TRASLADAÇÃO DE CERTIDÕES ESTRANGEIRAS - RESOLUÇÃO N. 155/2012 DO CONSELHO
NACIONAL DE JUSTIÇA
Editada em 16 de julho de 2012, a Resolução n. 155 do Conselho Nacional de
Justiça expôs, conforme sua ementa, o propósito de regulamentar o traslado
de certidões de registro civil de pessoas naturais emitidas no exterior.
O ingresso de norma no sistema jurídico traz consigo significativas
repercussões. Obviamente, e de modo mais importante, insere novas
orientações normativas no tocante ao tema que aborda, criando, modificando
ou extinguindo direitos e/ou obrigações. Mas há, também, impacto no
ordenamento jurídico como um todo, provocando a acomodação das normas a ela
pré-existentes, de modo a preservar a idéia de harmonia e coexistência das
disposições normativas que compõem o bloco legislativo apanhado em vigência.
O mote é entrosar as normas de forma a constituir uma unidade lógica.
Duas são as abordagens possíveis, então, acerca das repercussões da
normatividade inovadora: a) considerada isoladamente, com relação ao seu
conteúdo intrínseco; e b) ela inserida no sistema, em relação ao ordenamento
vigente.
Várias são as indagações que afloram da análise interna do tema anunciado
pelo texto do CNJ, porém a discussão inicial que nos anima é o confronto do
ato normativo com as disposições jurídico-administrativas vigentes,
notadamente os provimentos editados pelas Corregedorias-Gerais estaduais
para regulamentação do assunto.
Autorizados pelo poder normativo, tido como ínsito à tarefa de fiscalização
prescrita no art. 236, § 1º da CF/88, os órgãos dos Poder Judiciário
estadual editaram normas administrativas guiando a trasladação de
nascimento, óbito e de casamento de brasileiros em país estrangeiro . Vide
como concretização deste exercício do poder normativo a respeito do tema:
Seção IX, arts. 138 a 146, das Normas de Serviço da Corregedoria-Geral da
Justiça do Estado de São Paulo; arts. 44 a 51 da Consolidação Normativa
Notarial e Registral editada pela Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do
Rio Grande do Sul; itens 15.13.1 a 15.13.7.1 do Código de Normas da
Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Paraná; arts. 449 a 457 da
Consolidação Normativa Notarial e Registral, editada pela Corregedoria-Geral
da Justiça do Estado de Sergipe, dentre outras.
A multiplicidade de textos normativos sobre a matéria, vigendo formas,
exigências e modelos distintos em cada Estado, inspirou a ação do Conselho
Nacional de Justiça ao editar a Resolução n. 155/2012. Dentre outros
considerandos, de fato, buscou o órgão normativo nacional uniformizar normas
e procedimentos para transcrição no Brasil de documentos lavrados no
exterior, uma vez que essas são distintas em cada unidade da Federação.
Instaurou-se, neste contexto jurídico e factual, um conflito de normas.
Aquelas estaduais pré-existentes e a recentíssima editada pelo Conselho
Nacional de Justiça ocupam-se de temas idênticos, com disposições, ainda que
pontuais, divergentes.
Típica hipótese de antinomia, que, em homenagem à higidez do sistema
jurídico, deve ser eliminada mediante critérios que ofereçam solução à
oposição normativa revelada.
O Conselho Nacional de Justiça, criado pela Emenda Constitucional n.
45/2006, assumiu as funções de fiscalização, controle administrativo e
financeiro e correcional do Poder Judiciário, nele incluídos seus órgãos
auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de
registros que atuam por delegação do poder público ou oficializados (art.
103-B, III, da CF/88). Trata-se de órgão integrante do Poder Judiciário,
tendo por missão efetuar o controle modo interno das atividades não
jurisdicionais deste Poder da República, para o que cumpre zelar pela
observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a
legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do
Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que
se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei (art. 103,
§ 4º, II, da CF/88).
Esta função fiscalizadora das atividades administrativas e financeiras do
Judiciário, prevista constitucionalmente, expande a ação do Conselho
Nacional de Justiça a todos os atos que não estejam afetos à atividade
típica do Poder Judiciário . Só ficou ressalvada a função jurisdicional da
intervenção de controle e censória do Conselho Nacional de Justiça. Todo ato
de cunho administrativo emitido pelo Poder Judiciário, pois, está aberto à
verificação e, eventual correção, pelo Conselho Nacional de Justiça. Vale
esta premissa, também, para as manifestações normativas editadas pelo Poder
Judiciário estadual, nas várias unidades da federação, no propósito de se
desincumbir da atribuição constitucional de fiscalização dos serviços
notariais e de registros (art. 236, § 1º). Esta atuação normativa não é de
caráter jurisdicional, é atípica ligada à organização e gestão dos órgãos
vinculados ao Poder Judiciário.
Então: a fiscalização dos serviços notariais de registro, que concebe
intrinsecamente a possibilidade normativa das funções, é exercida pelo Poder
Judiciário em função atípica, cujos atos não de cunho jurisdicional editados
neste propósito podem ser sindicados pelo Conselho Nacional de Justiça .
O quadro jurídico desenhado sugere, sem grandes esforços ou dialéticas, que
o equacionamento da antinomia detectada – entre as regras estaduais e aquela
estruturada pelo CNJ – é atendido pelo critério hierárquico. As normas
editadas em plano jurídico inferior são incapazes de constituir
regulamentação divergente, e válida, da regulamentação emanada de órgão
hierarquicamente superior. Operam-se os efeitos revocatórios surgidos da
norma superior editada posteriormente.
Todas, repito, todas, as normas baixadas pelas Corregedorias-Gerais de
Justiça a respeito da trasladação de assentos de registro civil de pessoas
naturais realizados no exterior, por conta da edição da Resolução n. 155, de
16 de julho de 2012, pelo Conselho Nacional de Justiça, foram revogadas. O
único texto, acerca do tema, válido, vigente e aplicável é aquele emanado da
competência de controle e de fiscalização cometida ao Conselho Nacional de
Justiça.
Alguma convicção mais formalista poderia aludir necessidade de que as
Corregedorias-Gerais da Justiça, para fazer aplicável a resolução do CNJ aos
serviços notariais e de registro, editasse provimentos adequando àqueles
existentes ao novo fraseado normativo. Todavia, se isto é importante para
manter a lógica, coerência e atualidade das consolidações de normas, se nos
parece prescindível tal providência. A posição hierárquica superior do
Conselho Nacional de Justiça, a cujas decisões tanto Poder Judiciário como
os serviços notariais e de registros estão submetidos, recomenda a
observância da Resolução n. 155/2012, independentemente de ato intermediário
de anuência, chancela ou interpretação. Ademais, o Regimento Interno do
Conselho Nacional de Justiça ao regular o procedimento de edição de
resoluções ou enunciados administrativos, atribui-lhes força vinculante,
após sua publicação no Diário da Justiça eletrônico e no sítio eletrônico do
CNJ. Desta sorte, o poder vinculante impõe que todo e qualquer ato editado
pelas Corregedorias-Gerais contemple, ou melhor reproduza, as diretrizes
previstas na Resolução em comento, sem divergências ou inovações, até porque
a matéria foi integralmente regulada pelo órgão superior de controle e
fiscalização.
Aliás, esta especial circunstância da Resolução n. 155/2012 delinear
minudentemente o procedimento de trasladação de certidões de registro civil
emitidas no exterior, reforça a idéia de insubsistência total das antigas
normas estaduais. Opera-se a premissa lógico-jurídica de revogação tácita ou
indireta da norma anterior por aquela posterior que regule inteiramente a
matéria. Não se trata de hipótese de derrogação ; a lei prevê revogação, o
que faz desprezar todas as normas anteriores, sejam elas coincidentes ou não
com o texto normativo que veio tratar de modo integral da matéria. Pretender
a sobrevivência de algum tópico normativo pretérito, para além de ir de
encontro à ferramenta harmonizadora do sistema – art. 2º, § 1º do
Decreto-lei4.657/42, conspira contra o propósito uniformizador da Resolução
n. 155, que pretendeu eliminar as discrepâncias entre as normas estaduais,
as quais ganhariam sobrevida ao se considerar que a norma posterior teria
apenas efeitos e ambições derrogatórias.
Aos Registradores Civis, profissionais públicos aprovados e experimentados
no ofício da qualificação e da aplicação do direito, cumpre observar, desde
sua publicação, a Resolução n. 155/2012 do CNJ, apenas. Regras ou práticas
anteriores, v.g., apreciação do Ministério Público; registro do documento
estrangeiro e sua tradução no Serviço de Registro de Títulos e Documentos;
admissão apenas de documentos originais e não de cópias autenticadas das
certidões estrangeiras; e etc., estão superadas pela legislação atual e não
devem ser reproduzidas no cotidiano dos serviços registrais.
Vige e é aplicável, pois, apenas a Resolução n. 155/2012 do Conselho
Nacional de Justiça, que reconfigurou integralmente a trasladação das
certidões estrangeiras, muito embora, não posso me furtar de dizer,
remanescem importantes questionamentos de ordem material acerca da norma
editada, os quais, todavia, não se encaixam no propósito deste estudo,
explicitado logo no seu início.
Autor: Gerson Tadeu Astolfi Vivan é Oficial de Registro Civil das Pessoas
Naturais de Bento Gonçalves (RS) |