Bem de família - Impenhorabilidade absoluta - Ineficácia relativa ao credor de prestação alimentícia

- O Código de Processo Civil contém os casos gerais de impenhorabilidade absoluta.

- A Lei do Bem de Família dispõe sobre a situação especial de preservação, atenta à rigorosa exceção ao credor de prestação alimentícia.

- Aplica-se a norma especial sobre o caso geral e valoriza-se o direito aos alimentos, inerentes à sobrevivência, como superiores aos da habitação e da qualidade de vida.

Recurso não provido.

Agravo de Instrumento Cível n° 1.0024.97.031999-2/001 - Comarca de Belo Horizonte - Agravante: A.C.R. - Agravado: E.A.V.D. - Relator: Des. Almeida Melo

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador Almeida Melo, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em negar provimento.

Belo Horizonte, 12 de agosto de 2010. - Almeida Melo - Relator.

N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S

DES. ALMEIDA MELO - Conheço do recurso, porque atendidos os pressupostos de admissibilidade.

Este agravo de instrumento foi interposto contra a decisão, trasladada à f. 10-TJ, que, em execução de alimentos, indeferiu o pedido de declaração de nulidade da constrição e da adjudicação dos bens penhorados.

O recorrente diz que é executado por alimentos devidos à agravada e que foram penhorados os bens que guarnecem sua residência. Aduz que a constrição recaiu sobre bens absolutamente impenhoráveis, tendo em vista o disposto no art. 649, II, do Código de Processo Civil, com a redação dada pela Lei nº 11.382/06. Alega que não pode incidir a norma do art. 3º, III, da Lei nº 8.009/90, que excepciona a impenhorabilidade nos processos de execução de alimentos, uma vez que deve prevalecer a regra posterior. Pede o provimento do recurso para que se declare a nulidade da penhora e da adjudicação dos bens na execução de alimentos.

Extrai-se das peças que formam o presente instrumento de agravo que, nos autos da execução de alimentos, em 19 de janeiro de 2007, foram penhorados móveis e equipamentos que guarnecem a residência do agravante (f. 29-TJ), em relação aos quais foi deferida adjudicação à exequente em 27.04.2007 (f. 32, 33 e 35/36-TJ).

O agravante suscitou a nulidade absoluta da penhora e da adjudicação, com fundamento no art. 649, II, do Código de Processo Civil (f. 37/46-TJ).

A Lei nº 8.009, de 1990, dispôs sobre a impenhorabilidade do bem de família.

Em seu art. 1º, conceituou o que é bem de família e, no respectivo parágrafo único, dispôs que a impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.

No art. 2º, discrepando, em parte, da finalidade da lei, ao cuidar de veículos, dispôs sobre os bens a que não se aplica a impenhorabilidade: veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos.

No art. 3º, a lei tratou da eficácia relativa da impenhorabilidade em relação aos diversos credores. Excepcionou do alcance da impenhorabilidade, dentre outros, o credor por prestação alimentícia (inciso III).

A Lei nº 11.382, de 6 de dezembro de 2006, deu nova redação ao art. 649, II, do Código de Processo Civil e conceituou como absolutamente impenhoráveis os móveis, pertences e utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida.

Cumpre definir se o acréscimo do caso de impenhorabilidade absoluta, no Código de Processo Civil, constituiu novação para ter eficácia contra o credor de prestação alimentícia.

Creio que não.

Se a Lei do Bem de Família não se opõe ao credor de prestação alimentícia e, a rigor, lhe enseja a penhora do imóvel da residência, não me parece pertinente que a lei geral seja aplicável ao caso tratado por lei especial.

O direito aos alimentos, por ser inerente à sobrevivência, tem superioridade sobre direitos patrimoniais, sobre o direito à habitação e à qualidade de vida.

Reconhecido que a prestação tem natureza alimentícia - matéria que não é objeto deste agravo - a consequência inexorável é que o respectivo credor não está sujeito a qualquer limitação em matéria de penhora.

Custas, ex lege.

DES. AUDEBERT DELAGE - De acordo com voto do Relator.

DES. MOREIRA DINIZ - Sr. Presidente. Gostaria de fazer uma pequena observação.

Esse assunto é delicado e, de certa forma, novo, porque a solução dessa questão passa pelo histórico da impenhorabilidade do imóvel destinado à residência familiar. No início de tudo, a lei dizia que o que era impenhorável era o bem de família, era o imóvel, o teto da família. Por construção jurisprudencial, passou-se a entender que também os móveis e utensílios que guarneciam o imóvel residencial eram abrangidos pela impenhorabilidade. A construção jurisprudencial partiu do pressuposto de que, se a residência é impenhorável, pelo mesmo motivo o que está dentro da residência é impenhorável. Houve construção jurisprudencial reforçada na doutrina que gerou a Lei 8.009, que reconheceu, no ordenamento positivo, a impenhorabilidade não apenas do teto, mas do que estava sob o teto.

Agora, houve uma modificação legislativa, em que se criou uma exceção à impenhorabilidade do teto, estendida a possibilidade de penhora do imóvel do teto familiar para crédito de natureza alimentar. Ocorre que as mesmas razões que levaram a jurisprudência a construir a impenhorabilidade dos bens que guarnecem a residência do casal devem agora prevalecer para reconhecer que, ainda que a lei expressamente não se refira à penhorabilidade desses bens, no caso de execuções de créditos alimentares, há possibilidade de penhorar, porque o princípio que norteou a impenhorabilidade é o mesmo. O que está sob o teto faz parte do teto. Se hoje, para créditos alimentares, o teto é penhorável, o que está sob o teto também é penhorável.

Acompanho o Relator.

Súmula - NEGARAM PROVIMENTO.


Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico de MG - 14/05/2011.

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