| O registro público 
        desempenha várias funções, sendo o imobiliário apenas uma delas. O 
        direito positivo regula o registro civil das pessoas naturais e das 
        pessoas jurídicas, registro de títulos e documentos, além do registro de 
        imóveis. O Código Civil de 1916 fortaleceu o sistema do registro público 
        ao introduzir a transcrição como forma de aquisição da propriedade 
        imobiliária, estabelecendo sua presunção relativa. Atualmente, a matéria 
        registrária é regulada pela Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973, com 
        várias alterações. O Código Civil apenas traça lineamentos gerais do 
        registro imobiliário. A escrituração e ordenação dos assentos são 
        ordenadas pela lei específica. Ocupa-nos primordialmente o aspecto 
        referente à aquisição da propriedade.
 Os princípios fundamentais que regem o registro imobiliário são os da 
        publicidade, conservação e responsabilidade dos oficiais de registro. 
        Pelos atos registrários, seus assentos são de acesso a qualquer 
        interessado. A conservação permite o arquivo permanente do histórico 
        imobiliário. Pelo princípio da responsabilidade, os oficiais respondem 
        pelos prejuízos causados por culpa ou dolo, pessoalmente ou por seus 
        prepostos. Acrescentemos ainda a fundamental força probante de fé 
        pública em todos os registros. O Código de 1916 referia-se à transcrição 
        como primeira hipótese de aquisição da propriedade imóvel. Na verdade, o 
        vocábulo não exprimia a realidade porque não se transcrevia 
        integralmente o título no registro, isto é, não ocorria sua transposição 
        pura e simples, como ainda hoje sucede. A lei registrária vigente 
        refere- se apenas a registro e averbação, que são feitos na matrícula do 
        imóvel, onde deve ser inserida toda a vida jurídica do bem. Com a 
        introdução da matrícula em nosso sistema imobiliário, passou-se a tomar 
        como base o próprio imóvel no registro, que no diploma anterior levava 
        em conta o titular de direito.
 
 A respeito do registro, menciona o art. 236 da Lei dos Registros 
        Públicos: "Nenhum registro poderá ser feito sem que o imóvel a que se 
        referir esteja matriculado." A matrícula é o núcleo do registro 
        imobiliário e cada imóvel deve ter matrícula própria. O registro deve 
        ser feito no cartório correspondente ao local onde está localizado o 
        imóvel. As despesas com o registro, salvo convenção em contrário, cabem 
        ao adquirente (art. 862 do código anterior).
 
 O registro imobiliário estabelece presunção relativa de titularidade do 
        direito real (art. 859 do Código de 1916). O art. 1.247 do corrente 
        código estabelece, por sua vez, que "se o teor do registro não exprimir 
        a verdade, poderá o interessado reclamar que se retifique ou anule". 
        Todo registro público, imobiliário ou não, deve espelhar a realidade. 
        Por essa razão sempre existirá a possibilidade de retificação. No mesmo 
        sentido o artigo 860 do velho código: "Se o teor do registro de imóveis 
        não exprimir a verdade, poderá o prejudicado reclamar que se retifique." 
        O processo de retificação do registro imobiliário é disciplinado nos 
        artigos 212 e 213 da Lei dos Registros Públicos. Na redação original da 
        lei, a retificação processava- se exclusivamente perante o juízo 
        corregedor do cartório imobiliário.
 
 A recente Lei n. 10.931/2004, que tratou basicamente do patrimônio de 
        afetação de incorporações imobiliárias, trouxe nova redação a esses dois 
        artigos da Lei n. 6.015/73, com importante inovação. O art. 212 permite 
        que, na hipótese de o registro ou a averbação serem omissos, imprecisos 
        ou não exprimirem a verdade, o requerimento de retificação e o 
        procedimento respectivo podem ser feitos perante o oficial do registro 
        de imóveis competente, mantida, porém, a possibilidade - ou faculdade, 
        como diz a lei - de o interessado utilizar-se do procedimento judicial. 
        Desse modo, retificações de área, descrição de perímetros de imóveis, 
        nomes de pessoas e outros dados que mereçam corrigenda não ficam mais na 
        dependência direta do procedimento perante o juiz corregedor, não se 
        assoberbando ainda mais o Poder Judiciário.
 
 O Oficial de Registro de Imóveis, mormente após a Constituição de 1988, 
        que exige o acesso à delegação por concurso público, está, em princípio, 
        plenamente capacitado para essa atividade. Assim, diz o art. 213 da Lei 
        dos Registros Públicos, com a nova redação, que o oficial retificará o 
        registro ou a averbação, de ofício ou a requerimento do interessado nos 
        casos das várias hipóteses de inexatidão, como alteração de denominação 
        de logradouro, retificação de rumos ou área em geral, qualificação dos 
        titulares etc. Nesse procedimento cuidar-se-á que os confrontantes do 
        imóvel retificando tenham ciência e possam estar de acordo. A nova lei 
        descreve com minúcias a atividade do registrador. Muito se ganhará em 
        tempo e desburocratização com essa nova orientação, que deve ser 
        estendida a todas modalidades de registros públicos. É essencial que 
        toda a matéria que não seja tipicamente judicial seja subtraída da 
        pletora de feitos que assola o Judiciário, na busca de sua reforma. Essa 
        nova possibilidade de retificação de registro imobiliário afina- se com 
        esse desiderato, sendo apenas o começo. Muito ainda há de ser feito 
        nesse sentido, mormente naquilo que se entende como jurisdição 
        voluntária, sobre a qual o saudoso Frederico Marques dizia que não era 
        nem jurisdição, nem voluntária. Na realidade social do país o registro 
        do imóvel não é regra geral e milhares de imóveis são transferidos 
        apenas por contratos.
 
 Se houver impugnação fundamentada, se não ocorrer transação entre os 
        interessados ou se o pedido envolver direito de terceiros, a retificação 
        deverá ser decidida pelo juiz ainda em sede correcional. Se a 
        controvérsia versar sobre direito de propriedade das partes, a matéria 
        deverá ser objeto de processo judicial. No mais, situações comezinhas de 
        retificação de registro serão decididas pelo registrador, o qual, se 
        tiver dúvidas, consultará o juiz corregedor.
 
 Lembre-se que, tendo em vista o princípio de veracidade e presunção 
        relativa, os registros ficam sujeitos à declaração de nulidade ou ação 
        de anulação, se feitos em desacordo com a lei ou se espelharem situação 
        não verdadeira. Nesse sentido, os artigos 214 e 216 da Lei dos Registros 
        Públicos. A matéria registral imobiliária é especialidade que exige 
        aprofundamento monográfico, devendo ser contemporaneamente tratada como 
        disciplina didática autônoma.
 
 O mais recente Código Civil, trilhando o mesmo caminho do estatuto 
        anterior, no art. 1.245, § 1º, redigiu: "Enquanto não se registrar o 
        título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do 
        imóvel."
 
 Como visto, antes do registro existe apenas relação pessoal entre 
        alienante e adquirente. Por outro lado, enquanto não cancelado o 
        registro, presume que o titular é quem nele figura. A realidade social 
        do país, no entanto, é bem outra: o registro do imóvel não é regra 
        geral. Há milhares de imóveis que vão sendo transferidos várias vezes 
        apenas por contratos, mais ou menos elaborados, sem que o registro 
        ocorra. A posse, nesse cenário, passa desse modo a ser fundamental, e 
        conseqüentemente o usucapião. Há necessidade que um ordenamento legal 
        moderno, real e realístico enfrente o problema social de vez, 
        possibilitando um sistema registral imobiliário não só mais 
        simplificado, mas principalmente acessível à grande massa da população. 
        Com os avanços da informática e com a estrutura responsável e competente 
        que os registros imobiliários podem atualmente contar, com as delegações 
        privadas concursadas, esse desiderato é perfeitamente possível.
 
 Este é o terceiro de uma série de sete artigos sobre a Lei n. 10.931, 
        que trata do patrimônio de afetação. Sílvio de Salvo Venosa é juiz 
        aposentado do Primeiro Tribunal de Alçada Civil (TAC) do Estado de São 
        Paulo e autor do livro "Introdução ao Estudo do Direito: Primeiras 
        linhas", da Editora Atlas.
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