Ainda sob o efeito da dor de perder um parente, muitas famílias precisam
enfrentar uma batalha judicial para dispor dos bens deixados pela pessoa
falecida. Ao longo de 2011, a disputa por herança foi tema recorrente no
Superior Tribunal de Justiça, principalmente na Terceira e Quarta Turma,
especializadas em direito privado.
De acordo com as regras do direito das sucessões, expressas no Livro V do
Código Civil (CC) de 2002, quando uma pessoa morre sem deixar testamento, a
herança é transmitida aos herdeiros legítimos. Os artigos 1.845 e 1.846
estabelecem que são herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e
o cônjuge. Pertence a essas pessoas, de forma obrigatória, metade dos bens
da herança. Ou seja, havendo herdeiros necessários, a pessoa só pode doar a
outros herdeiros metade do seu patrimônio.
Outro dispositivo que merece destaque é o artigo 1.790, que trata da
companheira ou companheiro em união estável. Essa pessoa participa da
sucessão do outro. Se houver filhos em comum do casal, o que sobrevive terá
direito a uma cota equivalente à que for atribuída ao filho por lei. Se os
filhos forem apenas do autor da herança, o companheiro terá metade do que
couber a cada descendente. Caso a concorrência seja com outros parentes
sucessíveis, o direito será a um terço da herança; e na ausência desses
parentes, o companheiro ficará com a totalidade dos bens.
Herdeiros colaterais
Em outubro de 2011, a Terceira Turma julgou a destinação de herança cuja
autora não tinha descendente, ascendente nem cônjuge. O artigo 1.839
determina que nessas hipóteses, os herdeiros serão os colaterais até quarto
grau. No caso, os irmãos da falecida também já estavam mortos.
A herança ficou, então, para os sobrinhos, colaterais de terceiro grau, que
apresentaram um plano de partilha amigável e incluíram uma sobrinha-neta,
filha de um sobrinho já falecido. Com base no artigo 1.613 do CC de 1916,
segundo o qual os colaterais mais próximos excluem os mais remotos, o juiz
de primeiro grau excluiu a sobrinha-neta da partilha. No CC de 2002, a regra
foi reproduzida no artigo 1.840.
A decisão foi mantida em segundo grau, o que motivou recurso da excluída ao
STJ. Alegou que era herdeira por representação de seu pai, que, se fosse
vivo, participaria da herança. Ela invocou a ressalva do artigo 1.613, que
concede direito de representação aos filhos de irmão do autor da herança.
O recurso foi negado. A relatora, ministra Nancy Andrighi, destacou que, por
expressa disposição legal, o direito de representação na sucessão colateral
está limitado aos filhos dos irmãos, não se estendendo aos sobrinhos-netos (REsp
1.064.363).
De acordo com o artigo 1.844, na falta de parente sucessível ou renúncia à
herança, ela ficará nos cofres do município onde estiver. Caso esteja em
território federal, ficará com a União.
União estável
A Quarta Turma deu provimento a recurso especial para excluir irmão de
mulher falecida do inventário como herdeiro. O autor do recurso é o
companheiro da autora da herança, que alegou ter convivido em união estável
com a falecida por mais de 20 anos, tendo construído com ela patrimônio
comum.
A justiça do Rio de Janeiro considerou que não existia documento capaz de
comprovar a relação familiar entre o recorrente e a falecida. Por isso,
deferiu a habilitação do irmão, parente colateral, como herdeiro. A mulher
não deixou descendente ou ascendente. Importante ressaltar que a sucessão
foi aberta ainda na vigência do CC de 1916.
O relator, ministro Luis Felipe Salomão, observou que a união estável foi
reconhecida judicialmente, ainda que após a interposição do recurso
especial. Segundo ele, em sucessão aberta antes do CC de 2002, aplica-se o
disposto no art. 2º, inciso III, da Lei 8.971/94, o que garantiu ao
companheiro a totalidade da herança (REsp 704.637).
Única moradia
Quando o casal adota regime de separação total de bens e o proprietário do
imóvel em que residem morre, como fica a pessoa que sobrevive? O STJ entende
que ela deve continuar residindo no local, mesmo que não tenha direito à
herança.
O entendimento foi adotado no julgamento de um recurso especial em que as
filhas do dono do imóvel tentavam retirar a segunda esposa do pai do
apartamento que tinham herdado. O bem também é parte da herança da mãe
delas. No recurso ao STJ, elas alegaram que a segunda esposa do pai não
teria direito real de habitação sobre o imóvel, porque era casada sob o
regime de separação total de bens.
O ministro Sidnei Beneti, relator, explicou que o CC de 2002, no artigo
1.831, garante ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens e
sem prejuízo do que lhe caiba por herança, o direito real de habitação sobre
o imóvel destinado à residência da família, desde que ele seja o único a ser
inventariado. Mesmo antes do novo código, a Lei 9.278/96 já havia conferido
direito equivalente às pessoas ligadas pela união estável (REsp 821.660).
Antes da partilha
Ao falecer, a pessoa deixa um conjunto de bens, rendimentos, direitos e
obrigações, o chamado espólio. Antes da partilha dos bens, é preciso fazer
um inventário, que é descrição detalhada do patrimônio deixado. De acordo
com o artigo 1.997, a herança responde pelo pagamento das dívidas do
falecido. Feita a partilha, os herdeiros respondem, cada um, na proporção da
parte que lhe coube na herança.
Enquanto não há individualização da cota pertencente a cada herdeiro, ou
seja, a partilha, o espólio assume a legitimidade para demandar e ser
demandado nas ações judiciais em que o falecido, se fosse vivo, integraria o
polo ativo ou passivo. Quando a pessoa falecida deixa dívidas, é comum o
ajuizamento de ação de cobrança contra o espólio.
Também em outubro passado, a Terceira Turma julgou recurso do Banco do
Estado do Rio Grande do Sul S/A (Branrisul), que ajuizou ação de cobrança
contra um espólio, citado na pessoa da viúva. O banco pretendia receber R$ 5
mil decorrentes de dois empréstimos contratados pelo autor da herança.
O processo foi extinto sem julgamento de mérito por decisões de primeira e
segunda instância. Os magistrados da Justiça gaúcha consideraram que a falta
de abertura do inventário do falecido, sem a definição do inventariante
(responsável pela administração dos bens), todos os herdeiros devem ser
citados, e não apenas a viúva.
Mas não é esse o entendimento do STJ. Relator do recurso do banco, o
ministro Massami Uyeda apontou que a inexistência de inventariante não faz
dos herdeiros, individualmente considerados, parte legítima para responder a
ação de cobrança. Isso porque, enquanto não há partilha, é a herança que
responde por eventual obrigação deixada pelo falecido e é do espólio a
legitimidade passiva para integrar o processo.
Uyeda afirmou também que o espólio e o inventariante não se confundem, sendo
o primeiro parte na ação e o segundo, o representante processual. O relator
aplicou a regra do artigo 1.797, segundo o qual, até o compromisso do
inventariante, a administração da herança caberá, sucessivamente, ao cônjuge
ou companheiro, ao herdeiro mais velho que estiver na posse e administração
dos bens, ao testamenteiro ou a pessoa de confiança do juiz. Por isso, a
Turma deu provimento ao recurso para dar seguimento à ação contra o espólio,
na qual a viúva foi citada (REsp 1.125.510).
Universalidade da herança
O artigo 1.784 do CC estabelece que o patrimônio deixado pelo falecido
transmite-se, desde a morte, aos herdeiros legais ou apontados em
testamento. É a adoção pelo direito brasileiro do princípio da saisine.
Desta forma, o patrimônio deixado não fica sem titular em momento algum.
Já o artigo 1.791 define que a herança é um todo unitário, ainda que existam
vários herdeiros. Até a partilha, o direito dos herdeiros é indivisível e
obedece às normas relativas ao condomínio, que é formado com a abertura da
sucessão.
Com base nesses dois dispositivos, a Terceira Turma entendeu que um único
herdeiro tem legitimidade para reivindicar individualmente, mesmo sem a
participação dos demais herdeiros na ação, bem comum que esteja
indevidamente em poder de terceiros.
O relator, ministro Massami Uyeda, afirmou que “o espólio é representado em
juízo pelo inventariante. Todavia, tal legitimação não exclui, nas hipóteses
em que ainda não se verificou a partilha, a legitimidade de cada herdeiro
vindicar em juízo os bens recebidos a título de herança. Trata-se, pois, de
legitimação concorrente”. O julgamento reformou decisão da justiça de Minas
Gerais, que entendeu pela ilegitimidade da herdeira para propor a ação (REsp
1.192.027).
Deserdação
Os herdeiros necessários podem ser excluídos da sucessão ou deserdados, mas
não é tão simples. Os casos em que isso pode ocorrer estão expressamente
previstos no Código Civil. O artigo 1.814 estabelece que serão excluídos da
sucessão os herdeiros que tiverem sido autores, co-autores ou participantes
de homicídio contra o autor da herança, seu cônjuge, companheiro, ascendente
ou descendente.
Também será excluído quem tiver acusado caluniosamente, em juízo, o autor da
herança ou praticar crime contra sua honra, do seu cônjuge ou companheiro. O
mesmo vale para quem usar de violência ou fraude para impedir a livre
disposição dos bens por ato de última vontade do dono do patrimônio.
Já a deserdação pode ocorrer quando o descendente praticar contra o
ascendente ofensa física, injúria grave, relações íntimas com a madrasta ou
padrasto ou desamparo perante alienação mental ou doença grave.
Com base nessas regras, um homem ajuizou ação de deserdação contra o irmão,
alegando que o pai deles teria manifestado em testamento o desejo de excluir
aquele filho da sucessão de seus bens. Isso porque ele o teria caluniado e
injuriado nos autos do inventário da esposa. O pedido foi negado em primeiro
e segundo grau.
No recurso ao STJ, o autor da ação alegou que, para configurar a denunciação
caluniosa, não é necessária a existência de ação penal. Argumentou que a
propositura de ação de interdição infundada seria injúria grave.
Seguindo o voto do relator, ministro Massami Uyeda, a Terceira Turma também
negou o pedido. Para os ministros, o ajuizamento de ação de interdição e o
pedido de remoção do pai como inventariante da mãe são, na verdade, o
exercício de regular direito garantido pela legislação. Por isso, esses atos
não podem justificar a deserdação (REsp 1.185.122).
REsp 1064363
REsp 704637
Resp 821660
REsp 1125510
REsp 1192027
REsp 1185122
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