A Corregedoria-Geral do Mato Grosso do
Sul, em consulta formulada por registrador, entendeu da desnecessidade
da utilização da retificação judicial de área de imóvel rural
georreferenciado, desde que: “Havendo a anuência dos confrontantes,
sem impugnação à averbação requerida e fornecida a certificação da
inexistência de sobreposição da poligonal pelo INCRA, poderá ser
efetivado o registro do imóvel, com as alterações numéricas constantes
do memorial descritivo georreferenciado, de forma que a situação fática
se torne situação jurídica aceita e convalidada”.
Veja abaixo a integra do parecer:
Processo nº 2004/1.03.114/0002
Requerente: Mário Eugênio Perón
Assunto: Consulta
PARECER Nº 029/2004
Mário Eugênio Peron formula CONSULTA a esta Corregedoria-Geral de
Justiça para que este Órgão se pronuncie a respeito do procedimento a
ser adotado por ocasião da identificação de imóvel rural, nos termos do
art. 9º do Decreto 4.449/2002 que regulamenta a Lei 10.267/2001.
A fim de delimitar a questão, suscita o seguinte questionamento:
“O imóvel rural com georreferenciamento aprovado pelo INCRA, que possua
todos os documentos exigidos pela Lei 10.267 e no Decreto 4.449,
inclusive a anuência de todos os confrontantes, que tenha área real,
encontrada no georreferenciamento, com divergência superior a 5%, para
mais ou para menos, considerando esse percentual sobre a área
anteriormente titulada, satisfaz os requisitos legais para ser
registrada, independentemente de novos procedimentos, tais como
retificação de matrícula via judicial, como pensam alguns
Registradores?”
Aduz que os oficiais do registro não têm interpretado uniformemente a
questão e que o art. 500 do Código Civil não tem aplicação à espécie.
OPINO
Trata-se de Consulta formulada por Mário Eugênio Peron com intuito de
obter desta Corregedoria-Geral de Justiça orientação quanto à
aplicabilidade da Lei 10.267/2001 e do Decreto 4.449/2002, no tocante à
discordância existente entre a área constante no título que contém a
caracterização do imóvel e o registro anterior.
O Decreto 4.449/2002, ao regulamentar a Lei 10.267/2001, estatuiu em seu
art. 9º, § 3º, que:
§ 3º - Para fins e efeitos do § 2º do art. 225 da lei nº 6.015, de 1973,
a primeira apresentação do memorial descritivo segundo ditames do § 3º
do art. 176 e do § 3º do art. 225 da mesma Lei, e nos termos deste
Decreto, respeitadas as divisas do imóvel e os direitos de terceiros
confrontantes, não caracterizará irregularidade impeditiva de novo
registro, devendo, no entanto, os subseqüentes estar rigorosamente de
acordo com referido § 2º, sob pena de incorrer em irregularidade sempre
que a caracterização do imóvel não for coincidente com a constante do
primeiro registro de memorial georreferenciado, excetuadas as hipóteses
de alterações expressamente previstas em lei.
De uma leitura atenta do enunciado transcrito, observa-se que os
títulos, nos quais a caracterização do imóvel não coincida com a que
consta do registro anterior, não serão considerados irregulares desde
que referentes à primeira apresentação do memorial descritivo
georreferenciado ao Sistema Geodésico Brasileiro.
Assim, constata-se uma flagrante exceção ao princípio da continuidade do
registro, aplicável apenas à primeira apresentação do memorial
descritivo. Tal exceção é aceitável em virtude da maior precisão
atribuída aos avançados métodos de confrontação de áreas, que permitem a
certificação da inexistência de sobreposição da poligonal, elemento
técnico que, somado à responsabilidade técnica do engenheiro subscritor
das plantas e memoriais fornecem grande segurança ao procedimento e
permitem a integração entre o Cadastro e o Registro de Imóveis, ou seja,
entre a realidade física do imóvel e os direitos e regimes da titulação.
Como bem salienta Andréa Flávia Tenório Carneiro (Cadastro
Imobiliário e Registro de Imóveis. Porto Alegre: Sérgio Antonio
fabris Editor, 2003, p.149), as atribuições claras e distintas de cada
sistema (sistema cadastral e sistema registral) permitem concluir que
não há que se cogitar de uma unificação, mas de uma complementariedade
entre eles: “... não há dúvida de que o resultado dessa conjugação de
interesses seja o mais conveniente, uma vez que na descrição do imóvel
dirigida à sua plena identificação na realidade física, coincidem a
vontade do proprietário e a atividade do Estado, mediante a formação da
carta cadastral, que serve de base para a matrícula registral. No
entanto, mesmo que ambas as instituições coordenem seus dados de forma
que se obtenha uma descrição mais precisa dos imóveis, permanecem
instituições distintas”.
O desenvolvimento de uma base conjunta proporcionará, em última
instância, a almejada segurança jurídica, com a atualização permanente
de informação cadastral-registral e a prestação qualificada dos
serviços.
A certificação da observação das normas técnicas e da inexistência de
sobreposição da poligonal pelo INCRA permitirá, com anuência dos
confinantes, proceder à alteração e averbação ex officio nas matrículas
de imóveis, descrevendo-o com precisão posicional de 0,50cm, ou melhor.
A provável exigência de retificação judicial quando da apresentação dos
memoriais descritivos contendo dados geodésicos, poderia inviabilizar a
aplicação da Lei 10.267/2001.
No entanto, o Decreto 4.449/2002, ao regulamentar a Lei 10.267/2001,
prevendo um acúmulo de processos de coordenação cadastral e registral,
criou um tertrium genus, uma nova modalidade de retificação, menos
burocrática, dependente apenas da anuência dos confinantes e da
certificação da inexistência de sobreposição da poligonal pelo INCRA.
Tal paradigma encontra-se regulamentado no art. 9º do Decreto 4449/2002
e tem alicerce na premissa de que o erro está no enunciado numérico ou
na inexistência deste e que o imóvel, com suas divisas, é o mesmo,
admitindo-se o aumento da área na retificação intra muros, pois o imóvel
é e sempre foi aquele, com defeito apenas na expressão numérica.
Contudo, de uma leitura atenta ao art. 9º e seus parágrafos 1º, 3º, 5º e
6º, do citado regulamento, observa-se o prestígio atribuído à autonomia
da vontade, se ausente conflito com terceiros interessados, pois os
confrontantes, que seriam os principais prejudicados com a nova
descrição do imóvel, podem, desde logo, manifestar sua concordância com
o novo registro, prescindindo-se da intervenção judicial.
Vale salientar que, aliada a citada anuência, deve estar o relevante
fator da presença técnica, por intermédio de profissional habilitado e
com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica- ART, que responderá
civil e criminalmente pela exatidão das informações; e, do INCRA,
certificando que a poligonal não se sobrepõe a nenhuma outra.
Na retificação proposta pelo Decreto 4.449/2002, não há conflito de
interesses a demandar a retificação prevista no art. 213 da Lei de
Registros Públicos, caso esteja presente a concordância dos diretamente
interessados e a certificação da poligonal pelo INCRA.
Ausentes quaisquer destes pressupostos, em evidente prejuízo a
terceiros, a retificação deve ser processada nos termos do art. 213 da
Lei nº 6.015, de 1973, conforme disposto no art. 8º do Decreto em
análise.
Desse modo, percebe-se que, se da retificação não decorrer danos a
terceiros e se estes concordarem com a descrição do memorial apresentado
por seu confinante, o registro do imóvel, com as alterações numéricas
evidenciadas, poderá ser levado a efeito.
Esse prevalecimento da autonomia da vontade, quando da retificação não
decorra prejuízo a terceiros, só é possível porque a garantia
constitucional de acesso ao judiciário para apreciação de lesão ou
ameaça de direito permanece íntegra, de maneira que, se houver
desconformidade futura que atinja terceiros interessados, deverá ser por
meio de ação própria, demandada a recomposição da lesão.
Nesse sentido, é o pensamento externado pelo ilustre Des. Márcio Martins
Bonilha, quando Corregedor-Geral de Justiça do Tribunal de Justiça de
São Paulo, em decisão sobre matéria que diz respeito à retificação de
registro de imóvel, em parte diferente deste pleito, mas que com ele
guarda certa semelhança, permitindo-se, assim, a sua aplicação por
analogia: “podemos, diante do acima exposto, traçar algumas premissas
básicas sobre a questão da retificação, com alteração ou inserção de
características do imóvel:
a) nem toda alteração ou inserção de dados nas características do imóvel
reclama retificação bilateral do registro;
b) a bilateralidade da retificação é determinada pela potencialidade
danosa a terceiros;
c) a retificação unilateral de medidas e características do imóvel é
possível por mero despacho judicial e tem como limite somente a
lesividade virtual da medida ao interesse de terceiros;
d) a retificação ex officio do registro pelo oficial delegado, mesmo
inserindo medidas ou área de superfície de matrícula, também é possível,
desde que, cumulativamente, inexista lesividade, ainda que potencial, a
terceiros e haja evidência tanto do erro como de sua correção” (Processo
C 1.002/97- Taubaté- DOSP 2/7/1997).
Nota-se que, mesmo diante da expressa disposição do art. 213, § 2º, da
LRP, há uma mitigação da exigência de correção via judicial quando
inexista lesividade.
O efeito da retificação amparada pelo Decreto 4.449/2002 é semelhante
àquele da decisão em processos de retificação administrativa do art.
213.
Adotando-se a nova modalidade de retificação prevista no decreto
mencionado, percebe-se a ausência de processo e de relação processual,
sendo que os atos da nova descrição do imóvel amoldam-se ao enunciado em
seu art. 9º.
Há, também, outra forma de retificação prevista na lei 10.267/2001, art.
4º (art. 11 do Decreto discutido), processada diretamente no Registro de
Imóveis, a pedido da União, Estado, Distrito Federal ou Município,
quando implicar em alteração de área ou limite promovida por ato
registral que importe em indevida transferência de terras públicas.
Não obstante, o Decreto esclarece que a nova descrição proposta pelos
memoriais descritivos na sua primeira apresentação não constituirá
obstáculo impeditivo do registro, mas os registros subsequentes deverão
estar rigorosamente de acordo com a caracterização do imóvel constante
do primeiro registro de memorial georreferenciado, excetuadas as
hipóteses previstas em lei, sob pena de incorrer em irregularidade, face
ao disposto no § 2º, do art. 225, da Lei 6.015/1973, sanável apenas por
retificação judicial.
Frise-se, entretanto, que fica desde já ressalvada, para todos os
efeitos, a impossibilidade de inclusão de terra pública em qualquer
acréscimo de áreas particulares, nos termos da legislação vigente.
Todavia, constata-se que assiste razão ao consulente, eis que o contido
no art. 500 do Código Civil não se aplica à matéria em estudo, posto que
o percentual lá estabelecido refere-se à transação entre as partes,
envolvidas em ato negocial e na venda ad corpus, não encontrando
correspondência com as questões ora suscitadas. Desse contexto,
extrai-se a resposta à indagação formulada pelo consulente. Havendo a
anuência dos confrontantes, sem impugnação à averbação requerida e
fornecida a certificação da inexistência de sobreposição da poligonal
pelo INCRA, poderá ser efetivado o registro do imóvel, com as alterações
numéricas constantes do memorial descritivo georreferenciado, de forma
que a situação fática se torne situação jurídica aceita e convalidada.
Ademais, nas áreas pertencentes e/ou derivadas de outras circunscrições,
pelas peculiaridades do Estado de Mato Grosso do Sul, uma vez que em
várias regiões há sérios problemas fundiários a serem resolvidos,
inclusive no que se refere à legitimidade de títulos de propriedade
submetidos a registro, exigir-se-á, ainda, a cadeia dominial do imóvel.
Entretanto, se o imóvel, desde sua primeira inscrição, pertencer à mesma
circunscrição não haverá qualquer obstáculo impeditivo.
Ressalte-se, que em agosto de 2003 foi emitido parecer da lavra deste
Juiz Auxiliar em que se procurou dar norte a questionamentos envolvendo
registro de imóveis rurais, dentre os quais no que diz respeito ao
tratado nesta consulta, valendo destacar o seguinte: “considero ainda
que, além do memorial e da planta, para maior segurança dos atos
notariais e registrários, seria de bom alvitre que os interessados
também exibissem certidão do IDATERRA e, cuidando-se de abertura de
matrícula em nova circunscrição, cadeia dominial atualizada, desde a
origem. Assim, com essas medidas profiláticas e de precaução, não
restando qualquer resquício de dúvida sobre a descrição correta da área
objeto da matrícula, da identificação de seu legítimo proprietário, da
autenticidade do título apresentado para inclusão no fólio real e,
ainda, obedecidas todas as demais exigências legais, de forma, conteúdo
e fiscais, o ato pode ser praticado.”
Por fim, importa informar ao consulente que será brevemente editado por
esta Corregedoria-Geral de Justiça provimento para disciplinar novas
diretrizes de trabalho registral, em cujo expediente estarão inseridas
todas as regras que os cartórios deverão obedecer quando depararem com
casos semelhantes ao que ora se analisa.
Ante ao exposto, opino para que, se acolhido o presente parecer, sejam
extraídas cópias do mesmo e remetidas ao consulente e aos titulares de
Cartórios de Notas e de Registro de Imóveis do Estado, a fim de que
adotem, acaso assim não estejam realizando, novo procedimento de
trabalho em relação à lavratura e registro de imóveis rurais, em
obediência à Lei 10.267/2001, regulamentada pelo Decreto 4.449/2002.
É o parecer.
Submeto-o à elevada apreciação de Vossa Excelência.
Campo Grande, 18 de fevereiro de 2004.
DORIVAL MOREIRA DOS SANTOS
Juiz Auxiliar da CGJ
Processo nº 2004/1.03.114/0002 - Consulta
Requerente: Mário Eugênio Perón
Homologo o parecer emitido pelo Juiz Auxiliar Dorival Moreira dos Santos
para orientar aos notários e registradores dos Cartórios de Registros de
Imóveis deste Estado, que o imóvel rural com georreferenciamento
aprovado pelo INCRA, possuindo todos os documentos exigidos pela Lei
10.267/2001 e no Decreto 4.449/2002 e anuência de todos os
confrontantes, e que tenham área real encontrada no georreferenciamento,
com divergência superior a 5%, para mais ou para menos, considerando
esse percentual sobre a área anteriormente titulada, poderá ser
regularmente averbado.
Expeça-se Ofício Circular a todos os Notários e Registradores dos
Cartórios de Registro de Imóveis do Estado encaminhando cópia do
presente parecer para que adotem os procedimentos nele constantes.
Encaminhe-se cópia ao consulente.
Publique-se e cumpra-se.
Campo Grande, 05 de março de 2004.
Des. Atapoã da Costa Feliz
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