Eliane Viana de Sousa*
RESUMO
O tema do estudo serão as relações e obrigações trabalhistas, fiscais e
tributárias nas serventias extrajudiciais, objetivando abordar,
sucintamente, alguns aspectos da personalidade jurídica, tendo um enfoque
prioritário na legitimidade processual, relações de trabalho, sucessão
trabalhista e responsabilidade civil, como conseqüência da despersonalização
destes estabelecimentos, levando o leitor ao conhecimento das controvérsias
contidas no assunto tratado; para isso será feito uma explanação da doutrina
e jurisprudência. Trata-se de enfatizar elementos contidos na lei, doutrina
e jurisprudência, sua história e evolução. Igualmente, buscou-se mostrar
conceitos sobre o Direito do Trabalho, Tributário e Previdenciário.
Conclui-se pela importância de um conhecimento básico e fundamental para o
bom funcionamento e administração dos estabelecimentos cartorários.
Palavras chave: Serventias Extrajudiciais; Relações de Trabalho; Obrigações
Trabalhistas, Previdenciárias e Tributárias.
INTRODUÇÃO
O tema do estudo será as relações trabalhistas nos serviços notariais e de
registro como assunto principal, assim como será abordado noções fiscais e
tributárias específicas para estes estabelecimentos. Seu objeto é abordar,
sucintamente, a personalidade jurídica das serventias extrajudiciais,
levando um enfoque prioritário às normas trabalhistas, tributárias e
fiscais, bem como, visar à investigação sobre o assunto.
As atividades notariais e de registro apresentam relevante serviço público
que garante a publicidade, autenticidade e segurança dos negócios jurídicos,
a ordem social e a memória de um povo. A Constituição Federal de 1988
conferiu-lhe novo status, pela sua natureza privada (por delegação do Poder
Público), conforme dispõe o art. 236, exigindo concurso público para
ingresso na atividade.
A definição de natureza jurídica das serventias extrajudiciais passa,
necessariamente pela compreensão do vínculo que os liga ao Estado, tendo
controvérsia e divergência entre a doutrina e a jurisprudência a esse
respeito.
Os titulares dos serviços notariais e registral apresentam dúvidas sobre
como proceder com os empregados da serventia extrajudicial no que tange às
obrigações trabalhistas. É igualmente duvidosa a questão de quem deve
contratar, Pessoa Física (CEI) ou Pessoa Jurídica (CNPJ), vez que é
controvertido o regime jurídico das serventias, sobretudo quando ocorre o
empossamento de um novo tabelião o qual se depara com tais obrigações ainda
pendentes. Não raras vezes, este novo titular questiona a sua
responsabilidade em quitar as obrigações trabalhistas com os empregados que
já prestaram serviços na serventia extrajudicial ou que ainda prestam, já
que, em muitos casos, o novo titular não quer aproveitar os empregados já
existentes.
Também é de praxe, muitos empregados confundirem a figura do tabelião
substituto como se fosse seu verdadeiro empregador, já que a prática
demonstra que o mesmo, em muitas ocasiões, comporta-se efetivamente como
empregador, exercendo funções como assalariar, dar ordens, assinar CTPS,
recolher o FGTS, etc; isto é, atua aquele sujeito como se empregador fosse.
Destarte, a ausência de personalidade jurídica revela-se um complicador para
os litígios apresentado perante o Poder Judiciário trabalhista, sobretudo
quando se verifica uma sucessão de empregadores – assim entendida como a
transferência de titularidade de empresa com completa transmissão de
créditos e assunção de dívidas - a qual se dá, no âmbito das atividades
notarial e registral, através de concurso público.
Não só bastassem essas dúvidas que pairam sobre os sujeitos da relação de
trabalho, também são muito comuns os advogados não conseguirem orientar de
forma sólida os seus clientes - seja empregado, seja empregador - sobre
eventuais controvérsias que advenham da relação de trabalho no âmbito
notarial e registral, uma vez que a jurisprudência ainda se revela
extremamente dividida e a doutrina apresenta orientações antagônicas sobre
as controvérsias mais comuns, além de haver pouca elaboração teórica sobre o
tema.
O assunto em questão foi escolhido pela sua relevância como um dos
principais atributos da administração, para o bom funcionamento dos
estabelecimentos, e em razão das grandes cizânias doutrinárias e
jurisprudenciais acerca da matéria, as quais conduzem os profissionais do
Direito e os sujeitos da relação de trabalho a desordens práticas e, por
conseguinte, a uma insegurança jurídica, uma vez que não há entendimento
uníssono sobre as questões que envolvem tais atividades e tampouco amparo
legal, o que gera dúvidas a todos os envolvidos em tais serviços sobre como
proceder nesta relação de trabalho.
Em razão de não haver uma orientação jurisprudencial convergente sobre o
tema e por ser a legislação insuficiente sobre as questões que envolvem as
atividades em tela, a função precípua deste estudo será explorar os temas
mais relevantes e controvertidos acerca do assunto nos serviços notarial e
registral, a fim de que se obtenham elementos mais sólidos e capazes de
orientar os trabalhadores, empregadores e profissionais do Direito a
dirimirem as divergências oriundas da relação de trabalho no âmbito das
supracitadas atividades.
Enfim, esse é o desafio e, desde já, é lançado a todos, não somente aos
notários e registradores, mas também aos que militam nas lides forenses da
área árdua do trabalho, sobretudo, à sociedade. Por isso mesmo é que se
pretende utilizar linguagem acessível a qualquer segmento social,
renunciando, por ora, o formalismo técnico-jurídico.
1 SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS
As Serventias Extrajudiciais respondem a uma realidade secular de
necessidade de segurança e consiste na autenticação de realidades mediante
uma função que lhe é própria e inerente, ou seja, a fé pública, e toda sua
obra estão marcadas por esse princípio fundamental e que, sustentado por
outros, como a liberdade, a verdade e a justiça, valores que juntos com o
direito, imprimem aos atos, fatos e relações jurídicas, o selo definitivo da
verdade e legalidade.
A Lei 8.935, de 18 de novembro de 1.994, ao regulamentar o art. 236 da
Constituição Federal definiu os notários e registradores como profissionais
do direito. Dispõe o art. 3° da referida lei: “Notário, ou tabelião, e
oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados
de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de
registro”.
Os atos notariais e de registro têm intrinsecamente aptidão de certeza e
gozam, socialmente, ademais, de uma presunção genérica de legalidade, não só
pela capacidade jurídica de seus autores, mas também, em especial, pelo
respeito que eles inspiram.
A independência jurídica dos tabeliães e registradores não é novidade na
doutrina internacional, e o modelo da independência jurídica do registrador
e do notário, como foi antecipado, ajusta-se, entre nós, ao direito posto:
notário e oficial de registro são ‘profissionais do direito’, ‘dotados de fé
pública’ (art. 3°, da Lei 8.935/1994), gozando ‘de independência no
exercício de suas atribuições’ (art. 28, da Lei cit.).
A atuação do notário e registrador vem se expandindo, como se vê pela
evolução legislativa. Reconhece o legislador federal serem os profissionais
adequados, em razão de sua tradição e de sua independência jurídica, a
colaborar na solução mais célere de diversas questões, sem que se prescinda
da segurança jurídica e da eficácia.
Como profissionais do direito, com independência jurídica, devem notários e
registradores praticar os atos como autorizados pela lei. Não dependem de
qualquer orientação ou autorização administrativa, nem a elas estão
sujeitos. Em verdade, notários e registradores não podem deixar de praticar
os atos solicitados pelos interessados que preencham os requisitos legais,
cabendo-lhes dar a correta interpretação jurídica aos dispositivos legais
aplicáveis. São ônus do exercício da função. O que devem, e efetivamente
fazem, é debater e analisar os avanços legislativos em seus institutos de
estudo, para que atuem sempre com mais segurança.
1.1 Personalidade Jurídica
Quanto à natureza jurídica do serviço notarial e de registro, há de se levar
a exame, o apontamento feito por HELY LOPES MEIRELLES : “O Governo e a
Administração, como criações abstratas da Constituição e das leis, atuam por
intermédio de suas entidades (pessoas jurídicas), de seus órgãos (centros de
decisão) e de seus agentes (pessoas físicas investidas em cargos e
funções)”.
As serventias notariais e de registro não são Pessoa Jurídica – não são
Empresas. A afirmação torna-se inequívoca pela análise da relação jurídica
existente entre o titular da Serventia e o Estado ou mesmo porque a
organização é regulada por lei e os serviços prestados ficam sujeitos ao
controle e fiscalização do Poder Judiciário. O cartório não possui
personalidade jurídica, a qual só se adquire com o registro dos atos
constitutivos na Junta Comercial ou no Registro Civil das Pessoas Jurídicas.
1.2 Ilegitimidade Passiva “Ad Processum” das Serventias Extrajudiciais
As serventias extrajudiciais, freqüentemente, são acionados em processos de
reparação de danos em razão de atos próprios da serventia e da
responsabilidade civil do notário e do registrador, a qual está esculpida
nos artigos art. 22 da Lei n.º 8.935/94, art. 28 da Lei n.º 6.015/73 e art.
236, §1º, da Constituição Federal/88.
No entanto, é importante frisar que grande parte, quiçá a maioria, dessas
ações são propostas com irregularidades processuais que podem auxiliar a um
deslinde favorável do processo para o titular da serventia. Ocorre que
nessas ações, os requerentes, por desconhecerem a natureza jurídica dos
cartórios, equivocadamente, teimam em nominar como parte no pólo passivo da
demanda os nomes “fictícios” das serventias. Destarte, cumpre frisar que
tanto o “cartório” quanto a função de “titular de cartório”, carecem de
ilegitimidade passiva “ad processum”, não detendo capacidade de ser parte em
juízo.
A legitimidade “ad causam” passiva pertence, exclusivamente, à pessoa física
do titular da serventia e não ao cartório de notas ou registro.
O entendimento predominante da doutrina e jurisprudência firmam a posição de
que os cartórios extrajudiciais não possuem personalidade jurídica e,
portanto, não podem figurar no pólo passivo das demandas judiciais. Assim
sendo, cumpre relacionar alguns importantes julgados:
CIVIL E PROCESSO CIVIL – APELAÇÃO – CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS –
ILEGITIMIDADE PASSIVA – ENTE DESPERSONALIZADO – 1. Cartório extrajudicial
não tem personalidade jurídica de direito material. 2. A responsabilidade
por falha de cartório extrajudicial deve ser suportada pelo titular da
serventia (art. 28, LRP/73 e art. 22, Lei 8.935/94), designado à época do
evento danoso. 3. Recurso improvido. (TJDF, Ap. 20010111042928–DF, 2ª T.Cív.,
Rel. Des. Silvânio Barbosa dos Santos, DJU-I de 22.Out.2003, p. 44).
EMBARGOS DO DEVEDOR – CARTÓRIO EXTRAJUDICIAL – ILEGITIMIDADE AD CAUSAM –
Cartório extra-judicial é desprovido de personalidade jurídica e processual.
Não figura em pólo passivo da execução. A extinção do processo executivo se
impõe. (TJMG, Ap 000.344.189-6/00, 1ª Câm.Cív., Rel. Des. Orlando Carvalho,
J. 24.Jun.2003).
Como se pode do todo inferir, os acórdãos indicados confirmam o entendimento
predominante da jurisprudência, no sentido de que os cartórios
extrajudiciais não são dotados de personalidade jurídica própria. Por
conseguinte, claramente se conclui que as serventias notariais e de registro
não podem figurar no pólo passivo das ações judiciais.
1.2 Serviços Notariais e de Registro como Serviços Públicos Delegados
A delegação é um dos mais eficientes instrumentos da chamada administração
privada associada de interesses públicos, pois permite que determinadas
atividades de interesse público, mas que são privativas do Estado, sejam
executadas pelo particular.
O art. 236 da Constituição dispõe que os serviços notariais e de registro
serão exercidos em caráter privado por delegação do Poder Público. Nos
dizeres de José dos Santos Carvalho Filho : "Serviços delegáveis são aqueles
que, por sua natureza ou pelo fato de assim dispor o ordenamento jurídico,
comportam ser executados pelo Estado ou por particulares colaboradores".
Tem-se, portanto, que o exercício das atividades notarial e registral
implicam em verdadeiro múnus público, uma vez que se trata de serviço
delegado pelo Poder Público aos particulares.
1.3 Ingresso
O ingresso, nas atividades notarial e registral, ocorre através de concurso
público de provas e títulos desde a Emenda Constitucional nº 07/77, tendo a
Constituição de 1988, endossado este dispositivo, conforme dispõe seu art.
236, § 3º. Em consonância com o texto constitucional, dispõe o art. 14, I da
Lei 8.935/94 - lei regulamentadora do art. 236 da Constituição Federal, a
qual dispõe sobre serviços notariais e de registro – que a delegação para o
exercício das atividades notarial e registral depende de habilitação em
concurso público de provas e títulos.
2 RELAÇÕES DE TRABALHO
No que tange à figura do empregador, depreende-se que o mesmo é o tabelião
titular, pois o art. 20 da Lei 8.935/94 dispõe que os oficiais de registro e
os notários, para desempenharem as suas funções, poderão contratar
escreventes e dentre eles escolher os substitutos e auxiliares, sendo todos
empregados celetistas cuja remuneração será livremente ajustada.
Está a Lei 8.935/94 em conformidade com o art. 2º da CLT, a qual define que
empregador é aquele que assume os riscos do negócio, admite, assalaria e
dirige a prestação dos serviços – embora exista, no âmbito das atividades
notarial e registral, submissão às normas da Corregedoria que tem o único
papel de fiscalizar. Isto não descaracteriza a figura do empregador, pessoa
física, tampouco, a relação de trabalho existente nas referidas atividades,
cabendo, assim, ao tabelião titular assinar a CTPS, assalariar, etc.
Os trabalhadores existentes nas supracitadas atividades, tais como
auxiliares e escreventes, são regidos pela CLT e, quando presentes os
requisitos da relação de emprego nos termos do art. 3º da CLT, serão
considerados empregados, embora sejam também subordinados à Corregedoria e
às normas de Organização Judiciária.
É indiscutível que o notário e registrador é o responsável pelas obrigações
trabalhistas decorrentes da relação de trabalho no âmbito das atividades
notarial e registral. Contudo, há dúvida sobre esta responsabilidade quando
ocorre a sucessão trabalhista.
3 SUCESSÃO TRABALHISTA
Este instituto, genericamente, é abordado intensamente pela doutrina do
Direito do Trabalho; entretanto, a referida sucessão nas atividades notarial
e registral pouco é discutida, o que enseja uma desordem jurisprudencial por
existirem poucas teses e elucidações sobre o tema. Deve-se entender tal
fenômeno como a transferência de titularidade de empresa com completa
transmissão de créditos e assunção de dívidas - a qual se dá, no âmbito das
atividades notarial e registral, através de concurso público.
Ao assumir a titularidade de uma serventia que estava sob o comando do
tabelião anterior, sem vínculo algum com os serviços prestados anteriormente
ao exercício de sua atividade, discute-se na doutrina e na jurisprudência se
há a sucessão da responsabilidade pelas obrigações trabalhistas pelo novo
titular. Para Alice Monteiro de Barros , o sucessor na atividade cartorária
assume as dívidas anteriores à sua gestão. Em linhas gerais, explica a
autora:
Outros sustentam que empregador é a empresa, vista sob o prisma da atividade
organizada, a qual não se confunde com o seu titular. Como a atividade
cartorária é por excelência privada,apesar da ingerência pública,e
considerando que a empresa é atividade, o fato de o cartório ter pertencido
a vários gestores ou responsáveis, não impede a sucessão.
No mesmo sentido, entende Valentin Carrion que, como a CLT define
expressamente que empregador é a empresa, ou seja, é a atividade
economicamente organizada e, por ser tal diploma legal totalmente aplicável
aos empregados dos titulares de cartórios extrajudiciais, haverá sucessão
das obrigações trabalhistas quando ocorrer a mudança de titularidade, uma
vez que a atividade empresarial se manteve, havendo apenas uma alteração da
pessoa física.
Ainda na mesma esteira de que ocorre a sucessão quanto às obrigações
trabalhistas, defende Vólia Bomfim Cassar :
[...] a alteração da titularidade do serviço notarial ocorre a transferência
de todos os elementos da unidade econômica que integra o cartório, como a
clientela, a atividade desenvolvida, as firmas (assinaturas), a área de
atuação e, algumas vezes, até o ponto e o estabelecimento, além dos demais
elementos corpóreos ou incorpóreos da atividade empresarial, cujo conjunto
se denominou de fundo de comércio. Acresce mais que a lei não estabelece
como requisito a existência de ato negocial. Para ocorrer a sucessão basta a
transferência da empresa, independentemente de existir "transação
comercial", máxime quando se trata de mera substituição de concessionário ou
de delegatário de serviço público. A sucessão ocorrerá independentemente da
continuidade do contrato de trabalho para o novo tabelião titular em face da
característica da obrigação trabalhista – ônus reais, que adere a coisa e a
persegue aonde estiver.
Em contrapartida, é possível encontrar na jurisprudência tese diversa à
defendida pelos autores, onde se sustenta a não ocorrência da sucessão
trabalhista quando há mudança de tabeliães titulares no cartório
extrajudicial, pois com a exigência de concurso público para o ingresso nas
atividades notarial e de registro, o novo titular assume o cargo e não o
patrimônio do antigo empregador. Como nenhum crédito lhe é repassado, também
não poderá ser responsabilizado por débito algum, pois inexiste transação
empresarial entre o antigo e o novo titular. Ademais, sustenta-se que os
serviços notariais e de registro são públicos por excelência, sendo
meramente executados por delegação, logo, não é possível ocorrer sucessão
entre notários. É preciso que a empresa (atividade economicamente
organizada) passe das mãos de um para o outro empresário de alguma forma,
seja fusão, venda, etc. Se os serviços registrais são públicos, eles
pertencem ao Estado, e não ao particular, não podendo ser cessível entre os
particulares. E o que não é cessível não pode suceder, sendo inaplicável a
sucessão trabalhista no âmbito das atividades registral e notarial.
Hodiernamente, os serviços notariais e de registro são atividades delegadas
pelo Poder Público, por meio de concurso público, e exercidos, em caráter
privado, consoante o disposto no art. 236 da Constituição Federal/88. Com
efeito, é precioso lembrar que o ingresso na função pública dá-se por
concurso público, portanto, de forma “originária”.
No entendimento de PAULO ROBERTO DE CARVALHO RÊGO, a respeito da matéria,
observa-se:
Com efeito, além de inexistir a “empresa cartório” ou personalidade jurídica
ao seu oficial “titular”, falece legitimidade passiva ad causam ao novo
serventuário que assume a serventia pelos débitos deixados pelo que lhe
antecedeu, porque, tendo se dado seu ingresso na função pública, de forma
originária, por concurso público, não há que cogitar de “solidariedade” ou
“sucessão” entre ele e quaisquer anteriores ocupantes da função exercida.
[...] Só por isso, já se demonstra que não existe sucessão entre os Oficiais
Titulares, porque recebem a delegação diretamente do Estado, por meio de um
dos seus Poderes, o Poder Judiciário, de forma originária. Assim é porque,
vaga uma delegação (por aposentadoria, morte, renúncia, etc. do seu antigo
titular), essa retorna ao Estado, o qual seleciona, por concurso público, um
novo delegado, que, assim, assume sem qualquer vinculação com o Oficial
anterior, porque recebe a outorga da delegação diretamente do Estado.[...]
Assim, não há sucessão “comercial” e nem “trabalhista” entre os Oficiais,
anteriores e atuais, não sendo, esse responsável por nenhum desatino ou
ilícito praticado durante o exercício da delegação por outro, que não ele
próprio. [...] Concluímos, portanto, que a responsabilidade dos delegados
dos serviços notariais e de registro é limitada aos atos e obrigações
contraídas durante o exercício da delegação, não podendo, o novo titular da
função, responder por atos dos que lhe antecederam .
Ver-se que é a pessoa física do titular que responde pelos ilícitos que
praticar durante o exercício da função pública delegada. A responsabilidade
é pessoal, não alcançando o oficial delegado que não ostentava esta
qualidade à época em que ocorreu o ato danoso. É importante frisar que não
se pode responsabilizar o titular-sucessor que não participara do ilícito,
e, muito menos, responsabilizar a figura do “cartório” como se fosse uma
empresa, dotada de personalidade jurídica. Certo é que o titular investido,
originariamente, na função pública, não pode ser responsabilizado pelos atos
praticados anteriormente à sua delegação.
Destarte, consoante a jurisprudência dominante, é certo afirmar que o
“cartório” ou o “titular da serventia”, não detém personalidade jurídica,
não são uma empresa ou entidade e, portanto, não pode ocorrer a sucessão
empresarial e nem trabalhista entre os oficiais, anteriores e atuais, onde o
atual oficial a exercer a função pública assumiria todo o passivo da
serventia e responderia civilmente por atos ilícitos ou funcionais,
eventualmente praticados desde sua instalação pelos delegados antecessores.
O atual titular da serventia não pode responder por um ato ilícito ou
funcional que não praticou.
4 DIREITO DO TRABALHO E RESPONSABILIDADE CIVIL
A responsabilidade pressupõe uma relação jurídica entre a pessoa que sofreu
o prejuízo e a que deve repará-lo, deslocando o ônus do dano sofrido pelo
lesado para outra pessoa que, por lei, deverá suportá-lo, atendendo assim à
necessidade moral, social e jurídica de garantir a segurança da vítima,
violada pelo autor do prejuízo. É a obrigação que tem o agente de responder
por seus atos, positivos ou negativos, assumindo, assim, as suas
conseqüências.
A definição do sistema de responsabilização civil dos titulares de
serventias extrajudiciais passa, necessariamente pela compreensão da
natureza jurídica do vínculo que os liga ao Estado. Assim, como há
controvérsia quanto sua natureza jurídica, também o há quanto à
responsabilidade civil pelos praticados pelos notários e registradores,
havendo uma grande divergência entre a doutrina e a jurisprudência a
respeito da responsabilidade objetiva ou subjetiva.
Tem-se entendido, que as atividades exercidas pelos notários e
registradores, ainda que o sejam por delegação, traz a responsabilidade
objetiva do Poder Público, pelos atos praticados por seus agentes, de modo
que o Estado responde pelos atos praticados pelos notários e registradores.
Apesar da Lei nº 8.935/94, em seu art. 22, tenha tido o objetivo de excluir
a responsabilidade do Estado, tem-se que tal responsabilidade não pode ser
excluída, inerente que as atividades notariais e registrais são
desenvolvidas por delegação do Poder Público, que sempre será responsável
pelos atos praticados por seus delegados, ainda que tenha esse, direito de
regresso contra o serventuário, ante a determinação do § 6º do art. 37 da
Constituição Federal.
5 OBRIGAÇÕES
Não é nenhuma novidade que as serventias extrajudiciais não-oficializadas,
embora inscritas obrigatoriamente no CNPJ, não tenham personalidade
jurídica, de tal sorte que, seus representantes legais, notários e
registradores, submetem-se às regras de tributação das pessoas físicas.
Para a determinação da base de cálculo de incidência do imposto e a
conseqüente apuração do valor a ser recolhido, os contribuintes acima
referidos podem e devem escriturar receitas e despesas em Livro Caixa.
5.1 Obrigações Trabalhistas e Previdenciárias
O notário é obrigado a prestar contas na área trabalhista e previdenciária,
sendo algumas principais (IRRF, Contribuição Previdenciária e FGTS) e outras
acessórias (DIRF, GFIP e RAIS).
O Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), considerado uma obrigação
principal para o notário, é uma forma alternativa da cobrança do imposto de
renda normal. E, como todas as pessoas físicas, apenas se sujeitam ao dever
de reter o IR das pessoas físicas a quem pagam rendimento do trabalho
assalariado.
A Contribuição Previdenciária é descontada das remunerações pagas aos
empregados, as quais devem ser mensalmente retidas e repassadas ao INSS pela
fonte pagadora. De fato, incumbe ao empregado participar do custeio da
seguridade social por meio de contribuições.
O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) foi criado em 1967 pelo
Governo Federal para proteger o trabalhador demitido sem justa causa,
mediante a abertura de uma conta vinclulada ao contrato de trabalho. No
início de cada mês, os empregadores depositam, em contas abertas na CAIXA em
nome dos seus empregados, o valor correspondente a 8% do salário de cada
funcionário.
A Declaração do Imposto Retido na Fonte (DIRF) é a declaração feita pela
FONTE PAGADORA, destinada a informar à Receita Federal o valor do imposto de
renda retido na fonte, dos rendimentos pagos ou creditados para seus
beneficiários.
A lei nº 9.528/97 introduziu a obrigatoriedade de apresentação da Guia de
Recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e Informações à
Previdência Social – GFIP. Desde a competência janeiro de 1999, todas as
pessoas físicas ou jurídicas sujeitas ao recolhimento do FGTS, bem como às
contribuições e/ou informações à Previdência Social, estão obrigadas ao
cumprimento desta obrigação.
A gestão governamental do setor do trabalho conta com o importante
instrumento de coleta de dados denominado de Relação Anual de Informações
Sociais - RAIS. Instituída pelo Decreto nº 76.900, de 23/12/75. A RAIS tem
por objetivo de suprimento às necessidades de controle da atividade
trabalhista no País, o provimento de dados para a elaboração de estatísticas
do trabalho; e, a disponibilização de informações do mercado de trabalho às
entidades governamentais.
5.2 Obrigações Tributárias
São obrigações tributárias do notário e registrador, as principais: IRPF,
ISSQN, Contribuição Previdenciária (pessoal, patronal e tomador de serviços
de pessoas físicas) e acessórias: DIRPF e DOI.
O imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) é a forma de o Governo Federal
receber dos contribuintes sua contribuição pelo trabalho e rendimento. Cabe
salientar que os haveres auferidos pelo titular da serventia, a título de
emolumentos, são contabilizados como receita da pessoa física do titular,
recolhendo este o IRPF.
O imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN, com exceção dos
impostos compreendidos em Circulação de Mercadorias (ICMS), conf art. 155,
II da CF/88 (ISSQN ou ISS), é um imposto brasileiro. É um imposto municipal,
ou seja, somente os municípios têm competência para instituí-lo (Art.156,
III, da Constituição Federal). A Lei Complementar nº 116 trouxe anexa uma
nova lista, procurando deslindar algumas dúvidas acerca da base de
incidência deste imposto. A lista anexa aponta como tributáveis, em seu item
21 e subitem 21.1., os serviços de registros públicos, cartorários e
notariais.
Como Contribuinte individual, pessoa física, notários devem recolher
individualmente, por conta própria, suas contribuições previdenciárias,
mediante inscrição no Instituto Nacional do Seguro Social – INSS.
Também, como auferidor de rendimentos, como pessoa física, é sujeito
passível de contribuir com o Imposto de Renda Pessoa (IRPF), e para a
efetivação do referido pagamento, está sujeito a fazer, como conseqüência
dieta, a Declaração do Imposto de Renda Pessoa Física. Esta declaração está
diretamente ligada à prestação de contas pelo contribuinte ao fisco.
A Declaração Sobre Operações Imobiliárias (DOI) é utilizada pela Receita
Federal para controle das operações imobiliárias efetuadas por pessoas
físicas e jurídicas, de acordo com o disposto na legislação do imposto de
renda. Foi instituída, também, como instrumento pelo qual os notários e
registradores, responsáveis por Cartórios de Ofícios de Notas, Registro de
Imóveis e de Títulos e Documentos prestarem as informações exigidas sobre
essas operações, cujos documentos foram por eles lavrados, anotados,
matriculados, registrados e averbados e que se enquadram nos parâmetros
estabelecidos pelos dispositivos legais.
CONCLUSÃO
As atividades notariais e de registro constituem medida de publicidade,
autenticidade e de segurança nos negócios jurídicos, contribuindo
sobremaneira com toda a sociedade para a prevenção de litígios e a
manutenção da ordem e da paz social. Além da medida de segurança social,
essas atividades têm importante repositório de dados e memória de um povo,
garantindo, sobretudo, a perpetuação de informações. São funções delegadas
pelo Poder Público, originadas por concurso público.
Em decorrência de sua própria natureza, as serventias, função revestida de
estatalidade é sujeita, por isso mesmo, a um regime de direito público.
Todavia, é preciso frisar que os notários e registradores não exercem cargo
público, são classificados como agentes públicos delegados, os quais agem
como se fossem o próprio Estado, dotados de autoridade. O notário e o
registrador, na qualidade de agentes públicos delegados, exercem uma função
pública “sui generis”.
No entendimento predominante da doutrina e jurisprudência, as serventias
extrajudiciais são entes despersonalizados, desprovidos de patrimônio
próprio, não possuem personalidade jurídica e não se caracterizam como
empresa ou entidade. Não podem figurar no pólo passivo, nem ativo de
demandas judiciais. Com efeito, entende-se que não há sucessão trabalhista,
uma vez que a serventia notarial e de registro não é empresa e tampouco
pratica atos negociais. Também, é importante lembrar que inexiste a
transferência da unidade de trabalho de um para o outro titular da
serventia, ou seja, extinta a delegação, a qualquer título, o exercício da
atividade retorna para o Estado. Outro motivo relevante para não aplicação
da sucessão trabalhista é o fato de que a delegação é outorgada à pessoa
física do titular, por concurso público, em caráter “originário”.
Ainda, o Notário e Registrador é sujeito passivo de obrigações tributárias
(principais e acessórias) e, como empregador, deve cumprir com deveres de
natureza trabalhista, o que lhe impõem a necessidade de contar com a
assessoria de profissionais da área contábil, capacitado para formalizar os
procedimentos relativos à Folha de Salários e demais incumbências
burocráticas. Mas, como pessoa física que é, não está sujeito à
contabilidade, considerando o sentido mais técnico do vocábulo.
As mudanças sociais e econômicas no tempo não têm feito senão reafirmar a
razão de ser do notariado e dos registros públicos, mas ainda hoje, em que a
idéia de troca parece ser característica determinante de toda sociedade,
estão eles intimamente ligados ao progresso e à intercomunicação dos homens,
continuando a oferecer perspectivas de atuações eficientes, contribuindo
decisivamente ao equilíbrio, à solidariedade e à paz social. É uma realidade
histórica, concreta, conseqüência de um consenso social, tanto no tempo como
no espaço, porque no fundo as figuras dos notários e dos registradores são
uniformes, não obstante a variedade dos distintos ordenamentos.
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