Desembargador Orlando Adão
Carvalho
Presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais
A própria sociedade e os operadores do direito, historicamente, estão
tomados por um grande descrédito quanto à quitação dos chamados precatórios
– dívidas da União, Estados, Municípios, de suas autarquias e fundações, já
reconhecidas judicialmente. Segundo a legislação vigente, os precatórios que
dão entrada no protocolo do Tribunal de Justiça até o dia 1º de julho
deveriam entrar no orçamento da entidade pública, para quitação no ano
seguinte. Mas, na verdade, essas dívidas se arrastam por longos anos,
provocando insatisfação e uma grande impotência do Judiciário, em face do
descumprimento das decisões judiciais e das leis. Em Minas, muitas ações têm
sido implementadas, visando amenizar essa situação, como a disponibilização
das informações sobre precatórios no portal e audiências de conciliação.
Com uma dívida estimada em torno de R$ 3,5 bilhões, em valores atualizados,
o Estado de Minas Gerais, incluindo autarquias e fundações, tem-se esforçado
para quitar a dívida acumulada ao longo de administrações passadas. Com o
apoio do serviço de conciliação do TJMG, já foram quitados todos os débitos
de pequeno valor, abaixo de R$ 11 mil, que estavam pendentes no TJ, bem como
os precatórios vencidos nos anos de 1995 e 1996, ocasionando a baixa de todo
esse acervo processual. Pode-se perceber um esforço do Governo Estadual em
resolver essa questão.
Já no âmbito municipal, somando a dívida de todos os precatórios vencidos,
apura-se um valor aproximado de R$ 500 milhões. Somente Belo Horizonte deve
mais de R$ 300 milhões desse total. Municípios, como Congonhas, Três Pontas,
Rio Espera, Esmeraldas, Santa Luzia, dentre muitos outros, valendo-se de
conciliações, conseguiram, praticamente, zerar os precatórios vencidos.
Outros, como Mercês, Ibiá, Bom Despacho e Gonzaga, estão concluindo as
negociações e amortizando a dívida. Essa é uma demonstração de seriedade e
moralidade dos seus administradores, uma vez que se trata, na grande
maioria, de dívidas vencidas em administrações anteriores.
Vale lembrar, aqui, a contribuição da Assembléia Legislativa de Minas
Gerais, que propiciou oportunidade de discussão do assunto com a realização
de audiência pública sobre os precatórios no ano passado. A partir daí, com
a inestimável colaboração da Associação Mineira de Municípios, os
entendimentos têm sido ampliados, com bons resultados.
A Emenda Constitucional 30/2000 criou o parcelamento da dívida de
precatórios e alterou o vencimento. Mas, ampliou as possibilidades de
seqüestro de recursos das entidades públicas devedoras, para pagamento dos
débitos. Antes, o seqüestro só poderia ocorrer em caso de preterição de
pagamento, ou seja, quitação de precatório fora da ordem cronológica, como a
lei prevê. A emenda, em vigor, amplia essa possibilidade, para os casos de
não quitação de parcela vencida ou não inclusão do débito no orçamento. A
citada norma (EC 30/2000), que só abrange casos de ações ajuizadas até 1999,
foi alvo de uma ação direta de inconstitucionalidade, que se encontra em
andamento no Supremo Tribunal Federal, tendo, até o momento, apenas o voto
do relator. Não houve ainda o julgamento do pedido de liminar para suspensão
da prolatada emenda.
Dentro desse quadro, o que o TJMG tem feito? A primeira iniciativa
importante foi a colocação de todas as informações sobre precatórios no
portal (www.tjmg.gov.br). Clicando em “Consultas”, depois em “Andamento
Processual” e em “Precatórios”, todos podem fazer pesquisas tanto por
beneficiário como também por entidade devedora – neste último caso, com
demonstrativo do montante da dívida daquele ente pesquisado (em valores
históricos, sem a atualização, que é feita quando do pagamento). Nos moldes
desse serviço, implantado em Minas desde 2004, não há em nenhum outro
tribunal, evidenciando o nosso empenho para a busca de transparência e
democratização da informação.
A outra grande iniciativa, desde 2004, está relacionada às conciliações.
Medida, aliás, que já foi alvo de elogios da presidente do Supremo Tribunal
Federal, ministra Ellen Gracie, em ofício de janeiro deste ano: “Cumprimento
a iniciativa da criação da Central de Conciliação de Precatórios e pelo bom
trabalho desenvolvido em prol da quitação dos requisitórios, contribuindo,
assim, para que prevaleça a justiça e a paz social”. Importante ressaltar
que, a partir do próximo mês de abril, as conciliações também irão ser
feitas no interior, para atingir os mais de 100 municípios envolvidos. Com
uma equipe enxuta, formada, no máximo, por um juiz de direito e dois
servidores, munidos de um computador portátil, será possível dar mais um
passo na solução desse problema crônico. Isso porque o Tribunal irá realizar
audiências regionais de conciliação, deslocando-se até regiões-pólo do
Estado.
Desde 2004, o TJMG começou a sequestrar verbas para quitação de precatórios,
decisões que vêm sendo confirmados pelos tribunais superiores, como foi o
caso do município de Pequi, que teve grande repercussão na mídia. O Tribunal
também tem decretado as intervenções em municípios devedores, como
estabelece a lei. Após a decisão, o Judiciário de Minas encaminha ofício ao
Executivo, a quem cabe proceder à intervenção. No entanto, em todo o Brasil,
as intervenções não são feitas, pois se trata de um problema antigo,
crônico, e a prioridade tem sido a negociação. Em vários Estados, como São
Paulo, por exemplo, nem se sabe qual é o montante da dívida – divulgam-se
dados divergentes a cada momento.
Medidas coercitivas, como é o caso dos seqüestros, precisam ter “efeito
pedagógico”, visando à moralidade administrativa e pôr fim à tendência
arraigada de inadimplência por parte das administrações públicas dos débitos
reconhecidos judicialmente. Já as conciliações mostram a tendência do
Judiciário do futuro, de buscar soluções negociadas, em conformidade com a
realidade financeira. O Tribunal de Minas, com apoio de administradores
conscientes, tem procurado alternativas, em respeito à sociedade e ao desejo
de realização da justiça.
Para concluir, deixamos nosso alerta a todo cidadão para projetos, como a
PEC 12/2006, que tenta definir o percentual (mínimo de 3%, para os Estados,
e 1,5%, para os municípios) das despesas primárias líquidas para pagamento
de precatórios e a adoção de leilões. A sociedade não pode mais esperar a
boa vontade dos agentes públicos para conseguir valer seus direitos.
(Artigo publicado no Jornal "Estado de Minas" de 15/03/07)
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