Artigo - Arquivamento e Emolumentos - Paulo Hermano Soares Ribeiro

ARQUIVAMENTO E EMOLUMENTOS

Prof. Paulo Hermano Soares Ribeiro

1          INTRODUÇÃO:

         A ausência de uma regulamentação com maior densidade transforma questões simples do direito notarial em verdadeiras celeumas jurídicas, diante dos vários e imprecisos horizontes interpretativos. Nesse caminho, não raras vezes, os Notários se desorientam de tal modo que, quando chega uma correição ou fiscalização, estamos todos olhando para baixo, submissos a interpretações insensatas, extravagantes ou sem nexo que vem daqueles que não são estudiosos da matéria.

         Sempre que surge uma novidade é preciso relembrar: nós somos aqueles por quem esperamos! A Corregedoria ou o Fisco, aos quais são endereçados a esperança de solução dos dilemas, não resolverão os problemas dos Notários e Registradores, porque não dispõem de tempo nem especialização para tal. E quando se dispõem a fazê-lo vislumbram apenas a fresta do problema que lhes toca, deixando o núcleo das dificuldades sem solução.

Os Notários devem enfrentar suas questões e ir construindo sua doutrina de forma criteriosa, honesta e responsável. Se assim não fizerem, estarão sempre sujeitos aos burocratas bem intencionados que não compreendem as demandas do balcão, e na sua ingenuidade produzem, eqüidistantes da realidade em escritórios climatizados, entendimentos anacrônicos e regulamentações estéreis, reduzindo ou negando textos legais.

 

2          DOS EMOLUMENTOS:

Os emolumentos compreendem a contraprestação pecuniária pelos serviços prestados por Notários e Registradores no exercício de suas funções. São pagamentos feitos em moeda, antecipadamente, por atos praticados pelo Tabelião de Notas, Tabelião de Protesto de Títulos, Oficial de Registro de Imóveis, Oficial de Registro de Títulos e Documentos, Oficial de Registro Civil das Pessoas Jurídicas, Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Oficial de Registro de Distribuição.

Os Notários e Registradores têm direito à percepção dos emolumentos integrais pelos atos praticados na serventia (Lei 8.935/94, art. 28). Trata-se da receita com a qual o delegatário do serviço deverá satisfazer todos os encargos tributários, manter sua estrutura funcional, contratar e remunerar prepostos e empregados, adquirir material de consumo, promover o arquivamento de documentos, promover o aprimoramento próprio e de seus prepostos, fazer frente ao risco econômico da atividade, e, apurar saldo razoável para sua própria remuneração.

A Constituição Federal de 1.988, nos termos do art. 236, § 2º, delegou competência ao legislador federal para estabelecer normas gerais para fixação de emolumentos, o que foi levado a efeito pela Lei Federal n. 10.169 de 2000. O Estado de Minas Gerais, através da Lei 15.424 de 2004, e suas alterações, dispôs sobre a fixação, a contagem, a cobrança, o pagamento de emolumentos, recolhimento da Taxa de Fiscalização Judiciária e a compensação dos atos sujeitos à gratuidade.

         Os valores dos emolumentos, anualmente, são atualizadas pela aplicação da variação da Unidade Fiscal do Estado de Minas Gerais – UFEMG, prevista no art. 224 da Lei n. 6.763/75, ficando a cargo da Corregedoria-Geral de Justiça a publicação das respectivas Tabelas. Para o corrente exercício de 2011, o valor da UFEMG será de R$2,1813 (dois reais, mil oitocentos e treze décimos de milésimos), consoante o disposto no artigo 1º da Resolução nº 4.270 de 19 de novembro de 2010, da Secretaria de Estado de Fazenda de Minas Gerais.


3          DA POSSIBILIDADE LEGAL DE COBRANÇA POR ATO DE ARQUIVAMENTO:

O inciso “I” do art. 7º da Lei 15.424/2004, em sua redação original, estabelecia que os emolumentos fixados em lei incluíam arquivamento de documentos, in verbis:

Art. 7º Os emolumentos fixados nesta Lei, observada a natureza pública e o caráter social dos serviços notariais e de registro, incluem:

I - protocolo, arquivamento, traslado, anotações e comunicações determinadas por lei, diligências e gestões essenciais à realização do ato notarial ou de registro;

         No mesmo sentido, o inciso “IV” do art. 16 da mesma Lei, vedava expressamente ao Notário e ao Registrador:

IV - cobrar acréscimo quando ocorrer, nos atos notariais e de registro, transcrição de alvará, mandado, guia de recolhimento ou documento de arrecadação de tributos, certidões em geral e outros documentos, ou arquivamento de procuração ou de qualquer outro documento necessário à prática do ato; (os grifos não originais)

 

         Por outro lado, havia previsão expressa na “Tabela 8 - Atos comuns a Registradores e Notários” de cobrança por arquivamento por Notários e Registradores. O paradoxo tornava nebulosa a interpretação se era absoluta a proibição legal.

         A Lei Estadual 19.414 de 30/12/2010, art. 1º, deu nova redação ao referido art. 7º, inc. I, e ao art. 16, inc. IV, eliminando a vedação, que passaram ao seguinte texto:

Art. 7º Os emolumentos fixados nesta Lei, observada a natureza pública e o caráter social dos serviços notariais e de registro, incluem:

I - traslado, anotações e comunicações determinadas por lei, diligências e gestões essenciais à realização do ato notarial ou de registro;

 

Art. 16 - É vedado ao Notário e ao Registrador:

(...)

IV - cobrar acréscimo quando ocorrer, nos atos notariais e de registro, transcrição de alvará, mandado, guia de recolhimento ou documento de arrecadação de tributos ou certidões em geral

 

Assim, foram extirpados da vedação de cobrança o ato de “arquivamento”, posto que não mais contemplado dentro dos itens pagos pelos emolumentos gerais. O dispositivo esclareceu o que antes era nebuloso: a possibilidade normatizada de cobrança de emolumentos por arquivamento pelo Notário, trazendo coerência para os emolumentos previstos na referida “Tabela 8”.

Como conseqüência foi atualizada a redação da Nota V da Tabela 1 (Atos do Tabelião de Notas), que reflete aqueles dois dispositivos supra transcritos.

 

4          DO TERMO INICIAL PARA COBRANÇA DOS EMOLUMENTOS SOBRE ARQUIVAMENTO:

A norma que estabelece a fixação, contagem, cobrança e pagamento dos emolumentos é norma de natureza tributária. A despeito do debate se os emolumentos são tributo ou remuneração, é inegável que a Lei que os estabelece prevê um fato gerador e o tributo decorrente.

Os emolumentos referentes ao arquivamento compreendem tributo novo, posto que inexistente na redação anterior da Lei 15.424/2004. Assim, a cobrança instituída pela Lei Estadual 19.414, de 30/12/2010, está sujeita ao critério da letra “c” do inciso “III” do art. 150 da Constituição Federal de 1988: verbis:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

III - cobrar tributos:

a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;

b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;

c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) grifos não originais

 

         A própria Lei Estadual 19.414/2010, em seu art. 7° reconhece essa limitação constitucional. Trata-se de aplicação do princípio da anterioridade mitigada ou nonagesimal de inequívoca aplicação a hipótese tributária do arquivamento, até porque as únicas exceções ao princípio formam um elenco numerus clausus previsto na EC n. 42/03.

         Quanto ao exato dia em que será possível a exigência tributária, Letícia Franco Maculan Assumpção, no artigo intitulado “A Lei Mineira Nº 19.414/10 e o termo inicial para cobrança dos emolumentos por ela instituídos ou aumentados” assevera que,

Portanto, a Lei nº 19.414/2010 entra em vigor no dia 1º de janeiro de 2011 quanto a qualquer disposição que não envolva aumento ou instituição de tributo, mas quanto aos emolumentos por ela instituídos ou aumentados, somente entra em vigor decorridos 90 (noventa) dias da sua publicação.

(...)

Como a Lei nº 19.414/2010 foi publicada no dia 31 de dezembro de 2010, adotando-se a norma supramencionada, que expressamente determina que a entrada em vigor ocorreno dia subseqüente à sua consumação integral, pode-se afirmar que a Lei nº 19.414/2010, no que se refere a aumento e instituição de emolumentos, entra em vigor no dia 31 de março de 2011, devendo ser aplicada para os fatos geradores ocorridos a partir da referida data, ou seja, para os atos notariais ou de registro praticados a partir de 31 de março de 2011, inclusive.

         Na perspectiva da doutrinadora, e nos parece ser a postura mais técnica, o prazo de noventa (90) dias deve observar o critério da Lei Complementar nº 95/98, portanto com inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subseqüente à sua consumação integral.

 

5          DO CONCEITO DE ARQUIVAMENTO:

O arquivamento compreende a “ação de guardar documento, papel ou processo que, embora já tenha perdido a validade ou esgotado a sua vigência, pode servir como auxílio para eventuais averiguações ou comprovações” (HOUAISS).

No caso específico do Cartório de Notas, compreende a guarda, manutenção, segurança e organização de documentos exigidos por lei e imprescindíveis à realização dos atos notariais já praticados. Não se trata, portanto, de qualquer papel ou documento, mas de documentos qualificados pela exigência legal, relevância e imprescindibilidade.

Esse conceito é importante para o estabelecimento de critérios para a cobrança.

         Quanto aos documentos para arquivo, sugere-se que o sejam em seu original. Não sendo possível, em cópia cuja autenticidade tenha sido verificada pelo Tabelião.

 

6          DO CRITÉRIO PARA O ARQUIVAMENTO:

Os emolumentos devidos pelo arquivamento compreendem um acréscimo aos emolumentos que os usuários dos serviços notariais já pagam pelo ato principal, e como tal, haverão de se acomodar dentro de critérios de proporcionalidade, racionalidade e menor onerosidade.

É imperioso lembrar que o Tabelião possui fé pública, o que lhe exime de guardar todo e qualquer papel ou documento mencionado no ato notarial.

Também é certo que não estará ao arbítrio do Tabelião determinar o que deve ou não ser arquivado. Oportuno lembrar que qualquer excesso na cobrança, além de caracterizar ilícito administrativo, depõe contra a classe.

Por outro lado, é de se observar que o Tabelião deve recolher ao Fisco Estadual o tributo devido, e o Estado não se compadece com as dúvidas do Notário, nem com o sofrimento do contribuinte. Simplesmente exige o recolhimento.

Assim, é preciso o equilíbrio na interpretação da novidade para que não se cometa exageros de euforia, nem minimizações imprudentes.

 

6.1      Primeiro critério: EXISTÊNCIA DE DISPOSITIVO LEGAL DETERMINANDO O ARQUIVAMENTO.

O primeiro critério para identificar o que deve ou não ser arquivado, evidentemente, passa pela existência ou não de norma legal exigindo tal arquivamento.

Se há exigência legal que o documento fique sob a guarda do Tabelião, então se deve cobrar pelo arquivamento.

         A título de sugestão, adoto a relação de documentos proposta pelo Tabelião Francisco Machado Filho, apresentada por ele no Fórum de Discussão do Departamento de Notas, disponível no site “http://www.serjus.com.br/on-line/departamentos/notas/forum/messages/10772.html”:

Ficam os tabelionatos de notas obrigados ao arquivamento dos seguintes documentos, para a prática dos atos de seu ofício.

 

I.         Por força da Lei 7.433 e da Lei 15.424, com a redação da Lei 19.414

1.       Guia de ITBI – (Transmissões inter-vivos)

2.       Guia de ITCD – (Transmissões causa- mortis , doação e cessão gratuita)

3.       Comprovante de pagamento ou isenção do ITBI e ITCD
 

4.       CERTIDÕES FISCAIS

a)       ITR – (Escrituras de imóvel rural)

b)       Conjunta de Débitos Relativos a Tributos Federais e à Dívida Ativa da União – (Escrituras com alienantes pessoas jurídicas , quando exigida)

c)       Relativa a Contribuições Previdenciárias – (Escrituras com alienantes pessoas jurídicas, quando exigida)

d)       Municipal (Escrituras de inventário)

e)       Estadual (Escrituras de inventário)

f)       Federal (Escrituras de inventário)
 

5.       CERTIDÕES DO REGISTRO IMOBILIÁRIO

a)       Ônus real

b)       Ações reais e pessoais reipersecutórias

c)       Inteiro teor

d)       Feitos ajuizados (quando necessária)

 

II.        Por força da Instrução 192/90 e Provimento 164/2007, ambos da CGJ e da RES 35/2007, do CNJ

1.       Cópia do documento de identidade (Feitura do cartão de assinaturas, escrituras de inventário e divórcio)

2.       Cópia do cartão de CPF (Feitura do cartão de assinaturas, escrituras de inventário e divórcio)

3.       Certidão de óbito do autor da herança (Escrituras de inventário)

4.       Certidão de nascimento ou casamento, quando se tratar de pessoa casada, de todos quantos participarem do ato, exceto do advogado (Escrituras de inventário)

5.       Certidão do pacto antenupcial, se o regime de bens não for o legal (Escrituras de inventário e divórcio).

6.       Certificado de Cadastro de Imóvel Rural – CCIR (Quando presente imóvel rural)

7.       Documentos comprobatórios da posse de outros bens, como automóveis, promessas de compra e venda, títulos,ações,extratos bancários, etc (Inventários)

 

6.2      Segundo critério: SOLICITAÇÃO EXPRESSA DO INTERESSADO.

            Trata-se de arquivamento excepcional, realizado para atender interesse demonstrado pela parte interessada, quanto a documentos que se relacionam com o negócio realizado.

         Sugere-se que o pedido de arquivamento seja feito por escrito pela parte interessada, para prevenir suspeita de exageros cometidos pelo Tabelião.

 

6.3      Terceiro critério: DOCUMENTOS CUJO DESAPARECIMENTO POSSA COMPROMETER A VALIDADE OU EFICÁCIA DO NEGÓCIO JURÍDICO.

Trata-se também de arquivamento excepcional, e depende do bom senso e prudência do Tabelião.

Embora não haja dispositivo legal a respeito, nem solicitação da parte interessada, se o Tabelião entender que a falta de arquivamento de original (ou cópia) de documento mencionado no instrumento poderá comprometer a validade ou eficácia do ato notarial, nos parece legítimo seu arquivamento.

A mesma situação ocorre quando, embora não conste especificamente da Lei, a parte apresente documento análogo àquele que a Lei exige o arquivamento.

 

7          CONCLUSÃO:

Não foi editada, até o momento, norma regulamentadora para a cobrança de arquivamento, circunstância que permite a utilização de recursos de integração da legislação tributária (art. 108 da Lei 5.172/66), para sua interpretação.

Não é razoável supor que a falta de regulamentação pelo legislador inviabilize a cobrança dos emolumentos. A eventual gratuidade universal do arquivamento – enquanto não houvesse regulamentação – contrariaria o princípio da viabilidade das serventias notariais e ofenderia o disposto no art. 1º da Lei nº 10.169/2000, posto que os valores dos emolumentos devem atender ao efetivo custo e à adequada e suficiente remuneração dos serviços prestados.

            Os critérios descritos observam o menor ônus para o destinatário do serviço, até para evitar a cobrança indevida ou excessiva de emolumentos que constitui infração disciplinar (Lei 8.935/94, art. 31, III).

         As hipóteses de gratuidade devem ser observadas tanto para o ato principal, quanto para o arquivamento. Não há razão para negativa deste benefício àqueles que se enquadrem nos requisitos exigidos.

 

8          REFERÊNCIAS:

ASSUMPÇÃO, Letícia Franco Maculan. A Lei Mineira Nº 19.414/10 e o termo inicial para cobrança dos emolumentos por ela instituídos ou aumentados. Disponível em http://www.serjus.com.br.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, Disponível em http://www.planalto.gov.br.

CENEVIVA, Walter. Lei dos Notários e dos Registradores Comentada (lei n. 8.935/94. 5ª ed. rev e atual. São Paulo: Saraiva, 2006.

CHIMENTI, Ricardo Cunha et. al. Curso de Direito Constitucional. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

MACHADO FILHO, Francisco. Post “ARQUIVAMENTO - UMA PROPOSIÇÃO CONSERVADORA” in http://www.serjus.com.br/on-line/departamentos/notas/forum/messages/10772.html.

MINAS GERAIS. Lei Estadual  n. 15.424, de 30 de dezembro de 2004. Dispõe sobre a fixação, a contagem, a cobrança e o pagamento de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro, o recolhimento da Taxa de Fiscalização Judiciária e a compensação dos atos sujeitos à gratuidade estabelecida em lei federal e dá outras providências. Disponível em: <http://www.fazenda.mg.gov.br>. Acesso em: 4 de fev. de 2011.

MINAS GERAIS. Lei Estadual  n. 19.414, de 30 de dezembro de 2010. Altera a  Lei nº 15.424, de 30 de dezembro de 2004, que dispõe sobre a fixação, a contagem, a cobrança e o pagamento de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro, o recolhimento da taxa de fiscalização judiciária e a compensação dos atos sujeitos à gratuidade estabelecida em lei federal, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.fazenda.mg.gov.br>. Acesso em: 4 de fev. de 2011.

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Fonte: Departamento de Notas da SERJUS-ANOREG/MG - 15/03/2011.

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