Artigo - Conheça um pouco da importância dos registros públicos na vida do cidadão

                                                                                       Carlos Renato de Oliveira C. Leão

O sentido geral da existência de registros públicos está em tornar públicos os atos e negócios, fazer o controle da sua legalidade e ainda conservar seus detalhes, pelo tempo que for necessário (alguns registros têm prazo indefinido), para garantir sua eficácia, autenticidade e segurança jurídica, constituindo e protegendo direitos dos cidadãos.

Registrar um ato ou negócio significa prevenir-se contra questionamentos inconvenientes e lesivos a direitos conquistados, bem como contra efetivos danos a esses direitos. Apesar do conhecido pensamento “melhor prevenir que remediar”, de fato não vivenciamos a cultura da prevenção. É bem mais comum procurarmos o médico depois da doença instalada do que para preveni-la, mesmo sabendo que o preço que pagamos por essa postura é normalmente mais alto. Para quase tudo há prevenção, mas para muitas coisas não há remédio. Infelizmente, a mesma postura é adotada quando tratamos de negócios ou atos jurídicos das nossas vidas particulares.

Com o crescimento da sociedade e, conseqüentemente, do volume e da complexidade dos negócios, foram criados diversos tipos de registros públicos para prevenir problemas e garantir direitos. Porém, muitos desses serviços colocados à disposição do cidadão não são efetivamente utilizados, por desconhecimento de seus valiosos efeitos.

Como exemplo, temos:

- o registro de marcas e patentes para, entre outras coisas, assegurar os direitos do inventor ou do criador de uma marca ou de um desenho industrial;

- o registro mercantil para dar conhecimento ao cidadão sobre os dados principais das empresas com as quais ele se relaciona, fazer o controle da legalidade dessas empresas e, ao mesmo tempo proteger o nome delas;

- o registro de obra literária na Biblioteca Nacional para garantir maior segurança aos direitos do autor da obra;

- os registros profissionais, como os da Ordem dos Advogados do Brasil e dos diversos conselhos profissionais (de medicina, de contadores, de engenharia e arquitetura etc.) para que o cidadão possa saber se contratou os serviços de profissional habilitado e para dar proteção ao próprio profissional.

Existem muitos outros registros e, no sentido de acompanhar a evolução da sociedade, outros registros são criados para tornar seguras novas modalidades de negócio ou ato, como é o caso de registro de domínio na internet. Para as novas situações para as quais ainda não foi criado um instituto de registro específico para prevenir direitos existe o Registro de Títulos e Documentos, que registra qualquer documento que não tenha registro próprio.

O tipo de registro mais próximo da população, por envolver os atos mais comuns da vida do cidadão e existir em praticamente todos os municípios ou pelo menos na comarca, é aquele prestado pelos serviços conhecidos popularmente como cartório ou cartório extrajudicial. É o caso do Registro de Títulos e Documentos citado acima. O termo cartório está deixando de ser usado na legislação brasileira desde a Constituição Federal de 1988, que iniciou um processo de adequação legislativa do setor para torná-lo mais eficiente no atendimento ao cidadão, incluindo a necessidade de realização de concurso público para a delegação do serviço. São eles:

- Registro de Imóveis, para garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos envolvendo bens imóveis;

- Registro Civil das pessoas naturais e de interdições e tutelas, que registra os atos essenciais da vida das pessoas, como os seus nascimentos, os casamentos, os óbitos, as adoções, alterações de nomes ou de estado civil;

- Registro Civil das Pessoas Jurídicas, que dá eficácia, publicidade e autenticidade aos atos constitutivos de associações, fundações, sociedades simples, partidos políticos e entidades religiosas, dando segurança jurídica a essas entidades e à população com a qual interagem. Além disso, nessa serventia é feita também a matrícula dos jornais, periódicos, oficinas impressoras, empresas de radiodifusão e agências de notícias, para que a livre manifestação de opinião não seja anônima ou clandestina e se preserve o direito de resposta e indenização do cidadão que sofrer dano moral, material ou à sua imagem;

- Registro de Títulos e Documentos (RTD), que acolhe os atos e negócios descritos nos artigos 127 e 129 da lei de registros públicos (Lei 6.015/73), inclusive a alienação fiduciária para que tenha efeito contra terceiros, bem como todos os atos que não tenham registro próprio (acolhendo assim qualquer situação ainda que não prevista por legislação própria), e qualquer documento para fins de conservação. Além disso, por meio do RTD são feitas as notificações extrajudiciais, valioso instrumento de solução de conflitos para se evitar demandas judiciais ou para torná-las de mais fácil resolução.

Existem também “cartórios” que não são registros públicos e são conhecidos como tabelionatos:

- Tabelionato de Notas, para formalizar a vontade do cidadão em um negócio jurídico, fazendo o controle da sua legalidade, além de autenticar fatos;

- Tabelionato de Protesto de Títulos, para realizar o protesto de documentos de dívida, proporcionando ao credor um instrumento de exigência do seu direito e garantindo ao devedor o seu direito de defesa;

A Lei 8.935, de 18 de novembro de 1994, que regulamenta o art. 236 da Constituição Federal, dispondo sobre serviços notariais e de registro, ainda fala em outras serventias menos conhecidas: o tabelionato e registro de contratos marítimos e o registro de distribuição.

Entenda como os registros efetuados pelos “cartórios” podem proteger seus direitos

A Lei 8.935/94, no seu art. 1º dispõe: “Serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos”.

A título de exemplo, um contrato de compra e venda de veículo automotor, se não for registrado no Registro de Títulos e Documentos, não tem garantia da data da sua existência ou do seu conteúdo original e por isso sua autenticidade é totalmente questionável. O registro permite acesso, a qualquer interessado, ao conteúdo do contrato, o que facilita a defesa de direitos relativos a ele. E como o registro garante a conservação eterna do documento, o próprio cidadão que adquiriu o veículo tem um instrumento de prova garantido para defesa de seus direitos. O registro do contrato, ao preservar todo o seu conteúdo e dar a ele transparência pública, gera ainda o efeito de preservar as garantias vinculadas à compra e venda desse veículo que constem no contrato.

Caso a garantia seja a alienação fiduciária do veículo, o contrato deverá conter, segundo artigo 1.362 do Código Civil, o total da dívida, ou sua estimativa, o prazo ou a época do pagamento, a taxa de juros, a descrição do veículo, com seus elementos de identificação. O registro vai gerar seus efeitos sobre essas cláusulas e ainda sobre todas as outras do contrato, com destaque para valor das prestações, taxa de quitação antecipada, taxa de abertura de crédito (TAC) e o total de tarifas incidentes, condições de pagamento, proporcionado ao consumidor de crédito, que se esforçou para adquirir veículo próprio, um instrumento de defesa de seus direitos contra cláusulas abusivas.

O elemento principal desse tipo de contrato é o direito subjetivo de propriedade do consumidor, que se resolve a seu favor bastando a liquidação do financiamento. A garantia é um somente o acessório que dá maior força para a liquidação do contrato, mas que, no caso da alienação fiduciária, na qual se considera o consumidor como depositário do veículo, pode levá-lo à prisão se ele não pagar a dívida e o veículo for roubado ou furtado ou se perder por acidente.

O registro no Registro de Títulos e Documentos (RTD) assegura eficácia aos fortes efeitos da alienação fiduciária em favor do banco, financeira ou outro agente financiador do veículo, mas também garante todos os outros efeitos de conservação da prova das obrigações entre as partes, prova da data, autenticidade do documento, transparência pública e segurança jurídica, em favor dos direitos do consumidor.

Nesse caso, a simples anotação no registro do veículo junto aos órgãos de trânsito de que existe uma alienação fiduciária tende a preservar somente o interesse do financiador da compra, deixando de preservar os demais direitos do consumidor financiado. Por isso a interpretação correta, e mais adequada à busca de direitos da população, é a de que a alienação se constitui com o registro (e portanto a transparência e garantia de autenticidade) de todo o conteúdo do contrato, feito no Registro de Títulos e Documentos, que tem atribuição legal e constitucional para isso.

É de fundamental valor para a formação da cidadania, que toda a sociedade passe a conhecer melhor as instituições democráticas, no caso os Registros Públicos conhecidos como “cartórios”, para ter os benefícios que lhe são de direito e também para poder cobrar, com propriedade, eficiência desse importante serviço.

O assunto “Registro Público” não é conhecido pela população da forma como seria o ideal, o que faria com que as pessoas usufruíssem melhor desse serviço para garantir seus direitos. Apesar dos avanços e melhorias no setor e na legislação, há ainda hoje, no Brasil, o pensamento e o discurso desestimulador da procura dos “cartórios” pelo cidadão. Esse fato já é bastante inquietante para aqueles que buscam o aprimoramento da democracia no Brasil.

Custo

Muito se fala sobre o Registro Público para desestimular o cidadão a buscar seus benefícios.

Um dos recursos mais utilizados é criticar o custo do serviço. Fala-se em taxas abusivas, em cara peregrinação do cidadão pelos cartórios, atribuem aos gastos com o serviço a alcunha de “prejuízo”.

Na verdade, quando se entende a função do registro e os benefícios que ele propicia, percebe-se que o custo é na verdade pequeno. Além de todos os efeitos já mencionados, o registro tem um efeito básico: ele conserva o documento. Assim, registrar é como fazer um seguro eterno do documento, especialmente no Registro de Títulos e Documentos. Caso a via original que a pessoa detenha se deteriore ou se perca ela pode solicitar outra via, com o conteúdo do documento totalmente preservado e autêntico, com a prova de existência do original desde a data do documento, se levado a registro em vinte dias, ou desde a data do registro se passado esse prazo.

A sensação de segurança proporcionada ao cidadão pelo registro é algo que já faz valer o seu custo. Mas o valor dessa sensação não é puramente subjetivo. Ela facilita e agiliza decisões, aumentando o volume de negócios realizados e promovendo crescimento pessoal, bem como o desenvolvimento regional e nacional. O registro, ao prevenir discussões judiciais, ainda diminui a sobrecarga que sofre atualmente o Poder Judiciário.

O registro garante direitos e facilita a sua defesa, prevenindo o cidadão contra indesejados contratempos, e também evita prejuízos financeiros.

Considere, por exemplo, a situação de se perder um certificado de conclusão de um curso que já não existe mais, mas que é de extrema importância para o seu currículo na hora de procurar um emprego. Esse documento, ao qual não há nem como atribuir valor financeiro, dada a importância para o cidadão que o perdeu, se tivesse sido registrado poderia ser refeito por meio de uma certidão cujo custo é de R$ 12,86 (doze reais e oitenta e seis centavos). Caro, abusivo? O custo para fazer o registro desse tipo de documento é de R$ 14,84 (quatorze reais e oitenta e quatro centavos) – documento sem valor financeiro declarado, com uma folha e uma via certificada ao cliente. Prejuízo ou investimento? Tendo em vista esse custo em relação ao benefício obtido, não há como não considerar o registro um investimento bastante interessante.

Para os documentos com valor financeiro declarado, o custo do registro aumenta de acordo com esse valor. Para se fazer o registro de documento de quitação, com uma folha e uma via certificada ao cliente, com valor declarado de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), por exemplo, o custo seria de R$ 437,39 (quatrocentos e trinta e sete reais e trinta e nove centavos). Considerando que a perda desse documento poderia acarretar ao devedor, ter de pagar novamente ao credor o valor de R$ 50.000,00, por não conseguir comprovar que já fez esse pagamento, e considerando o efeito de seguro do documento que o registro propicia, o custo do registro parece alto? Compare com o custo do seguro de um carro de mesmo valor. Considere ainda que o seguro do carro só vale por um ano, enquanto o efeito de seguro do documento registrado no Registro de Títulos e Documentos é eterno.

A título de exemplo, o registro de contratos de alienação fiduciária, leasing ou reserva de domínio, envolvendo veículos automotores, tem o custo máximo de R$ 163,26 (cento e sessenta e três reais e vinte e seis centavos), somados R$ 3,51 (três reais e cinqüenta e um centavos) referente ao certificado lançado na via do contrato pertencente ao apresentante do documento e mais R$ 4,20 (quatro reais e vinte centavos) por folha do documento arquivado. Se o contrato tiver dez folhas e o apresentante do documento levar duas vias certificadas, por exemplo, o custo do registro será de R$ 212,28 (duzentos e doze reais e vinte e oito centavos). Estes valores podem facilmente ser aferidos nas tabelas 5 e 8 da Lei estadual 15.424/04, que encontra-se à disposição do cidadão em qualquer Registro de Títulos e Documentos em Minas Gerais, afixada em local visível.

Acesso e Agilidade

Parte do discurso para desestimular o registro trata do acesso ao serviço e à agilidade na sua realização, afirmando que o cidadão que buscar a garantia de seus direitos com o registro passaria por uma longa peregrinação pelos cartórios. Um dos motivos que sempre foi levantado para desencorajar o cidadão a buscar o registro dos contratos com alienação fiduciária de veículos seria a dificuldade em realizá-lo, tratada pelos que não querem o registro como desumana burocracia.

Em Uberaba, o Registro de Títulos e Documentos (RTD), por exemplo, é localizado no endereço à Praça Rui Barbosa, nº 300, sala 42 (Elvira Shopping), no centro da cidade, local de fácil acesso, contando, inclusive com acesso para deficientes por elevador, e com ponto de ônibus para diversos bairros quase em frente ao prédio.

Quanto à agilidade no processo, o RTD em Uberaba, está totalmente informatizado e conta com equipe com conhecimento jurídico para realizar o registro com toda agilidade e segurança necessárias.

O processo de registro envolve análise do documento quanto à legalidade e forma, cálculo do custo, emissão de recibo detalhado (que no RTD de Uberaba é automático para todos os documentos), comparação das vias, lançamento de dados nos livros de protocolo, registro e indicador pessoal, transcrição do documento, certificação das vias, fixação do selo de fiscalização, anotações no controle de selos, no controle interno do valor a ser repassado ao Estado a título de taxa de fiscalização e no controle do valor repassado ao fundo de compensação dos atos gratuitos, arquivamento da via da serventia e finalmente liberação do documento ao cliente. Todo esse processo, no caso de contratos de financiamento, por exemplo, raramente ultrapassa quarenta e oito horas para ser concluído e, dependendo do volume de documentos a ser registrado no período, pode ser finalizado em menos de vinte e quatro horas, ou seja, no mesmo dia.

Chamar essa situação de longa peregrinação, ou de desumana burocracia, é absurdo e irreal.

Mas, para facilitar o acesso ao serviço e garantir ainda mais agilidade, os serviços de Registro de Títulos e Documentos, através das associações estaduais e das nacionais, vem estudando como a tecnologia pode contribuir para melhor atender as necessidades do cidadão.

Como exemplo, temos os convênios entre Detrans e Registro de Títulos e Documentos, já operantes em alguns Estados. Esse convênio de cooperação técnica entre os registros públicos e os Detrans foi desenvolvido para que o registro fosse feito no local correto, com comunicação informatizada e automática dos dados necessários, favorecendo o cidadão, garantindo seus direitos sem que isso acarrete qualquer aumento de tempo na concretização do negócio.

Apesar dos evidentes benefícios ao cidadão, há a tentativa de incutir o sentimento de repugnância com relação aos convênios de cooperação técnica e ao serviço registral. Os únicos interessados na não realização dos convênios seriam os que querem dificultar o registro, impedindo a transparência dos contratos entre agentes financeiros e consumidores de crédito. Tentam, assim, convencer a população afirmando que o convênio foi criado para tornar obrigatório o registro desses contratos. A verdade é que o registro completo é opção de quem quiser constituir alienação fiduciária sobre veículo. Mas querem forçar a interpretação de que a alienação fiduciária se constitui com a simples anotação de sua existência no registro do veículo junto ao Detran, para fugir do registro completo do contrato que asseguraria, não somente a existência da garantia em favor do financiador, mas todos os seus termos e condições que o consumidor pode invocar em sua defesa.

A necessidade do registro do contrato foi levantada inclusive pelo Conselho Nacional de Trânsito na Resolução 159 de 22 de abril de 2004, onde se diferencia o gravame (simples anotação da existência da garantia no Certificado de Registro de Veículos) do registro, que deve ser realizado em livro próprio com 300 folhas numeradas (veja artigo 132 da Lei de Registros Públicos – Lei 6.015/73) com arquivamento de cópia, preservando todos os dados do contrato, especialmente, a identificação do credor e do devedor; o total da dívida ou sua estimativa; o local e a data do pagamento; a taxa de juros, as comissões cuja cobrança for permitida e, eventualmente, a cláusula penal e a estipulação de correção monetária, com indicação dos índices aplicáveis; a descrição do veículo objeto da alienação fiduciária e os elementos indispensáveis à sua identificação.
O registro somente poderá ser executado por instituição que se invista de competência para tanto. A competência para esse caso é do Registro de Títulos e Documentos, conforme Lei 6.015/73 e art. 236 da Constituição Federal de 1988, regulamentado pela Lei 8.935/94. A Constituição atribui, entre outras coisas, competência do Poder Judiciário par fiscalizar o registro público, situação que não seria possível em órgão de trânsito do Poder Executivo.

A resolução determina que os órgãos de trânsito somente façam a anotação do gravame, em favor da empresa credora, depois de realizado o registro, que garante os direitos do consumidor de crédito. Somente dessa forma pode se assegurar o equilíbrio na relação entre as instituições credoras e o consumidor. O artigo 2º da resolução do Conselho Nacional de Trânsito atribui aos órgãos de trânsito responsabilidade pelo registro (mas logicamente não para efetivá-lo, sob pena de inconstitucionalidade), podendo sua execução ser conveniada com instituição investida de competência nos termos da Lei. Os convênios visam tornar operacional essa disposição.

Registro da Alienação

Sobre o texto do art. 1.361 do Código Civil que – segundo interpretação dos que não querem que esses documentos sejam registrados – autorizaria a simples anotação do gravame no Certificado de Registro de Veículo, considere ainda o comentário no livro “Novo Código Civil Comentado” – ed. Saraiva, 1ª ed., 2002, página 1199, de coordenação do Relator do Projeto que alterou o Código Civil, o então Deputado Federal Ricardo Fiúza:

“Para que a propriedade fiduciária constitua-se juridicamente, isto é, seja hábil para gerar efeitos no mundo do direito, faz-se mister, impreterivelmente, a observância dos requisitos contidos no § 1º do art. 1.361, Todavia constata-se um sério equívoco, no texto do aludido parágrafo, que compromete alguns dos efeitos caracterizadores da natureza real do próprio instituto, pois em se tratando de veículo automotor, diante do emprego da conjunção “ou” utilizada inadequadamente, ficaria excluído o registro do contrato no Cartório do Registro de Títulos e Documentos, contentando-se a norma com a simples inscrição na repartição de trânsito competente para o licenciamento, com as anotações de praxe no certificado de registro do automóvel (§ 1º, in fine).

Sem dúvida, essa não foi a vontade do legislador e, por conseguinte, não é a mens legis, tudo levando a crer que não passou de um lamentável erro de digitação que acabou passando despercebido por todos, durante as intermináveis fases de revisão. Basta que lancemos os olhos para a Lei dos Registros Públicos (arts. 127 a 131) quando trata do registro de títulos e documentos e transcrição dos respectivos instrumentos particulares. Sem nenhum sentido, sobretudo em sede de direitos reais, a prática de um negócio jurídico dessa ordem, voltada à concretização de propriedade fiduciária, realizada à margem do Registro de Títulos e Documentos.”

Ou seja, o próprio Relator do Projeto do novo Código Civil corrobora a informação de que a alternativa criada no Código Civil da alienação fiduciária constituir-se com registro no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor, “ou”, em se tratando de veículos, na repartição competente para o licenciamento, fazendo-se a anotação no certificado de registro, na verdade somente pode ter sido um erro de digitação. Isto porque os Detrans não têm competência constitucional para fazer registros, como afirmou o deputado em audiência pública da Comissão de Defesa do Consumidor, em 20/10/2004 .

A intenção do legislador seria garantir maior transparência nessa situação, fazendo com que, além da necessidade natural do registro para ser atribuir segurança jurídica para ambos os contratantes e para terceiros, ainda se anote no Certificado de Registro do veículo a existência dessa alienação constituída com o registro.

Com base nesse erro de digitação, tenta-se convencer o cidadão de que ele não deve querer o registro do seu contrato, a despeito das interpretações extraídas de resolução do Conselho Nacional de Trânsito, de entendimento referendado pelo próprio relator do Código Civil e de todas as demonstrações de que a falta do registro deixa o consumidor desguarnecido frente aos eventuais abusos cometidos por agentes financeiros. De qualquer modo, essa disposição do Código Civil não altera a lei específica de registro público (Lei 6.015/73), no seu artigo 129, inciso V que dispõe que a alienação fiduciária tem validade contra terceiros quando registrada no Registro de Títulos e Documentos (RTD).

Não há artifício por parte dos registradores para tornar obrigatório o registro. Há, sim, o entendimento consolidado de que para se constituir a alienação fiduciária (que é uma opção das partes contratantes) é necessário mais do que a simples anotação do gravame em favor da empresa credora, resguardando os interesses de somente uma dessas partes, mas deve-se resguardar a prova de todas as obrigações assumidas e os direitos pactuados entre empresa e consumidor, garantindo-se transparência e equilíbrio nessa relação.

A verdade sobre o ataque aos serviços de registro público

Resta ainda tratar da verdade acerca dos dados sobre os “cartórios”, especialmente sobre o Registro de Títulos e Documentos (que possui a atribuição para o registro da alienação fiduciária de veículos), distorcidos e omitidos em nome de interesses de quem quer enfraquecer essas instituições democráticas de registro público, em prejuízo aos consumidores. Usualmente é dito por quem defende esses interesses escusos que os RTDs são uma “mina de dinheiro” e que usam artifícios ardilosos para arrancar mais dinheiro do bolso dos brasileiros. Como referência é usado um dado fornecido pelo jornal Valor Econômico, do qual se extrai que o setor arrecada cerca de R$ 7 bilhões/ano.

O que a matéria relata , na verdade, é que os cartórios de registro civil e de imóveis, e tabelionatos de notas e de protesto movimentaram em torno de R$ 6,844 bilhões no ano passado em transações oficiais de documentos no país. Dessa análise, como se pode perceber, estão excluídos os Registros de Títulos e Documentos, bem como os Registros Civis das Pessoas Jurídicas, ambos de arrecadação bem menor.

Apesar dos dados sobre a grande arrecadação, a mesma matéria informa: “Os bacharéis de direito que decidirem aventurar-se por concursos para cartório não devem imaginar que se trata de uma atividade com ganhos fabulosos garantidos”, e ainda dá exemplos como: “As margens de lucro são restritas: chega a 15% para Paulo Gaiger Ferreira, 26º Tabelião de Notas, sediado na Praça João Mendes, Centro e local mais concorrido pelos cartórios de São Paulo”.

Além disso, a matéria divulga outros dados normalmente omitidos pelos defensores dos interesses dos agentes financeiros. Houve um importante passo na direção da profissionalização na prestação do serviço de registro, qual seja a obrigatoriedade de concurso público para a delegação do serviço. Em Uberaba, o Registro de Títulos e Documentos e Civil das Pessoas Jurídicas já é executado por delegatário aprovado em concurso público, bacharel em Direito, com pós-graduação em Direito Notarial Registral. Informações desse tipo são normalmente omitidas ou distorcidas para desestimular outros profissionais capacitados a tentarem o concurso, ou para criar na população a idéia de que o setor não exerce função relevante nem possui profissionais habilitados e prescinde deles. Para exercer a função, é exigido que o aprovado em concurso público seja bacharel em direito ou tenha a experiência de dez anos de trabalho em serviços de notas ou de registro.

O cadastro da Corregedoria Nacional de Justiça mostra ainda outros dados : “O total arrecadado pelas serventias extrajudiciais em 2006 foi de R$ 3.878.145.561,41 enquanto que em 2005 foi de R$ 3.423.996.926,93. Pelas faixas de arrecadação (dados mais completos podem ser acessados no site do CNJ, no link Serviços On-line, Atos da Corregedoria, Divulgações), somente dois cartórios arrecadaram, naquele ano, acima de R$ 24 milhões - um no Estado de São Paulo e outro no Rio de Janeiro. A faixa de arrecadação que concentra o maior número de serventias é a de R$ 12 mil a R$ 60 mil ao ano: 3.027 encontram-se nessa faixa em 2006 (cerca de 22% do total), e 3.136 em 2005 (cerca de 23% do total de serventias cadastradas).” Esses dados mostram que existem grandes desigualdades no setor que precisam ser revistas. São poucos os serviços registrais e de notas que fazem a fama de milionária de todo um setor. O setor nada tem de mina de ouro. A maioria em 2006 arrecadou entre R$ 12 mil a R$ 60 mil ao ano, ou seja, entre um mil e cinco mil reais por mês. Considere ainda que parte da arrecadação é repassada ao Estado e para diferentes fundos criados por lei, e que o restante não só remunera a atividade do oficial (sobre a qual é cobrado Imposto de Renda como pessoa física), como também paga o salário e os encargos dos funcionários contratados, mantém os custos da estrutura e é usado nos investimentos, especialmente de informatização para agilização do serviço.

Quanto à gana por arrancar mais dinheiro do bolso dos brasileiros, considere o seguinte exemplo: o registro de um contrato de alienação fiduciária de um veículo de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) tem o custo de R$ 130,66 (cento e trinta reais e sessenta e seis centavos), somados R$ 3,51 (três reais e cinqüenta e um centavos) referente ao certificado lançado na via do contrato pertencente ao apresentante do documento e mais R$ 4,20 (quatro reais e vinte centavos) por folha do documento arquivado. Se o contrato tiver dez folhas e o apresentante do documento levar duas vias certificadas, por exemplo, o custo do registro será de R$ 176,17 (cento e setenta e seis reais e dezessete centavos). Lembre os efeitos valiosos ao consumidor que o registro proporciona.

O valor da taxa de abertura de crédito (TAC) cobrada do consumidor pelo agente financeiro no mesmo contrato (alienação fiduciária de veículo no valor de R$ 25.000,00) fica em torno de R$ 500,00 (quinhentos reais). Considerando um contrato de 24 parcelas mensais a juros de 1,5% (comum nesses contratos) e, ainda, que a TAC (juntamente com outros encargos) é incluída no valor total e financiada, somente de juros sobre a TAC, o agente financeiro arrecada do consumidor mais o valor de R$ 99,04 (noventa e nove reais e quatro centavos). Aliás, fiquem atentos: sob a notícia de que a TAC será abolida, pode estar oculta a situação de simplesmente suspendê-la por um tempo para que retorne posteriormente com outro nome.

Tendo em vista a situação, podemos, como consumidores, avaliar as instituições financeiras da seguinte forma:

- agentes financeiros sérios e corretos disponibilizam àquele que adquire um bem financiado o contrato e todas as informações de interesse do consumidor;

- aqueles que se dizem afinados com os interesses do cliente, além disso, deveriam recomendar o registro do contrato no Registro de Títulos e Documentos, mostrando que nada têm a temer com a transparência e conservação do documento;

- mas, a demonstração evidente de que há, de fato, um compromisso com o cliente estaria na situação do agente financeiro que, tendo em vista o valor arrecadado com taxas embutidas no preço final e os juros sobre essas taxas, se dispusessem a pagar pelo registro do contrato no Registro de Títulos e Documentos.

Você, consumidor de crédito, como avalia a seriedade e retidão da instituição de crédito com a qual negocia?

Quanto aos agentes financeiros não tão sérios nem corretos pode-se esperar desde ocultar informações do consumidor e impedir acesso a documentos, até convencer a população a não buscar a transparência e as garantias do registro, com um discurso disfarçado de defesa do consumidor. Enquanto isso, o cidadão sai da negociação sem uma cópia sequer do contrato, mas sai com o carnê de cobrança e terá uma anotação de gravame no documento do veículo. Se a intenção é de fato defender os direitos do consumidor, exigindo uma efetiva prestação de serviço sem que lhe sejam retirados recursos desproporcional ou injustamente em favor de um setor já abonado, o discurso que critica o serviço de registro está apontado para o lado errado. A tentativa destes é, na verdade, de desencorajar a aplicação da lei que efetivamente protege o consumidor.

E quando algum agente de imprensa, que deveria fazer por merecer ter credibilidade total na divulgação de informação sobre assunto tão importante para o cidadão, ou algum representante do povo, que deveria, de fato, buscar o melhor para toda a população (mas pode estar comprometido com o interesse de quem o financia), divulgam informação no sentido de desestimular o registro, afirmando que não há qualquer prestação efetiva de serviço, somente se pode pensar que estão mal informados ou mal intencionados. Não há muita diferença na razão que alimenta esse discurso extremamente prejudicial à cidadania: má informação ou má intenção tornam-se, para o caso, pecados de mesmo peso. Mas para os simplesmente mal informados e – desejamos – bem intencionados, ainda há esperança. É preciso que acreditem na inteligência do cidadão e evitem o discurso simplório e generalista que, envolvendo qualquer classe ou setor, apenas desinforma a população, prejudica o bom representante da classe e somente favorece os maus, que assim têm mais facilidade em se misturarem e se camuflarem.

Sobre a importância de se dar transparência aos contratos de instituições financeiras, vale a pena ouvir o que tem a dizer o representante do PROCON na nossa cidade. Apesar de ainda ser um órgão que não tem suas vagas preenchidas por concurso público, como já começa a ocorrer com os “cartórios”, acredito que temos a sorte de ter servidores isentos e comprometidos com a defesa do consumidor. Aliás, o PROCON é um bom exemplo de instituição que, para que possa atingir seus objetivos, precisa que a população conheça e utilize efetivamente seus serviços. É igualmente importante que a sociedade conheça a verdade sobre o funcionamento e a importância dos serviços de Registro Público e Tabelionatos para que os seus objetivos de defesa dos interesses dos cidadãos sejam atingidos e para que a população possa também cobrar eficiência e transparência de quem exerce essas funções.

Carlos Renato de Oliveira C. Leão

Oficial do Registro de Títulos e Documentos e Civil das Pessoas Jurídicas da Comarca de Uberaba;
Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos;
Especialista em Direito Notarial e Registral pelo Instituto de Educação Continuada da PUC-MG;
Aprovado em concurso público para delegação do serviço de Registro de Títulos e Documentos e Civil das Pessoas Jurídicas da Comarca de Uberaba, em exercício da função desde 04 de abril de 2005.


Fonte: SERJUS-ANOREG/MG - 11/12/2008.

Nota de responsabilidade

As informações aqui veiculadas têm intuito meramente informativo e reportam-se às fontes indicadas. A SERJUS não assume qualquer responsabilidade pelo teor do que aqui é veiculado. Qualquer dúvida, o consulente deverá consultar as fontes indicadas.