Por Vinícius Parolin Wohnrath: Bacharelando do curso de Direito pela
Universidade Estadual Paulista (UNESP). Bolsista IC FAPESP (2006/2008).
Estudante de grupos de pesquisas cadastrados no CNPq.
Sumário:
1 União estável: noções;
2 Do contrato de convivência: aspectos introdutórios;
3 Especificidades do contrato de convivência;
4 Conclusão;
5 Referências bibliográficas.
Resumo: Pautando-se nas relações familiares contemporâneas, este artigo
delimita as bases do contrato de convivência nas uniões estáveis,
estabelecendo as possibilidades, requisitos e conseqüências de tal
instrumento jurídico para a vida social. Aponta, também, os aspectos
históricos e os vieses vanguardistas do assunto sob o prisma do direito
civil-constitucional, servindo de apoio para a devida aplicação do contrato
de união estável pelos conviventes, assegurando maiores garantias legais
para os que vivem sob este regime jurídico-familiar constitucionalmente
tutelado.Palavras-chave: união estável; contrato de convivência.
Abstract: Basing on the familiar contemporay relantionships, this article
delimitates the bases of the convenience contracts in the steady unions,
stablishing the possibilities, requirements and consequences of such
juridical instrument for the social life. Also points the historical aspects
and the vanguardists ways of the subject under the civil-constitucional
prism, supporting the aplication of the stable union contract by the people,
assuring more legal garanties for those who live under the protection of
this juridical-familiar constitucionaly regime.
Keywords: steady unions; convivence contracts.
1 União estável: noções.
A vinculação das metamorfoses sociais à estrutura jurídica é de notório
interesse para os cultores do Direito moderno - a pesquisa acadêmica não
pode cegar as transformações concernentes à disposição dos elementos
combinados em sociedade. Da mesma maneira, a atividade legislativa, enquanto
alheia ao clamor dos subsídios constituídos na prática, mostra-se
inviável.Neste diapasão, o estudo do Direito, principalmente no ramo da
Família, põe-se como uma análise das ocorrências fáticas, ou, na posição de
SanTiago Dantas:
O estudo do Direito de Família deve começar por algumas noções, mais de
caráter sociológico que jurídico, pois neste ramo do Direito Civil, mais do
que em qualquer outro, sente-se o quanto as normas jurídicas são moldadas e
determinadas pelos seus conteúdos sociais [01].
O reconhecimento jurídico das entidades familiares de fato foi uma das
grandes dianteiras possibilitadas pela Constituição Federal de 1988. Desta
feita, como parâmetro constitucionalmente tutelado em decorrência do
princípio da dignidade humana [02], o afeto é a representação da alteração
do foco da família contemporânea: se antes era fundada sobre o patrimônio (e
o matrimônio), atualmente se alicerça na valorização dos laços sentimentais
[03].
A união estável não é fenômeno recente [04], embora à margem da legislação
positiva durante longo período: noutra frente, o que se vislumbra é a maciça
influência do Direito Canônico em matérias relativas à formação familiar. Ou
seja, "apesar do nítido repúdio do legislador, vínculos afetivos fora do
casamento sempre existiram [05]".
Na ordem jurídica pré-1988, somente o casamento era alicerce basilar da
família brasileira - motriz de direitos e deveres. Contudo, nas últimas
décadas, a multiplicidade das relações familiares obrigou a aceitação legal
(embora tardia) de organizações interpessoais diversas daquela tutelada
historicamente: a horizontalização dos papéis sócio-familiares, com a
conseqüente supressão da pretérita ordem vertical patriarcal [06],
possibilitou a eclosão do reconhecimento jurídico de estruturas distintas da
constituída pelo matrimônio.
A Constituição Federal vigente rompeu com os dogmatismos pretéritos,
colocando a união estável no mesmo patamar do enlace matrimonial [07].
Atentamos, neste descortinar jurídico pós-1988, para a valorização dos
interesses e manifestações humanas. Possibilitou-se, portanto, o apupo da
união estável pelo direito positivo.Neste estudo, abordaremos
especificamente a delimitação dos direitos disponíveis inseridos na relação
de união estável através do instrumento jurídico do contrato de convivência
sob o prisma do Direito de Família.
2 Do contrato de convivência: aspectos introdutórios.Bem sabemos da
disposição das partes para a composição da vida em família; não é o Estado
quem "casa" as pessoas, mas estas que se unem manifestando sua vontade. É
característica da união estável a desregulamentação estatal a respeito de
sua composição e a própria história assim nos prova. Contudo, como já
discutimos, o interesse jurídico sobre as famílias não fundadas no casamento
somente veio a lume com a devida intensidade no direito contemporâneo
(pós-88).
O simples relacionamento afetivo presente na união estável - embora esta
seja uma das figuras denominadas constitucionalmente como entidades
familiares - não garante a mesma segurança jurídica conferida ao casamento.
Isto porque a própria natureza do enlace matrimonial, cercada por
formalismos e sob a benção estatal, não pertence ao mundo daqueles que
facultaram viver sob o regime da informalidade.Porém, como posiciona-se
Virgílio de Sá Pereira, o legislador não cria a família [08].
Desta maneira, existentes as entidades familiares não fundadas no casamento,
resta as partes, ante a deficiente regulamentação positiva, estipularem
entre si, particularmente, no tocante ao patrimonial, as cláusulas válidas
para a relação vivenciada. Esta estipulação se dá por meio do contrato de
união estável - ou contrato de convivência (nomenclatura esta que
preferimos, a exemplo de Cahali [09]).
A natureza da união estável possui caráter de informalidade: é cabível,
então, o contrato interpartes como instrumento de delimitação dos direitos
disponíveis desta comunhão afetiva fática. Conceitualmente, temos que
contrato de convivência é o "instrumento pelo qual os sujeitos de uma união
estável promovem regulamentações quanto aos reflexos da relação [10]".
No contexto histórico, muitas foram as tentativas quanto à possibilidade de
implantação desta forma contratual; contudo, anteriormente ao reconhecimento
constitucional da união estável, poucos foram os que ousaram discorrer sobre
o tema. Alguns Tribunais, quando desafiados, refutaram a moralidade e a
legalidade destes contratos.A omissão do legislador frente a este
instrumento legal (suas estipulações, forma e conteúdo) ainda persiste.
Desta feita, em face da frívola tutela legislativa, segue a presunção
característica do direito privado - ou seja, se não é vedado pela lei, é
passível de ser praticado.
Entretanto, mostra-se como necessária a existência da relação de união
estável para a realização do contrato de convivência, pois este vínculo
afetivo é o legitimador factual (fático) desta espécie de aparato
jurídico-contratual. Ainda assim, como já esboçamos neste artigo, a
permissão para ocorrência contrato de convivência somente ocorreu após a
CF/88.Anteriormente à Carta Magna, com o intuito de se tutelar o casamento
(e, forçosamente, obrigar as pessoas a constituir família somente sob este
regime), o legislador coibia a validade dos contratos de união estável
firmados entre os companheiros, na forma do "art. 145, II a V do Código
Civil vigente na época [de 1916].
O concubinato nasceria dos fatos e não da forma escrita. Sendo nulo, esses
contratos não teriam validade mesmo entre as partes, que não poderiam
levá-los a juízo para fazer valer quaisquer direitos entre si [11]".Neste
sentido, o próprio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no ano de
1961, declarava indisponível o objeto pretendido pelo contrato de
convivência, tornando seu conteúdo conseqüentemente ilícito e, até mesmo,
imoral. Esta mesma orientação foi seguida pelo TJ do Rio Grande do Sul -
Circular nº 7 de 1952 [12].No âmbito legislativo, datada de 1975 por
propositura do então Dep. Federal Emanoel Waissmann, deu-se a primeira
tentativa de se instituir o "Contrato Civil de Coabitação"; porém esta
proposta não logrou êxito: o referido projeto foi arquivado [13].
De qualquer modo, a única segurança jurídica à época - quanto aos efeitos
patrimoniais da relação - era a súmula 380 do STF. Entretanto na prática,
como indica Villaça, os "advogados não se furtavam à celebração desses
pactos de convivência [14]" - visando maiores garantias legais.No tocante ao
contrato de concubinato, ele é perfeitamente possível de realizar-se, sem
que se ofendam os bons costumes, os princípios gerais de direito e a ordem
pública. Sempre defendemos esse ponto de vista, elaborando esse tipo de
contratação desde 1969 [15].
A tutela dos interesses patrimoniais é um dos principais objetivos do
agrupamento familiar: daí se justifica a maciça presença estatal nessas
relações afetivas. A própria família é considerada, classicamente, base do
Estado e da sociedade [16]. Neste contexto, restringe-se ao máximo os
efeitos de qualquer relação não estruturada conforme as disposições
positivas. Se num dilatado lapso temporal o grande conjuntivo guardião do
casamento foi a Igreja Católica, nas últimas décadas (no caso brasileiro), o
poder estatal angariou esta função.Neste raciocínio, qualquer interferência
do particular nos dispositivos de validade e de conseqüências da relação,
representa - aos olhos dos tradicionalistas - uma espécie de concorrência
direta com o casamento positivado pelo poder constituído.
Fechando-se aos avanços sociais vivenciados a fim de dirimir ao máximo as
forças concorrentes, o poder público taxou, em meados das décadas de 1950 e
seguintes, os contratos de convivência como imorais e ilegítimos.Como
analisaremos no transcorrer deste estudo (Tópico 2.2), esta visão de tutela
pública do casamento frente a indisponibilidade de previsão legal do
contrato de convivência foi utilizada no ano de 1996 como justificativa dos
vetos presidenciais ao Projeto de Lei 1.888/1991 referente à união estável -
que gerou a Lei 9.278/1996.Entrementes, o advento da CF/88 obrigou os
Tribunais a forçosamente retirarem as barreiras impostas aos cartórios para
o registro dos contratos de convivência [17].
A partir deste instante, o avanço da jurisprudência foi imediato - conforme
bem indica Villaça (RT/686/96 [18]). Porém nem todas as controvérsias no
âmbito judiciário foram sanadas - salienta Cahali a posição dos
desembargadores do TJSP em acórdão proferido a respeito da possibilidade de
estabelecimento de contrato particular de união estável: enquanto Cezar
Peluzo e Walter Moraes foram favoráveis, Sílvio Ferreira votou contra
[19].Também há resistência legislativa quanto à positivação dos termos do
contrato de convivência: o silêncio legal persiste.2.1 O contrato de
convivência na Lei 8.971 de 29 de dezembro de 1994.
Os reflexos dos avanços sociais propiciados pelo reconhecimento magno da
união estável foram latentes no transcorrer dos anos 1990: neste diapasão,
um dos principais efeitos foi a promulgação da Lei nº 8.771/94 - em
decorrência do Projeto de Lei nº 37/1992.A L 8.971/1994 assegurou direito a
alimentos e à sucessão do companheiro. (...) Também a lei fixou condições
outras, só reconhecendo como estáveis as relações existentes há mais de
cinco anos ou das quais houvesse nascido prole, como se tais requisitos
purificassem a relação [20].Contudo, especificamente quanto ao contrato de
convivência, o vácuo legislativo persistia: a Lei de 1994 não mencionava em
seus dispositivos a possibilidade de contratação entre conviventes.
Entretanto, esta prática jurídica era (tal como é) um dos artifícios
utilizados pela partes, para disporem sobre os efeitos disponíveis da
relação de união estável [21].Em substituição à Lei 8.771, aprovou-se no
Congresso Nacional a versão do projeto de Lei nº 1.888/1991. Originou-se,
portanto, a Lei nº 9.278 de 10 de maio de 1996.2.2
O contrato de convivência na Lei 9.278 de 10 de maio de 1996. "Com a
publicação da Lei nº 9.278/96, foram inúmeros os pronunciamentos sobre as
questões que envolvem a união estável [22]", já que esta norma propunha-se a
regulamentar o art. 226, § 3°, da CF/88.Para nosso interesse, no projeto
originário desta lei [23] (arts. 3° [24], 4° [25] e 6° [26]) estavam
previstas as estruturas do contrato de convivência; bases estas que, por
efeito de veto presidencial, não entraram em vigor.
Temos, portanto, que este veto mais representou um conservadorismo
exacerbado do que propriamente uma manifestação do interesse social. Foi a
justificativa dada à época pelo então Presidente da República, Fernando
Henrique Cardoso:(...) a amplitude que se dá ao contrato de criação da união
estável importa admitir um verdadeiro casamento de segundo grau, quando não
era esta a intenção do legislador, que pretendia apenas garantir
determinados efeitos a posteriori a determinadas situações nas quais tinha
havido formação de uma entidade familiar (...). Assim sendo, não se
justifica a introdução da união estável contratual nos termos do art. 3°,
justificando-se pois o veto em relação ao mesmo e, em decorrência, também no
tocante aos arts. 4° e 5° [27].Referente as razões do veto, posiciona-se
Albuquerque Pizzolante:
Não fere o casamento a simples possibilidade de estabelecimento de contrato
de união estável, assim como o fato de tal convivência pode dar-se por meio
de formalização em instrumento contratual não tem o condão de torná-la
casamento de segunda classe, muito menos evento atentatório ao direito; nada
mais representa senão a reverberação da liberdade contratual de que dispõe o
cidadão na esfera de suas relações públicas e privadas, tendo como natureza
a constituição de entidade familiar (...) [28].No entender de Sílvio
Rodrigues, "a lei (9.278/96) apresenta alguns defeitos sérios, decorrentes
de vetos presidenciais a disposições que estavam ligadas a outras que
prevaleceram, ficando estas com o sentido prejudicado [29]".
Indubitavelmente, perdeu-se uma grande oportunidade para a positivar-se o
contrato de convivência - que serviria para dirimir maiores dúvidas
referentes aos parâmetros, forma, conteúdo, etc., destes pactos.2.3
O contrato de convivência no Código Civil de 2002. "Embora não constasse do
texto original do projeto do novo Código Civil (mesmo porque anterior à
Constituição), o tema [da união estável] veio as ser incluído durante os
trâmites de votação, como o Título III do Livro do Direito de Família [30]".
Todavia, igualmente as normatizações que trataram da união estável, o
Diploma vigente desprezou a importância da possibilidade dos conviventes
estabelecerem entre si um contrato dispondo dos direitos patrimoniais da
relação.O CC/02, em concordância com a Lei 9.278/96 [31], estabelece que o
regime de bens da união estável será o da comunhão parcial, salvo disposição
escrita em contrário - art. 1.725 [32]. Interpretando extensivamente este
dispositivo legal, temos que não é vedado as partes o livre acordo acerca
dos direitos disponíveis envolvidos na relação. Reside aí uma pequena (e
insuficiente) previsão acerca dos contratos de convivência.2.4
O contrato de convivência no Estatuto das Famílias. Salutarmente encabeçado
pelo IBDFAM [33] há em tramitação no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº
2.285/2007, que visa revogar todo o livro de Família do Código Civil
vigente, substituindo-o pelo moderno Estatuto das Famílias.Neste projeto, no
trecho dedicado à união estável, é expressamente previsto o contrato de
convivência: dispõe este PL que "na união estável, os conviventes podem
estabelecer o regime jurídico patrimonial mediante contrato escrito [34]", e
mais, toda ação judicial referente a esta forma de família deverá "ser
instruída com o contrato de convivência, se existir [35]".A união estável
(...) é regida pela CF, art. 226, § 3°, que foi regulamentado pelas Leis ns.
8.791/1994 e 9.278/1996, que também continuam vigendo parcialmente, e pelo
atual Código Civil, arts. 1.723/7, não obstante presente, ainda, em muitos
outros dispositivos embora não disposta expressamente, havendo ainda em
tramitação legislativa projetos para aperfeiçoamentos, devido à forma
açodada em que foi incluída na redação final do Código Civil [36].Resta-nos
acompanhar o trabalho dos legisladores pátrios e apurar detalhadamente o
progresso destes projetos de lei em tramitação (especialmente o do Estatuto
das Famílias) [37].2.5
O contrato de convivência no direito comparado: o PACS francês. Embora no
Brasil ainda muito se discuta sobre a validade, eficácia e parâmetros do
contrato de convivência - talvez por conta do desleixo legislativo -, alguns
países já têm as bases deste instrumento consolidadas.Neste diapasão, o
maior exemplo emana do Direito francês: estabeleceu-se em 1999, naquele
país, o PACS (Pacte civil de solidarité - Pacto civil de solidariedade)
[38], "destinado à auto-regulamentação das relações afetivas hetero e
homossexuais, bem como atribuindo uma definição legal à figura do
concubinato [39]".O PACS é um "contrato firmado entre duas pessoas físicas
maiores, para organizar a vida comum", precisa o art. 1º da lei.
Deu-se preferência a esse conceito voluntarista de "contrato" sobre a noção
de "atestado", mais fraca do ponto de vista do comprometimento dos
co-contratantes [40].Temos aqui ressaltada a importância da atenção ao
direito comparado (principalmente no que tange à experiência francesa), pois
"o PACS representa o regramento proposto para o que aqui designamos contrato
de convivência, indicando a França como precursora do tratamento legislativo
específico à auto-regulamentação dos efeitos patrimoniais do concubinato
[41]".
3 Especificidades do contrato de convivência.3.1 Formação e estrutura. O
contrato de convivência, comumente conhecido como contrato de união estável,
não reclama forma determinada estabelecida por Lei, porém suas cláusulas não
poderão ser vetadas pelos dispositivos legais, nem sevadas de vícios e
ilicitudes.Qualquer manifestação conjunta dos conviventes, mesmo que não
objetive especificamente a união vivenciada, terá força probatória e status
quo de contrato de convivência [42].Na celebração do contrato em estudo
segue-se a regra do art. 104 do Código Civil [43]. Exige-se:
a) agentes capazes; b) objeto lícito; c) forma escrita; e d) relação de
união estável.É nítido, neste aspecto, o interesse jurídico pelo instituto
da união estável. As manifestações particulares entre as partes da relação
terão interpretação extensiva quanto:
a) a provar a existência fática da relação; e b) delimitar os efeitos
patrimoniais disponíveis.Sendo assim, como já havíamos salientado, o
contrato de convivência tem sua validade condicionada à própria realidade
vivenciada pelo casal, ou seja, à própria união estável.
Noutro ponto, bem sabemos que o estabelecimento desta forma de contrato não
é obrigatório; entretanto, conforme recomenda Euclides Benedito de Oliveira,
sua formulação é de extrema utilidade, definindo temporalmente a relação e
estipulando a formação e divisão do patrimônio dos conviventes [44].
Salientamos que o contrato de convivência não reclama forma específica,
porém, não poderá ser firmado oralmente. Noutras palavras: deverá ser
necessariamente escrito. Esta é a vontade dos únicos artigos que fazem
menção à própria existência desta espécie contratual: art. 5° da Lei nº
9.278/96 [45] e art. 1.725 do CC/02.Exceto a forma escrita, não são postas
quaisquer outras exigências, tais como:
a) testemunhas; b) instrumento público ou particular [46], genérico ou
específico; c) limitações de cláusulas, etc. Todas estas disposições ficam a
cargo das partes envolvidas.3.2 Momento de celebração.
Todo momento - desde que durante a relação de união estável - é oportuno
para a feitura do contrato de convivência. As partes podem acordar quando
bem desejarem, dependendo, somente, da própria existência da relação
familiar em voga.Registramos, por conseguinte, divergências doutrinárias
quanto à devida ocasião de celebração desta espécie contratual:
enquanto há defensores de que este pacto tem que ser firmado na constância
da união estável, como Grieco B. Pessoa e Francisco Cahali, outros são
causídicos da tese de que este contrato tem que ser firmado anteriormente à
constatação da relação fática, como Guilherme Calmon e Albuquerque
Pizzolante [47].
Acerca desta controvérsia suscitada, é salutar a divisa desenvolvida por
Pietro Perlingieri - "Teoria da regulamentação exclusivamente remetida à
autonomia privada". Neste pensamento, analisa-se a união estável sob o
prisma do pacto contratual realizado anteriormente à própria existência
material desta relação, fundando-se na autonomia privada.
Porém, o próprio Perlingieri refuta esta teoria.(...) imaginou traduzir a
exigência de liberdade que a escolha de viver fora do vínculo matrimonial
exprime remetendo a regulamentação da autonomia privada. Toda exigência de
tutela feita por um dos conviventes encontraria resposta se e somente se os
conviventes tivessem preventivamente, através de negócios jurídicos,
disciplinado tal exigência. A autonomia privada, deve-se replicar, não é um
valor em si mesmo.
Todo ato e portanto toda relação, para ter validamente ingresso na
juridicidade e na tutela do ordenamento, que se caracteriza pela promoção
social e pela garantia da pessoa, deve ser submetido a um controle normativo
de valor, a uma valoração positiva. A essa valoração não se subtrai o acordo
entre os conviventes de fato seja no momento constitutivo, seja naquele
modificativo e extintivo: uma solução contrária teria como conseqüência, em
concreto, o sacrifício do cônjuge econômica ou afetivamente mais frágil, e,
por isso, com menor força "contratual" [48].
Logicamente, a idéia de que este pacto deva ser estabelecido anteriormente à
data inicial da união é impraticável, isto porque, sendo entidade informal,
desestatizada, dificilmente tem-se o termo primeiro da relação [49]. Ainda
assim, não sendo ato obrigatório, este contrato deverá ser estabelecido
quando os conviventes (partes) considerarem necessário.
3.3 Cláusulas (conteúdo) e seus efeitos. Referente ao contrato de
convivência, discutido o momento para a sua celebração - que poderá ser a
qualquer época desde que no período de vigência da união estável - resta-nos
delimitar as suas cláusulas e seus efeitos.Os resultados deste contrato
serão múltiplos:
contudo, indispensavelmente, tocarão direitos disponíveis, relacionando-se,
na maioria das vezes, com o patrimônio.Referente as cláusulas do contrato,
ressaltamos: além de formalizar juridicamente interesses futuros, "nada
impede, também, que seja concluído pelos interessados atingir situações
pretéritas, como definir a propriedade de um bem adquirido anteriormente
pelo casal [50]". Neste mesmo sentido, posiciona-se Cahali: "as partes são
livres para decidir sobre seu patrimônio, passado ou futuro [51]" - deverão
atentar, somente, para as limitações de ordem legal, moral, de costumes e de
boa-fé.
Desta feita, as disposições serão estabelecidas a partir de livre motivação
dos conviventes e poderão versar sobre todos os direitos disponíveis da
relação. É possível discorrer, até mesmo, sobre a forma de solução dos
possíveis litígios oriundos do término da união: a cláusula de arbitragem,
por exemplo, é possivelmente permitida e salutar.Não se deve caminhar para o
rigor excessivo quando se interpreta e examina o contrato. É possível que
ele seja elaborado pelos próprios conviventes, sem maior rigor técnico.
O que importa é a sua autenticidade e que o seu conteúdo seja legalmente
aceito [52].Sistematizando nosso estudo, suscitado que os acordos de
convivência seguem a regra geral dos contratos e que são de espontânea
estipulação das partes - desde que seu conteúdo seja disponível - temos que
sua finalidade é "adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir
direitos [53]". Ainda assim, a abrangência das cláusulas contratadas poderá
ser dilatada ou restringida, produzindo (ou não) os efeitos previstos;
noutros termos, "verifica-se a abrangência variada da convenção, de acordo
com a intenção manifestada pelas partes [54]".
As cláusulas terão efeitos obrigatórios somente entre os contratantes, não
valendo para terceiros: noutros termos, não se pode obrigar que outrem
reconheça o contrato firmado entre os conviventes. É a regra do Diploma
Privado [55].
Ainda assim, aos dispositivos que visarem regulamentar direitos
indisponíveis não será creditada validade. Do mesmo modo, a nulidade de
alguma cláusula não compromete o contrato como um todo, principalmente
quanto ao seu valor comprobatório da relação de união estável.Elucidando o
exposto, temos que no contrato de convivência, respeitados os limites de
disponibilidade legal pré-estabelecidos, dispõem as partes de liberdade para
estipularem os tópicos desejados e os efeitos pretendidos (que incidirão
sobre o passado, o presente ou o futuro, dependendo das cláusulas
estabelecidas) - porém quanto a terceiros, os efeitos decorrentes serão
restritos.
3.3.1 O regime de bens como cláusula do contrato de convivência. Bem sabemos
que, quanto ao casamento, uma vez adotado o regime de bens este é
definitivo, salvo rara exceção (art. 1.639, § 2°, CC/02) [56]. Contudo, esta
regra não se aplica às uniões estáveis - nestas, este regime "poderá ser
firmado em contrato escrito pelas partes, sem nenhuma maior exigência da lei
[57]".
Sendo assim, "o principal objetivo desses contratos é a modificação da
presunção de condomínio, prevista na lei, quanto aos bens adquiridos
onerosamente na constância da convivência [58]".Aos companheiros é facultada
a escolha do regime de bens [59], desde que esta opção seja manifestada
expressamente no contrato de convivência. No silêncio dos conviventes, o
regime que aplicar-se-á será o da comunhão parcial de bens (art. 1.725 CC/02).Temos,
portanto, que uma cláusula específica do contrato de convivência poderá
versar sobre o regime de bens vigente. Encontramos, também, que este termo
não é perpétuo, ou seja, as partes poderão de livre acordo - desde que
dentro do lapso temporal da união estável vivenciada -, alterar o regime que
rege a relação.
A própria estrutura informal da união estável permite estas singularidades
quanto aos direitos disponíveis, ou, como bem coloca SanTiago Dantas: "o
regime de bens se impõe por circunstâncias históricas e o legislador não
pode fazer variar a seu arbítrio; é quase sempre um costume da população
[60]".3.2 Alterações e extinção do contrato de convivência.
O contrato de união estável poderá ser modificado a qualquer tempo, sem
maiores restrições: é possível a supressão completa ou a alteração de
cláusulas específicas; contudo, exige-se anuência dos companheiros outrora
contratantes.
"Nada existe no ordenamento brasileiro, portanto, que impeça os conviventes
de estipularem quanto aos seus bens, no momento em que julgarem necessário
[61]".Não se reclama, nem mesmo, a exclusividade de um único pacto de
convivência: múltiplos documentos poderão versar sobre os direitos
disponíveis da relação, desde que toquem objetos distintos.
Caso dois contratos discorram sobre o mesmo assunto, seguir-se-á a regra
temporal: o predecessor revogará o antecessor.Noutro sentido, podem as
partes de comum acordo, pactuarem pelo fim do contrato de convivência: esta
extinção segue a regra do Código Civil (art. 472 [62]), porém, com algumas
especificidades: sendo a união estável condicio iuris para a formulação
contratual, o término desta relação fática ocasiona a dissolução deste
pacto. Neste diapasão, a morte de um dos contratantes também põe termo ao
acordo firmado.
Salientamos que, havendo qualquer discordância quanto as cláusulas, efeitos
ou demais parâmetros do contrato de convivência, o Poder Judiciário poderá
ser provocado - nestes casos, a competência será das Varas de Família. 4
Conclusão.Diante de todo o constatado, levantamos neste artigo algumas
observações salutares ao tema do contrato de convivência e sua inserção no
mundo da união estável. Ressaltamos a importância deste instrumento jurídico
para a delimitação das bases patrimoniais da relação afetiva informal e como
comprovante da própria existência fática desta forma de família.Contudo,
apesar de saliente importância, poucos doutrinadores se debruçaram sobre o
tema aqui estudado. Entendemos que o contrato de convivência adquirirá maior
notoriedade, ao passo que as relações de união estável demonstram-se cada
vez mais salientes no contexto jurídico brasileiro.
Utilizando-se do contrato, conforme nos indica Villaça, os conviventes
poderão "programar toda sua vida econômico-financeira [63]", o que, sem
dúvidas, gera uma grande margem de segurança à própria união estável.Mesmo
não previsto positivamente pela legislação, muito em culpa do veto
presidencial aos arts. 3°, 4º e 6º do PL 1.888/91, o contrato de união
estável é um artifício de vasta utilidade dentro do contexto familiar.Noutro
ponto, ressalta Pietro Perlingieri que "a intervenção do legislador neste
setor deve ser evitada [64]"; embora saibamos da premissa de que a própria
liberdade pretendida pelos que vivem sob o regime da união estável recusa a
maciça positivação jurídica dos parâmetros desta relação, temos que atentar
para a segurança das disposições patrimoniais desta união.
Neste aspecto, interessante seria a estipulação de certas regras para a
lavratura do contrato de convivência - a fim de dirimir incertezas e
garantir maior confiança jurídica ao instrumento.Neste diapasão, diante do
contexto societário vivenciado atualmente "não há como negar eficácia a
instrumento, firmado pelos companheiros, auto-regulamentando os efeitos
patrimoniais da relação [65]".
O contrato de convivência faz-se necessário para estipular claramente as
bases sobre as quais a relação de união estável está sedimentada, afastando
maiores dúvidas quanto a manifestação da vontade dos envolvidos: não devem
os conviventes se furtarem da oportunidade de aproveitar este recurso. 5
Referências bibliográficas.
AZEVEDO, Álvaro Villaça. A união estável no novo Código Civil. Jus Navigandi,
Teresina, ano 8, nº. 191, 13 jan. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4580>.
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