(LEI N° 12.100, DE 27 DE NOVEMBRO DE 2009).
1. Introdução
O presente artigo visa a contribuir para a orientação jurídica do trabalho a
ser desenvolvido pelo Registro Civil de Pessoas Naturais na realização de
retificações extrajudiciais de assentos de registro civil em virtude da
edição da Lei n° 12.100, de 27 de novembro de 2009.
2. A retificação de assento de nascimento
Houve um tempo em que o rigor formal na identificação da necessidade de
existência de erro a ser corrigido em assento de registro civil muitas vezes
impediu essa prática, impondo às pessoas o jugo da inalterabilidade do
registro, ainda que o conteúdo desse registro restasse em desacordo com a
realidade fática de suas vidas.
Os Tribunais, ao longo do tempo, entretanto, empenharam-se em minimizar esse
rigor dos juristas mais formalistas.
Até mesmo o grande tratadista de nosso Direito Registral, SERPA LOPES,
procurou, no nível doutrinal, mitigar o rigor usual então vigorante, em que
pese ter baseado o seu conceito de retificação como sendo o de um processo
destinado a sanear erros havidos nos assentos do Registro Civil, sejam eles
erros de fato ou de direito. Pode-se notar que procurou ampliar a
caracterização do erro como fundamento autorizador da correção do assento
inexato, introduzindo expressões outras que esclareciam e alargavam o
entendimento do que se podia ou devia considerar como erro, pois, na
verdade, o fato é que o conceito jurídico de erro vinha sendo aplicado de
uma forma demasiadamente restritiva. Assim manifestou esse tradicional
doutrinador:
"RETIFICAÇÃO - A retificação é um processo destinado a restabelecer a
verdade das declarações contidas nos assentos do Registro civil, desfazendo
o erro de facto ou de direito ou preenchendo uma omissão, produzidos por
declarações ideológica ou materialmente erradas ou deficientes, bem como
declarações consignadas de um modo diverso pelo Official, em conseqüência de
erro ou engano, na reprodução do que tiver ouvido."
Foram muitas as decisões judiciais que procuraram sintonizar o rigor formal
dos magistrados ao bom-senso na realização da justiça, pois passou a
predominar, nessa questão, a visão de que o conteúdo do registro devia
procurar adequar-se, ao máximo, à realidade da vida civil da pessoa do
registrado, conforme pode ser visto em caso apresentado por WALTER CENEVIVA:
"A matéria foi suscitada em questão na qual pessoa registrada como Djaly
pediu retificação para Djali conforme certidão de casamento, título de
eleitor, diploma de professora, carteira profissional, título de nomeação
para o serviço público estadual, que exibiu. Sua pretensão foi indeferida,
pois erro não houvera. O entendimento do tribunal foi o de que "embora não
havendo erro evidente na grafia do nome sempre usado pela apelante, na sua
vida civil e funcional". Por esse motivo, reformou a sentença."
As retificações, assim como outras modificações registrais que envolvem o
acertamento do registro civil (restaurações e suprimentos) tradicionalmente
demandaram autorização judicial para que fossem procedidas, nos termos do
que previa a Lei dos Registros Públicos.
A partir da Lei n° 12.100/2009, entretanto, essa autorização passou a ser
inexigível, fazendo surgir, no âmbito do Registro Civil de Pessoas Naturais,
a possibilidade de retificação extrajudicial de assentos, ainda que as
normas regulamentares gaúchas, contempladas na Consolidação Normativa
Notarial e Registral da CGJ-RS, a autorizasse, sem supedâneo legal expresso,
na forma do que dispõe seu art. 199:
"Art. 199 - A retificação de erros de grafia e outros erros evidentes,
constantes nos assentos do registro civil, poderá ser processada no próprio
ofício registral onde se encontrar o assento, mediante petição assinada pelo
interessado ou seu procurador, sem ônus para o mesmo.
Parágrafo único - As demais retificações, restaurações e suprimentos serão
feitos de acordo com o previsto nos arts. 109 e parágrafos e 110 e
parágrafos da Lei dos Registros Públicos."
Assim, estava autorizada, pela citada norma regulamentar, a retificação
extrajudicial de erros de grafia e outros erros evidentes, quando fosse
possível aferir a evidência do erro, pelos elementos disponíveis, arquivados
no próprio Ofício de Registro Civil, já que tais erros - integrantes de uma
mesma categoria - eram apenas erros de grafia ou de trasladação de dados
originalmente apresentados à feitura do registro. Nesse aspecto a
retificação era admitida, na praxe administrativa, também ex-officio, tão
logo constatada, na Serventia, a ocorrência do erro, não ficando restrita a
requerimento da parte interessada, como faz supor a literalidade do texto
normativo.
O pioneirismo e o acerto da norma regulamentar gaúcha, já transcrita,
restaram, na nossa forma de ver, prejudicados em razão da vigência do novo
texto legal, como procuraremos demonstrar a seguir.
2.1 Da reforma legal que possibilitou a retificação extrajudicial
Primeiramente, a Lei n° 12.100/2009 alterou o art. 40 da Lei dos Registros
Públicos (LRP) para o fim específico de permitir que a retificação de
assentos de registro civil pudesse passar a ser realizada, sem a necessidade
de sentença proferida pela autoridade judicial competente. Dessa forma, não
somente aquela retificação realizada por ocasião da lavratura do assento,
mas também aquela prevista na nova redação dada ao art. 110 da LRP, passou a
ser admitida extrajudicialmente.
Em segundo lugar, promoveu a alteração do art. 57 da LRP para que a
retificação extrajudicial que veio a ser instituída pelo novo art. 110 da
LRP pudesse promover a alteração, só excepcionalmente admitida, do nome do
registrado, independentemente de sentença e de outros requisitos ali
referidos (arquivamento do mandado no Ofício de Registro Civil e publicação
da alteração através da imprensa).
Por fim, a nova Lei alterou a redação do art. 110 da LRP para especificar os
contornos da hipótese na qual passou a ser admitida a retificação
extrajudicial de assento de registro civil, apresentando a seguinte dicção:
"Art. 110 - Os erros que não exijam qualquer indagação para a constatação
imediata de necessidade de sua correção poderão ser corrigidos de ofício
pelo oficial de registro no próprio cartório onde se encontrar o
assentamento, mediante petição assinada pelo interessado, representante
legal ou procurador, independentemente de pagamento de selos e taxas, após
manifestação conclusiva do Ministério Público."
Pela comparação entre o texto original do projeto de lei, proposto
inicialmente na Câmara Federal, em 2007, pelo Deputado Cláudio Magrão e,
posteriormente, pelo Deputado Dimas Ramalho, em 2009, podemos verificar que
a redação originalmente dada ao instituto da retificação extrajudicial,
visando à sua introdução no âmbito do Registro Civil de Pessoas Naturais,
era bastante mais vantajosa e coerente com a tradição de nossos institutos
de Direito Notarial e Registral que igualmente admitem a retificação do erro
evidente, (art. 213 da LRP, no âmbito do Registro de Imóveis, e art. 25 da
Lei nº 9.492/97, no âmbito do Tabelionato de Protesto) do que o texto que,
afinal, resultou aprovado pelo Congresso Nacional.
2.2 Da crítica ao novo instituto
O novo texto do art. 110 não utilizou a expressão "erro evidente", mas a
expressão “erros que não exijam qualquer indagação para a contratação
imediata de necessidade de sua correção”. Nesses termos, o legislador até
pode ter sido bem-intencionado ao usá-la, mas a expressão, derradeiramente,
não foi feliz já que não há como constatar-se a necessidade de corrigir ou a
própria ocorrência do erro senão pela indagação através da qual o Oficial do
Registro, através de uma operação lógica, possa evidenciar a ocorrência do
erro e a necessidade de corrigi-lo.
Bem mais feliz foi o texto do projeto de lei originalmente apresentado que
autorizava a retificação de "erro evidente de qualquer natureza" e que,
afinal, aponta que o fundamento da modificação proposta era o de introduzir
a noção de erro evidente nas retificações extrajudiciais a serem promovidas
pelo Oficial do Registro Civil. Aliás, toda a justificação do projeto se
sustentou nesse argumento.
De outra banda, foi facultada a realização da retificação pelo Oficial do
"Cartório" onde esteja depositado o assento, apontando, pois, para a
possibilidade de inércia do Oficial, mesmo diante da evidência do erro e,
consequentemente, para a necessidade de o interessado ter de manejar ação
judicial para a obtenção da retificação, diante da simples negativa do
Oficial, o que também vai de encontro a um dos principais fundamentos do
projeto: a desjudicialização da prática desses atos estatais.
Também podemos verificar que o texto legal termina por não autorizar
expressamente a retificação de ofício pelo Registrador Civil, exigindo que o
interessado requeira a retificação. Assim, num primeiro momento, dada a uma
redação imperfeita, estabeleceu-se mais essa confusão, podendo levar,
também, o Oficial, ao imobilismo frente ao erro evidentemente existente,
caso o interessado não peça a retificação, pois o sentido da expressão "de
ofício" ficou restrita a pôr em relevo a possibilidade de a retificação ser
feita extrajudicialmente, pelo próprio Oficial do Registro, e não a
autorizá-lo a, motu proprio, operar a retificação de erro por ele
evidenciado. Tal imperfeição redacional também inexistia no texto original
do projeto.
Apesar de ter afastado a necessidade de manifestação final do juiz em
relação ao caso concreto, manteve, o novo texto legal, a necessidade de
manifestação "conclusiva" do Ministério Público em relação ao pedido
formulado pelo interessado, o que, data venia, também recebia melhor
tratamento no texto do projeto original, pois previa essa manifestação do
órgão ministerial tão somente se suscitada dúvida em relação à decisão
proferida pelo Oficial do Registro. Não se trata de ser desprovida de
importância a manifestação do Parquet, mas de sua desnecessidade frente ao
erro evidente (já que este está, conceitualmente, restrito à banal
ocorrência de erros gráficos ou de transposição de dados para o assento
lavrado), desde que devidamente comprovado, basicamente através de
documentos, perante o Registrador Civil.
3. Conclusões
a) Propugnamos pela manutenção do conceito de erro evidente no âmbito da
nova praxe da retificação extrajudicial de assento de registro civil de
pessoa natural, introduzida no ordenamento jurídico brasileiro através da
redação dada ao art. 110 da LRP, pela Lei nº 12.100, de 27.11.2009, como já
consagrado nos institutos legais que o admitem no âmbito do Registro de
Imóveis (art. 213 da LRP), no âmbito do Tabelionato de Protesto de Títulos
(Lei nº 9.492/97) e, pioneiramente, na praxe administrativa do Registro
Civil de Pessoas Naturais, no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul, forte
nas disposições do art. 199 da CNNR-CGJ-RS, para que continue possível a
retificação extrajudicial, ex-officio ou a pedido do interessado, perante o
Oficial do Registro Civil de Pessoas Naturais, desse erro que é
conceitualmente consistente em erro de grafia ou de simples trasladação de
dados, ocorrido quando da lavratura original do registro.
b) Na hipótese do erro evidente, entendemos ser perfeitamente dispensável a
prévia manifestação do Ministério Público porque a retificação vai ser
operada com base em documentos que demonstrem a evidente ocorrência do erro,
autorizando o Oficial do Registro Civil a proceder de ofício, com plena
vinculação de seu ato a essa prova documental que o sujeita, objetivamente,
à demonstração de legalidade do ato frente à atribuição fiscalizadora da
atividade, que está a cargo do Poder Judiciário. Na verdade, o Oficial,
nesse caso, estará promovendo o acertamento de ato de sua própria autoria,
frente a inconfundíveis elementos de fato que o autorizam a retificar a
equívoca transposição de dados anteriormente ocorrida.
c) Para as demais hipóteses de retificação extrajudicial, nas quais não
esteja caracterizada a ocorrência do erro evidente será indispensável a
prévia manifestação do órgão ministerial com atuação na respectiva Comarca,
para a regularidade do procedimento previsto pelo novo art. 110 da LRP, que,
a teor do que dispõe seu § 1°, tem prazo de cinco dias para proferir sua
manifestação, sem prejuízo de que venha a requerer, para maior indagação, ao
juiz, a distribuição dos autos visando a um processamento mais contencioso
na viabilização da retificação, observado o rito sumaríssimo, que é aquele
específico da Lei n° 3.764/60.
Sapucaia do Sul/janeiro/2010
Fonte : Assessoria de Imprensa
Data Publicação : 26/01/2010
|