Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza
Titular do 2º Ofício de Registro de Imóveis de Teresópolis - R.J.
A Lei 8.935, de 18 de novembro de 1.994, ao regulamentar o art. 236 da
Constituição Federal definiu os tabeliães e registradores como profissionais
do direito.
Dispõe o art. 3° da referida lei:
“Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são
profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o
exercício da atividade notarial e de registro” (grifo nosso).
Passados mais de dez anos de vigência da lei lamentavelmente ainda vemos
alguns tabeliães e registradores agindo como simples amanuenses e,
especialmente, uma gama de pessoas que não os vêem como verdadeiros
profissionais do direito. Infelizmente dentre tais pessoas muitas vezes nos
deparamos com integrantes do Poder Judiciário, incumbido pela Carta Magna da
fiscalização dos atos praticados por tabeliães e registradores (§1°
do art. 236, in fine), sem que tal poder, contudo, importe em
subordinação hierárquica no exercício das funções. O limite do poder de
fiscalização dos atos pelo Judiciário é ainda ponto nebuloso no exercício da
atividade, agravado pela ausência de regulamentação de normas legais
relativas à atividade e pela existência de custos, agregados aos
emolumentos, que se destinam ao Poder Judiciário e outras entidades, fazendo
vicejar um cipoal de normas administrativas que servem de antolhos aos
tabeliães e registradores.
O momento, no entanto, é de afirmação da qualidade conferida pela Lei 8.935.
O Poder Legislativo tem reconhecido tal qualidade e cabe aos tabeliães e
registradores se fazerem respeitar como profissionais do direito. Não devem
aceitar a imposição de fórmulas; devem exercer efetivamente as funções
notariais e registrais. Claro que respeitando a fiscalização dos atos pelo
Poder Judiciário e suas decisões, mas jamais deixando de analisar sob o foco
jurídico os atos em que são chamados a intervir.
A independência jurídica dos tabeliães e registradores não é novidade na
doutrina internacional, e o “modelo da independência jurídica do registrador
e do notário, como foi antecipado, ajusta-se, entre nós, ao direito posto:
notário e oficial de registro são ‘profissionais do direito’, ‘dotados de fé
pública’ (art. 3°, da Lei 8.935/1994), gozando ‘de independência no
exercício de suas atribuições’ (art. 28, da Lei cit.).1
E em que contexto vem se dando a valorização da qualidade de profissionais
do direito? Dentro das medidas legislativas na busca de soluções mais
céleres, simples, e menos onerosas para a solução de determinadas questões,
antes de exclusiva atuação do Poder Judiciário.
Exemplificando: a Lei 9.492/97, que regulamenta os serviços concernentes ao
protesto de títulos e outros documentos de dívida, ao alargar
significativamente o rol dos documentos que podem ser apresentados ao
tabelionato de protestos; a Lei 9.307/96, que dispõe sobre a arbitragem, que
significa a resolução do litígio por meio de árbitros, com a mesma eficácia
da sentença judicial; a Lei 9.514/97, ao instituir a alienação fiduciária de
coisa imóvel e a solução extrajudicial em caso de descumprimento do contrato
(dando mais celeridade à recuperação do crédito e portanto mais eficácia à
garantia); a Lei 10.931/04, que alterou o art. 213 da Lei 6.015/73
permitindo a retificação administrativa do registro imobiliário; e
finalmente a Lei 11.441/07, que alterou o Código de Processo Civil para
permitir que o inventário e a partilha, assim como a separação e o divórcio,
na inexistência de incapazes, se façam por escritura pública.
Verifica-se, portanto, uma tendência de afastar do Poder Judiciário
conflitos que comportem outro meio de solução. A morosidade do Poder
Judiciário, já bastante assoberbado, e o custo do acesso à justiça
incrementam as atividades que permitem aos interessados ver suas questões
decididas sem intervenção do Poder em foco, que deve ser reservado para
decidir conflitos em que seu atuar seja imprescindível.
O Ministro de Estado da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, ao encaminhar ao
Presidente da República o Projeto de Lei que redundou na Lei 11.441/07,
afirmou que “Sob a perspectiva das diretrizes estabelecidas para a reforma
da Justiça faz-se necessária a alteração do sistema processual brasileiro,
com o escopo de conferir racionalidade e celeridade ao serviço de prestação
jurisdicional, sem, contudo, ferir o direito ao contraditório e à ampla
defesa. De há muito surgem propostas e sugestões, nos mais variados âmbitos
e setores, de reforma do processo civil. Manifestações de entidades
representativas, como o Instituto de Direito Processual Brasileiro, a
Associação dos Magistrados Brasileiros, a Associação dos Juizes Federais do
Brasil, de órgãos do Poder Judiciário, do Poder Legislativo e do próprio
Poder Executivo são acordes em afirmar a necessidade de alteração de
dispositivos do Código de Processo Civil e da Lei de Juizados Especiais,
para conferir eficiência à tramitação de feitos e evitar a morosidade que
atualmente caracteriza a atividade em questão. A proposta prevê a
possibilidade de realização de inventário e partilha por escritura pública,
nos casos em que somente existam interessados capazes e concordes. Dispõe,
ainda, a faculdade de adoção do procedimento citado em casos de separação
consensual e de divórcio consensual, quando não houver filhos menores do
casal. Entendo não existir nenhum motivo razoável de ordem jurídica, de
ordem lógica ou de ordem prática que indique a necessidade de que atos de
disposição de bens, realizados entre pessoas capazes - tais como os
supracitados, devam ser necessariamente processados em juízo, ainda mais
onerando os interessados e agravando o acúmulo de serviço perante as
repartições forenses” (grifos nossos).
A atuação do tabelião, seja de notas ou de protesto, e do registrador
imobiliário, vem se expandindo, como se vê pela evolução legislativa.
Reconhece o legislador federal serem os profissionais adequados, em razão de
sua tradição e de sua independência jurídica, a colaborar na solução mais
célere de diversas questões, sem que se prescinda da segurança jurídica e da
eficácia.
Os tabeliães de notas exercem relevantes funções. Frederico Henrique Viegas
de Lima2 , afirma com propriedade que “a função notarial deve
estar dotada de mecanismos que permitam a prevenção da segurança jurídica
privada. Esta atuação ocorre de duas formas: uma através da atuação
extradocumental da atividade notarial e outra, propriamente documental.
Assim, dentro do enorme feixe de deveres e finalidades da função notarial,
ao tabelião cabe, na atividade extradocumental, a função de conselheiro, de
promotor do equilíbrio contratual, controlador da legalidade pré-documental
e da identidade subjetiva. Já na esfera da atividade documental propriamente
dita, a função notarial cria uma forma notarial pública, com efeitos legais,
publicísticos e probatórios”. Atua o tabelião de notas preventivamente,
evitando litígios com a sua orientação e lavratura dos adequados
instrumentos, e também participa da solução de conflitos já instaurados e
que admitem composição na via extrajudicial.
O registrador imobiliário exerce a qualificação dos títulos que lhe são
apresentados, garantindo a segurança jurídica completa, abarcando tanto a
segurança estática quanto a dinâmica, fim almejado pela publicidade
registral. O titular do direito inscrito dele não pode ser privado sem seu
consentimento ou sem determinação judicial (segurança estática), e o
adquirente de um direito subjetivo imobiliário deve estar a salvo de
qualquer ataque por elementos que não constassem do registro por ocasião da
aquisição (segurança dinâmica). A segurança no tráfico imobiliário, com a
proteção daqueles que confiaram no teor dos registros, se atinge com a
publicidade registral a permitir potencialmente o conhecimento geral do que
se publica, com efeitos erga omnes.
A celeridade na recuperação dos créditos, permitindo o regular funcionamento
das atividades econômicas, é fortemente amparada pelos tabelionatos de
protestos.
Entretanto, editada recentemente a Lei 11.441/07, que valorizou enormemente
a profissão dos tabeliães e registradores, vivemos momentos de perplexidade.
Muitos aguardam orientações das Corregedorias para aplicação da lei; algumas
Corregedorias, extrapolando suas funções, se movimentam para expedir normas
(3e4) , chegando a do Estado do Acre a criar
modelos a serem seguidos 5 .
Como profissionais do direito, com independência jurídica, devem tabeliães e
registradores praticar os atos como autorizados pela lei. Não dependem de
qualquer orientação ou autorização administrativa, nem a elas estão
sujeitos. Em verdade, tabeliães e registradores não podem deixar de praticar
os atos solicitados pelos interessados que preencham os requisitos legais,
cabendo-lhes dar a correta interpretação jurídica aos dispositivos legais
aplicáveis. São ônus do exercício da função. O que devem, e efetivamente
fazem, é debater e analisar os avanços legislativos em seus institutos de
estudo, para que atuem sempre com mais segurança.
Diante da inexorável conclusão de que as circunstâncias favorecem a
afirmação da qualidade de profissionais do direito, como tais devem agir
todos os tabeliães e registradores.
Encerro transcrevendo pensamento do Dr. Ricardo Dip6 :
“decidir que futuro haverá para as instituições do registro e das notas é
escolher já, como faz quem se adverte responsável pelo tempo que passa, se
essas instituições detêm liberdade jurídica para sua atuação profissional.
Sem essa liberdade, correm risco de com ela morrerem a autonomia de vontades
e a propriedade particular. Nisso há também um risco da decisão, mas esse
risco é o que valoriza a liberdade”. E na esteira da Lei 11.441/07 devemos
já afirmar e confirmar a independência jurídica dos tabeliães e
registradores, profissionais do direito.
NOTAS
1 DIP, Ricardo, Registro de Imóveis (Vários Estudos), Safe, Porto
Alegre, 2.005.
2 LIMA, Frederico Henrique Viegas de, Direito Imobiliário
Registral na Perspectiva Civil- Constitucional, Safe, Porto Alegre, 2.004.
3 CORREGEDORIA-GERAL DE JUSTIÇA - GABINETE DO CORREGEDOR-GERAL DE
JUSTIÇA
AVISO - O Corregedor-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais,
Desembargador José Francisco Bueno, no uso de suas atribuições legais,
Considerando as inúmeras consultas formuladas acerca da Lei Federal nº
11.441, de 04/01/2007, que alterou dispositivos do Código de Processo Civil,
possibilitando a realização de inventário, partilha, separação e divórcio
consensual por via administrativa, Comunica aos Juízes de Direito, Notários
e Registradores do Estado de Minas Gerais que a Corregedoria Geral de
Justiça está realizando os estudos sobre as implicações da matéria e que,
posteriormente à reunião do dia 15/02/2007, a convite do Exmo. Corregedor
Nacional de Justiça, no Conselho Nacional de Justiça, será baixado ato
normativo para disciplinar o cumprimento dos dispositivos constantes do
referido diploma legal. Belo Horizonte, 29 de janeiro de 2007. (a)
Desembargador José Francisco Bueno Corregedor-Geral de Justiça.
4 Portaria 1/2007 O Desembargador GILBERTO PASSOS DE FREITAS, Corregedor
Geral da Justiça do Estado de São Paulo, com base no artigo 221, incisos XXX
e XXXII, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça, CONSIDERANDO o advento
da Lei Federal n. 11.441, de 4 de janeiro de 2007, que possibilita a
realização de inventário, partilha, separação e divórcio consensuais por via
administrativa;CONSIDERANDO que a efetivação dessa lei, em vigor desde sua
publicação, reclama a lavratura de escrituras públicas e a prática de outros
atos notariais por unidades sujeitas à atividade da Corregedoria Geral da
Justiça,RESOLVE: Instituir GRUPO DE ESTUDOS composto pelos Desembargadores
JOSÉ ROBERTO BEDRAN e JOSÉ RENATO NALINI, pelos Juízes de Direito MARCELO
MARTINS BERTHE, MÁRCIO MARTINS BONILHA FILHO e VICENTE DE ABREU AMADEI, pelo
Defensor Público VITORE ANDRÉ ZILIO MAXIMIANO, pela Advogada MÁRCIA REGINA
MACHADO MELARÉ e pelo Tabelião de Notas PAULO TUPINAMBÁ VAMPRÉ, para a
apresentação, até o dia 5 de fevereiro de 2007, de conclusões quanto à
prática dos atos notariais relativos à Lei Federal n. 11.441/2007, com
manifestação sobre a conveniência de se editar ato normativo a respeito.
Publique-se. Registre-se. Cumpra-se. São Paulo, 10 de janeiro de 2007. (a)
GILBERTO PASSOS DE FREITAS, Corregedor Geral da Justiça.
5 PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO ACRE - Tribunal de Justiça -
Corregedoria-Geral da Justiça -PROVIMENTO N.º02/2007 - “Institui as normas a
serem observadas para lavratura de Escrituras Públicas de Separação,
Divórcio, Inventário e Partilha.” O Corregedor-Geral da Justiça do Estado do
Acre, Desembargador Arquilau de Castro Melo, no uso de suas atribuições
contidas no art. 54, VIII, do RITJ/AC e, CONSIDERANDO a publicação da Lei
n.º 11.441, de 04 de janeiro de 2007, que alterou os arts. 982, 983 e 1.031,
da Lei n.º5.869/73 (Código de Processo Civil), bem como adicionou à mesma o
art. 1.124-A; CONSIDERANDO a necessidade de orientar os Notários sobre os
procedimentos a serem observados para lavratura das referidas Escrituras
Públicas, bem assim de tornar uniformes os seus termos, R E S O L V E: Art.
1º. Instituir as normas a serem observadas e adotadas pelos Tabeliães dos
Tabelionatos de Notas, em todo o Estado do Acre, para lavratura de
Escrituras Públicas de Separação, Divórcio, Inventário e Partilha, nos
termos que seguem. Art. 2º. Ficam instituídos os modelos de escrituras
públicas constantes nos Anexos. Art. 3º. Este Provimento entra em vigor na
data de sua publicação. Publique-se e cumpra-se. Rio Branco, 15 de janeiro
de 2007. Desembargador Arquilau de Castro Melo - Corregedor-Geral da
Justiça.
6 DIP, Ricardo, obra citada, pág. 132.