|
O cartório do século 21
* Roberto Andrade
Em recente levantamento, o Banco Mundial mostra a vergonhosa colocação
do Brasil (mais uma!) no ranking que ordena 155 países onde é mais fácil
fazer negócios. O nosso país aparece na decepcionante 119ª colocação.
Como um país pode crescer, se desenvolver e criar empregos sem
proporcionar as condições e as facilidades necessárias para que as
empresas sejam criadas, fazer seus negócios e ter segurança em seus
contratos, se convivemos com um emaranhado burocrático sem-fim?
O que o estudo do Banco Mundial mostra, é, lamentavelmente, sentido na
pele pela totalidade dos empresários brasileiros. Os indicadores
mostram, por exemplo, que são gastos 152 dias para que uma empresa
seja aberta no Brasil, que a nossa carga de impostos é de até
208% - em relação ao lucro bruto médio registrado pelas empresas -,
e que a demora média na justiça brasileira para se fazer cumprir um
contrato é de dois anos e meio.
Diante deste diagnóstico, o que está sendo feito? E o que ainda há por
fazer?
Os notários e registradores brasileiros podem “contribuir” para que o
Brasil permaneça nesta desconfortável posição ou podem ajudar a romper
com este caos ao exercer um papel fundamental na modernização do país.
Com certeza, podemos nos transformar em poderosos parceiros a fim de
darmos a volta por cima e mudarmos este triste quadro estatístico.
Várias das nossas ações podem contribuir para isto, porém a principal é
que nós mesmos, cartorários brasileiros, nos conscientizemos da nossa
importância e, com isso, deixemos de lado antigas práticas, nos
preparando realmente para este desafio. Um grande desafio frente ao
futuro deste país!
A imagem que os brasileiros têm dos cartórios está vinculada a uma
estranha dicotomia. Ao mesmo tempo em que eles passam uma imagem
positiva de segurança e seriedade - exemplo disso é quando em uma
campanha publicitária se quer demonstrar ao público credibilidade,
usa-se a expressão “compromisso registrado em cartório” -, por outro
lado, porém, os cartórios também transmitem uma imagem de algo
excessivamente burocrático, atrasado, caro e moroso.
O que pode ser feito para mudarmos esta imagem? O que pode ser feito
para que os cartórios brasileiros sejam participantes ativos do
desenvolvimento do Brasil? É necessária a criação de uma legislação
moderna que dê aos cartórios condições de aperfeiçoar seu funcionamento!
Para se ter um exemplo do que acontece hoje, em plena era digital, os
cartórios são obrigados a fazer registros e a manter arquivadas as
fichas que em muitas serventias não são mais utilizadas para qualquer
tipo de consultas. São feitas apenas para atender à legislação, nada
mais.
O que acredito ser essencial é a elaboração de leis que permitam aos
cartórios aumentarem o seu leque de serviços à população, facilitando a
vida do cidadão em termos de custos e de rapidez.
Coisas importantes já foram feitas. Podemos citar como exemplo o
processo de retificação de área que, anteriormente, era feito via
judicial. Com a Lei 10.931, de 02 de agosto de 2004, essa retificação
passou a ser feita diretamente nos cartórios de registros de imóveis.
Para retificar uma área que estivesse com suas medidas erradas,
levava-se mais de um ano na justiça, hoje é possível ser executada em 15
dias, facilitando muito os negócios imobiliários, barateando o custo e
ainda desafogando o Poder Judiciário.
Outra medida importante que podemos citar é relativa à compra de imóveis
financiados. Com a mudança da modalidade de financiamento de hipoteca
para o sistema de alienação fiduciária, hoje via cartório de registro
imobiliário, com três meses de inadimplência o imóvel pode ser tomado
pelo credor.
O que a princípio pode parecer cruel, na realidade trouxe enormes
benefícios à população. As empresas de crédito estão mais seguras em
emprestar. Antes desta mudança, no caso da hipoteca, poderia levar até
10 anos para a execução do contrato e a retomada de um imóvel.
Prazos menores para a retomada dos imóveis financiados em caso de
inadimplência levaram à redução dos juros, aumento da oferta de dinheiro
para o financiamento da casa própria e, conseqüentemente, significou um
forte incentivo para a construção civil - segmento da economia nacional
recordista na criação de novos empregos e de renda.
Outra importante mudança que está em vias de ser implantada no Brasil é
a que diz respeito às partilhas amigáveis, por herança, e na separação
judicial, quando as partes forem capazes e não houver filhos menores.
Estes procedimentos seriam feitos por escritura pública, feita em um
cartório de notas, sem processo judicial.
As vantagens principais, provenientes desta nova lei, seriam as reduções
de gastos por parte do cidadão e a redução de tempo gasto para se fazer
uma partilha. O que hoje pode levar mais de um ano, através dos
tabelionatos será possível se fazer em até um dia.
Neste trabalho do Banco Mundial são feitas várias recomendações ao
Brasil, entre elas a de interligar os cartórios de notas e de registro
de imóveis. Porém, muitas outras medidas podem ser propostas:
primeiramente a delegação de novas atribuições em todas as
especialidades cartorárias, que objetivem, além de segurança jurídica,
agilidade nos negócios e a modernização dos procedimentos feitos pelos
cartórios.
Muitas destas medidas que poderiam vir por iniciativa das entidades de
classe já estão neste caminho. Cito a criação do cartório “24 horas”,
onde o usuário pode, de qualquer lugar do mundo, via internet, requerer
uma certidão em um cartório brasileiro.
A revista “Veja”, em sua edição de nº. 1976, de 04 de outubro de 2006,
cita em reportagem este levantamento do Banco Mundial. Faz referência
negativa aos cartorários, afirmando que estes fazem parte do grupo dos
que procuram apenas interesses pessoais e particulares: “...outro grupo
forte de interesses é formado por despachantes e por donos de
cartórios.”, diz a revista. Isso não é verdade! Pelo menos para a
maioria dos notários e registrados éticos e comprometidos com suas
serventias.
É esta a imagem negativa que queremos passar para a população
brasileira? Não deveríamos investir nossos esforços e difundir a real
imagem de prestadores de serviços de qualidade, trabalhando como uma
empresa privada de ponta, mostrando muito mais competência e agilidade
do que o setor público?
Nós, os notários e registradores do Brasil, devemos nos unir em torno de
nossas entidades de classe para que, fortalecidas, possamos propor junto
aos poderes públicos as alterações legais que nos tornariam peças
fundamentais para a modernização do país.
De nossa parte, é de suma importância que mudemos a maneira de trabalho.
Devemos ter como parceiros as associações comerciais e demais entidades
do setor produtivo, os bancos, os corretores de imóveis e
empreendedores, os sindicatos rurais, as prefeituras, os pequenos
empresários, enfim toda a sociedade civil organizada, bem como os
poderes Legislativo e Judiciário para que juntos façamos a grande
transformação do setor no Brasil.
Precisamos sempre nos atualizar, participando dos encontros, dos cursos,
palestras e seminários realizados pelas entidades. Precisamos modernizar
o atendimento que prestamos ao público. Não se pode hoje falar em cinco
dias para entregar uma certidão que pode ser processada em 5 minutos;
não se pode falar em 30 dias para se efetuar um registro que pode ser
realizado em, no máximo, em três dias.
As exigências legais para que se proceda a um registro e as funções de
fiscal do Estado exigem que estejamos cada vez mais bem preparados
tecnicamente.
Cabe a nós, notários e registradores brasileiros, de todas as
especialidades, dos cartórios de títulos e documentos, tabelionato de
notas, cartórios de protesto, cartórios de registro de imóveis e
cartórios de registro civil decidirmos aonde queremos estar nos próximos
anos.
* Titular do Cartório de Registro de Imóveis de Viçosa -MG, Diretor
da Serjus - Associação dos Serventuários da Justiça do Estado de Minas
Gerais e vice-presidente da ANOREG-MG - Associação de Notários e
Registradores de Minas Gerais.
|