O prazo inicial para ação de anulação de venda de pais a filho por meio de
pessoa interposta – “testa de ferro” ou “laranja” –, sem consentimento dos
demais herdeiros, é contado a partir da morte do último ascendente. A
decisão é da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que retoma
polêmica judicial existente desde a década de 60.
Segundo o ministro Luis Felipe Salomão, a questão “desafia doutrina e
jurisprudência desde muito tempo” e “envolve também questionamentos acerca
do termo inicial do mencionado prazo”. A súmula 152 do Supremo Tribunal
Federal (STF), de 1963, quando a interpretação infraconstitucional também
era de sua competência, já tratava do tema. Ela foi revogada pela súmula 494
do mesmo tribunal, em 1969, mas os entendimentos não esgotaram a
controvérsia.
“É bem de ver que, embora as mencionadas súmulas façam alusão a vendas
simples de ascendente a descendente, sempre se fez diferenciação, no âmbito
do STF e STJ, quando existente interposta pessoa”, ressalvou o relator.
Conforme o ministro, nesses casos de venda intermediada ocorre na verdade
simulação do negócio feito entre os ascendentes e o descendente, com prazo
para anulação de quatro anos a contar da data do ato ou do contrato, na
letra do Código Civil de 1916 (que deixou de vigorar em janeiro de 2003).
Mas o relator não considerou essa interpretação razoável.
Harmonia familiar e privacidade
O ministro Salomão ponderou que o único objetivo da norma é a proteção da
igualdade dos herdeiros legítimos contra simulações realizadas entre
familiares. Por isso a data deveria contar a partir da morte do último
ascendente. “Entender de forma diversa significaria exigir que descendentes
litigassem contra ascendentes, ainda em vida, causando um desajuste nas
relações intrafamiliares”, avaliou.
Além disso, para o ministro Luís Felipe Salomão, a natureza desses negócios
não permite seu controle pelos demais descendentes ao tempo em que se
realizam. “É notório o fato de que tais negócios quase sempre se aperfeiçoam
à surdina e sem que necessariamente haja alteração do mundo dos fatos”,
explicou.
Nesses casos, é comum que a venda seja meramente cartorária, com o bem
permanecendo na posse dos ascendentes até sua morte, como se fosse ainda
proprietário. “Somente por ocasião da abertura do inventário é que se
percebe que aquele determinado bem não mais pertence ao falecido”, completou
o ministro.
Para o relator, impor a data do ato como termo inicial de decadência para
essa ação exigiria que os interessados fiscalizassem não só os negócios do
ascendente como os dos terceiros que com ele negociassem, o que não seria
razoável nem estaria de acordo com a proteção da intimidade e da vida
privada garantida pelo ordenamento jurídico.
O mesmo entendimento se aplica à decadência parcial, em relação ao primeiro
dos ascendentes falecidos. “A bem da verdade, em tal solução remanesceria a
exigência de os demais descendentes litigarem contra seu pai ainda em vida,
desconforto que, como antes assinalado, justifica o cômputo do prazo somente
da abertura da sucessão do último ascendente”, concluiu o ministro.
REsp 999921
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