORITARIAMENTE POR JUÍZES CONVOCADOS.
PRINCÍPIOS DO JUIZ NATURAL E DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. OFENSA
AFASTADA. PRINCÍPIO DA ISONOMIA PROCESSUAL. AUSÊNCIA DE
PREQUESTIONAMENTO. OFENSA À COISA JULGADA. INOCORRÊNCIA.
I- Os Embargos de Declaração são corretamente rejeitados se não há
omissão, contradição ou obscuridade no acórdão embargado, tendo a lide
sido dirimida com a devida e suficiente fundamentação; apenas não se
adotando a tese do recorrente.
II- Não
há nulidade no julgamento proferido por Turmas ou Câmaras estaduais
constituídas, em sua maioria, por Juízes convocados se a convocação se
deu dentro dos parâmetros legais e com observância das disposições
estabelecidas pela Constituição Federal.
III- É inadmissível o Recurso Especial quanto à questão que não foi
apreciada pelo Tribunal de origem.
IV- Não há ofensa à coisa julgada na hipótese em que o Acórdão confirma
a decisão que homologou os cálculos apresentados, respeitando os
critérios determinados pela sentença exequenda na qual foram fixados
honorários em "15% sobre o valor expurgado em favor do advogado dos
devedores-apelantes". Recurso Especial improvido."
REsp 1092089/SC, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe de 9/11/2009.
Além disso, assinala-se que as questões relativas aos artigos 1.101 e
1.105 do Código Civil de 1.916, quanto à existência de vício
redibitório, bem como, os artigos 620 e 702 do Código de Processo Civil,
quanto ao prosseguimento da execução da forma menos gravosa ao devedor,
não foram objeto de debate ou deliberação pelo Tribunal de origem,
restando ausente, assim, o requisito indispensável do prequestionamento
da matéria, não obstante a oposição de embargos declaratórios, o que
atrai a incidência do enunciado 211 da Súmula desta Corte, que
preconiza: "Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a
despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo
tribunal 'a quo'.
Acerca do meritum causae registra-se que não se olvida da
orientação desta Corte Superior no sentido de que é possível a penhora
de parte ideal do imóvel, caracterizado como bem de família, quando for
possível o desmembramento sem sua descaracterização. Com essa
orientação: REsp 326.171/GO, Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de
22/10/2001; REsp 139.010/SP, Min. Cesar Asfor Rocha, DJ de 21/2/2002,
este último assim ementado:
"EMBARGOS DE TERCEIRO. PENHORA. LEI N. 8.009/90. BEM DE FAMÍLIA.
IMÓVEL RESIDENCIAL. QUATRO IMÓVEIS CONTÍGUOS. MATRÍCULAS DIFERENTES.
POSSIBILIDADE DODESMEMBRAMENTO.
Pelas peculiaridades da espécie, preservada a parte principal da
residência em terreno com área superior a 2.200 m2, com piscina,
churrasqueira, gramados, não viola a Lei 8.009/90 a decisão que permite
a divisão da propriedade e a penhora sobre as áreas sobejantes.
Recurso especial não conhecido."
Todavia, acredita-se que, quanto aos fundamentos adotados pelo v.
acórdão recorrido para manter a penhora, ainda que de parte ideal, em
razão das características de luxo e suntuosidade dos bens imóveis,
merece outro enfoque, data venia.
Na verdade, é certo que a avaliação da natureza do bem de família,
amparado pela Lei n° 8.009/90, por ser questão de ordem pública (ut
REsp 467.246/RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJ 12.8.2003)
e, ipso facto, não se sujeitar à preclusão (ut REsp
1.114.719/SP, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe 29/6/2009), comporta juízo
dinâmico. Sem dúvida que essa circunstância é moldada pelos princípios
basilares dos direitos humanos, dentre eles, o da dignidade da pessoa
humana, um dos fundamentos do nosso Estado Democrático, nos termos do
1º, inciso III, da Constituição da República.
Tendo isso em conta, não convence, data venia, o argumento de
que a intenção do legislador, ao editar a Lei nº 8.009/90, não seria a
de proteger o "luxo e suntuosidade" (fls. 236). Isso porque,
para que seja reconhecida a impenhorabilidade do bem de família, de
acordo com o artigo 1º, da Lei n° 8.009/90, basta que o imóvel sirva de
residência para a família do devedor, sendo irrelevante o valor do bem.
Ressalta-se, por oportuno, que a tese referente ao valor do bem, para
fins de se definir acerca da impenhorabilidade ou não, chegou a ser
proposta pelo projeto de Lei n° 51, de 2006 (n° 4.497/04 na Câmara dos
Deputados), o qual pretendia inserir um parágrafo único ao artigo 650,
do Código de Processo Civil, para possibilitar a penhora de "imóvel
considerado bem de família, se de valor superior a 1000 (mil) salários
mínimos, caso em que, apurado o valor em dinheiro, a quantia até aquele
limite será entregue ao executado, sob cláusula de impenhorabilidade."
Contudo, tal hipótese foi vetada sob o argumento de que o Projeto de Lei
quebrou o dogma da impenhorabilidade absoluta do bem de família,
enfraquecendo a tradição surgida com a Lei no 8.009, de 1990, no sentido
da impenhorabilidade do bem de família independentemente do valor.
Nessa ordem
de ideias, para efeitos da lei, dispõe expressamente o art. 1º que
"o imóvel residencial próprio do casal, ou da
entidade familiar, é impenhorável..."não particularizando sua
classe, se luxuoso ou não, ou mesmo o seu valor. De fato, há exceção, no
que se refere aos "adornos suntuosos" (art. 2°), cujo tema, entretanto,
não está em debate, uma vez que a constrição recaiu apenas sobre bens
imóveis.
De mais a mais, bem de ver que o art. 3º da Lei nº 8.009/90, que trata
das exceções à regra da impenhorabilidade, não faz traz nenhuma
indicação concernente ao valor do imóvel ou em relação às suas
características, quer dizer, se luxuoso ou não. Portanto, é certo que a
referida Lei tem claro intuito protetivo à moradia, que foi elevada à
categoria de direito social com a entrada em vigor da Emenda
Constitucional n° 26/2000, que alterou o disposto no art. 6º da
Constituição Federal, in verbis: "Art. 6.º. São direitos sociais a
educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a
segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância,
a assistência ao desamparados, na forma desta Constituição."(grifo).
Dessa forma, acredita-se que é inadmissível ampliar o rol daquelas
exceções previstas na Lei 8.009/90, em claro detrimento da proteção da
moradia da família, garantida, inclusive, constitucionalmente. Portanto,
é irrelevante, para efeitos de impenhorabilidade, que o imóvel seja
considerado luxuoso ou de alto padrão. Nesse sentido, é importante o
registro da seguinte ementa, em caso semelhante, recentemente julgado,
proferido pela eg. Quarta Turma:
"PROCESSUAL CIVIL. DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. INEXISTÊNCIA.
ATO. GOVERNO LOCAL. AUSÊNCIA. DEMONSTRAÇÃO. DISSÍDIO
JURISPRUDENCIAL.IMPENHORABILIDADE. BEM DE FAMÍLIA. PRECEDENTES.
(...)
3. O bem de família, tal como estabelecido em nosso sistema pela Lei
8.009/90, surgiu em razão da necessidade de aumento da proteção legal
aos devedores, em momento de grande atribulação econômica decorrente do
malogro de sucessivos planos governamentais. A norma é de ordem pública,
de cunho eminentemente social, e tem por escopo resguardar o direito à
residência ao devedor e a sua família, assegurando-lhes condições dignas
de moradia, indispensáveis à manutenção e à sobrevivência da célula
familiar.
4. Ainda que valioso o imóvel, esse fato não retira sua condição
de serviente a habitação da família, pois o sistema legal repele a
inserção de limites à impenhorabilidade de imóvel residencial.
5.
Recurso conhecido em parte e, na extensão, provido."
REsp 715259/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe de 09/09/2010.
Acerca da correção monetária, verifica-se que os recorrentes,
ao deduzirem suas razões, descumpriram os artigos 541, do CPC e 255 do
RISTJ, uma vez que não demonstraram, como deveriam, o alegado dissídio
jurisprudencial acerca do índice de correção monetária, limitando-se em
mencionar (fls. 293/294), como paradigmas, precedentes atinentes à
vedação de aplicação da TBF (Taxa Básica Financeira) enquanto que, na
hipótese dos autos, cuidou-se, especificamente, da incidência do CDI
(Certificado de Depósito Interbancário). Impõe-se considerar, portanto,
que o conhecimento do presente recurso especial fundado em dissídio
jurisprudencial não se revela possível (ut AgRg no REsp
843115/TO, Relator Ministro Luiz Fux, DJe 02/10/2008; AgRg nos EREsp
721854/SP, Relator Ministro José Delgado, Corte Especial, DJ
17/04/2006).
Por fim, em relação à incidência da multa estabelecida pelo Tribunal
a quo, com fundamento no art. 538, parágrafo único, do Código de
Processo Civil, argumentam os ora recorrentes, XXXXXX e OUTROS, que o
aresto teria deixado de considerar o propósito de prequestionamento dos
embargos de declaração.
No ponto, tem razão os recorrentes pois, embora tenham sido rejeitados,
os embargos de declaração foram opostos com a finalidade de
prequestionamento explícito dos dispositivos legais, merecendo
prosperar, portanto, com respaldo no enunciado n.º 98 da Súmula desta
Corte, in verbis: "Embargos de declaração manifestados com
notório propósito de prequestionamento não têmcaráter protelatório".
Assim sendo, conhece-se parcialmente do recurso especial e, nessa
extensão, dá-se-lhe parcial provimento para desconstituir a penhora
sobre os imóveis residenciais dos recorrentes e afastar a multa imposta
pelo Tribunal de origem no julgamento dos embargos de declaração,
invertendo-se, por conseguinte, os ônus sucumbenciais atribuídos pelas
instâncias ordinárias.
É o voto.
MINISTRO MASSAMI UYEDA
Relator