Carlos Renato de Oliveira C. Leão
O sentido geral da existência de registros públicos está em tornar públicos
os atos e negócios, fazer o controle da sua legalidade e ainda conservar
seus detalhes, pelo tempo que for necessário (alguns registros têm prazo
indefinido), para garantir sua eficácia, autenticidade e segurança jurídica,
constituindo e protegendo direitos dos cidadãos.
Registrar um ato ou negócio significa prevenir-se contra questionamentos
inconvenientes e lesivos a direitos conquistados, bem como contra efetivos
danos a esses direitos. Apesar do conhecido pensamento “melhor prevenir que
remediar”, de fato não vivenciamos a cultura da prevenção. É bem mais comum
procurarmos o médico depois da doença instalada do que para preveni-la,
mesmo sabendo que o preço que pagamos por essa postura é normalmente mais
alto. Para quase tudo há prevenção, mas para muitas coisas não há remédio.
Infelizmente, a mesma postura é adotada quando tratamos de negócios ou atos
jurídicos das nossas vidas particulares.
Com o crescimento da sociedade e, conseqüentemente, do volume e da
complexidade dos negócios, foram criados diversos tipos de registros
públicos para prevenir problemas e garantir direitos. Porém, muitos desses
serviços colocados à disposição do cidadão não são efetivamente utilizados,
por desconhecimento de seus valiosos efeitos.
Como exemplo, temos:
- o registro de marcas e patentes para, entre outras coisas, assegurar os
direitos do inventor ou do criador de uma marca ou de um desenho industrial;
- o registro mercantil para dar conhecimento ao cidadão sobre os dados
principais das empresas com as quais ele se relaciona, fazer o controle da
legalidade dessas empresas e, ao mesmo tempo proteger o nome delas;
- o registro de obra literária na Biblioteca Nacional para garantir maior
segurança aos direitos do autor da obra;
- os registros profissionais, como os da Ordem dos Advogados do Brasil e dos
diversos conselhos profissionais (de medicina, de contadores, de engenharia
e arquitetura etc.) para que o cidadão possa saber se contratou os serviços
de profissional habilitado e para dar proteção ao próprio profissional.
Existem muitos outros registros e, no sentido de acompanhar a evolução da
sociedade, outros registros são criados para tornar seguras novas
modalidades de negócio ou ato, como é o caso de registro de domínio na
internet. Para as novas situações para as quais ainda não foi criado um
instituto de registro específico para prevenir direitos existe o Registro de
Títulos e Documentos, que registra qualquer documento que não tenha registro
próprio.
O tipo de registro mais próximo da população, por envolver os atos mais
comuns da vida do cidadão e existir em praticamente todos os municípios ou
pelo menos na comarca, é aquele prestado pelos serviços conhecidos
popularmente como cartório ou cartório extrajudicial. É o caso do Registro
de Títulos e Documentos citado acima. O termo cartório está deixando de ser
usado na legislação brasileira desde a Constituição Federal de 1988, que
iniciou um processo de adequação legislativa do setor para torná-lo mais
eficiente no atendimento ao cidadão, incluindo a necessidade de realização
de concurso público para a delegação do serviço. São eles:
- Registro de Imóveis, para garantir a publicidade, autenticidade, segurança
e eficácia dos atos jurídicos envolvendo bens imóveis;
- Registro Civil das pessoas naturais e de interdições e tutelas, que
registra os atos essenciais da vida das pessoas, como os seus nascimentos,
os casamentos, os óbitos, as adoções, alterações de nomes ou de estado
civil;
- Registro Civil das Pessoas Jurídicas, que dá eficácia, publicidade e
autenticidade aos atos constitutivos de associações, fundações, sociedades
simples, partidos políticos e entidades religiosas, dando segurança jurídica
a essas entidades e à população com a qual interagem. Além disso, nessa
serventia é feita também a matrícula dos jornais, periódicos, oficinas
impressoras, empresas de radiodifusão e agências de notícias, para que a
livre manifestação de opinião não seja anônima ou clandestina e se preserve
o direito de resposta e indenização do cidadão que sofrer dano moral,
material ou à sua imagem;
- Registro de Títulos e Documentos (RTD), que acolhe os atos e negócios
descritos nos artigos 127 e 129 da lei de registros públicos (Lei 6.015/73),
inclusive a alienação fiduciária para que tenha efeito contra terceiros, bem
como todos os atos que não tenham registro próprio (acolhendo assim qualquer
situação ainda que não prevista por legislação própria), e qualquer
documento para fins de conservação. Além disso, por meio do RTD são feitas
as notificações extrajudiciais, valioso instrumento de solução de conflitos
para se evitar demandas judiciais ou para torná-las de mais fácil resolução.
Existem também “cartórios” que não são registros públicos e são conhecidos
como tabelionatos:
- Tabelionato de Notas, para formalizar a vontade do cidadão em um negócio
jurídico, fazendo o controle da sua legalidade, além de autenticar fatos;
- Tabelionato de Protesto de Títulos, para realizar o protesto de documentos
de dívida, proporcionando ao credor um instrumento de exigência do seu
direito e garantindo ao devedor o seu direito de defesa;
A Lei 8.935, de 18 de novembro de 1994, que regulamenta o art. 236 da
Constituição Federal, dispondo sobre serviços notariais e de registro, ainda
fala em outras serventias menos conhecidas: o tabelionato e registro de
contratos marítimos e o registro de distribuição.
Entenda como os registros efetuados pelos “cartórios” podem proteger seus
direitos
A Lei 8.935/94, no seu art. 1º dispõe: “Serviços notariais e de registro são
os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a
publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos”.
A título de exemplo, um contrato de compra e venda de veículo automotor, se
não for registrado no Registro de Títulos e Documentos, não tem garantia da
data da sua existência ou do seu conteúdo original e por isso sua
autenticidade é totalmente questionável. O registro permite acesso, a
qualquer interessado, ao conteúdo do contrato, o que facilita a defesa de
direitos relativos a ele. E como o registro garante a conservação eterna do
documento, o próprio cidadão que adquiriu o veículo tem um instrumento de
prova garantido para defesa de seus direitos. O registro do contrato, ao
preservar todo o seu conteúdo e dar a ele transparência pública, gera ainda
o efeito de preservar as garantias vinculadas à compra e venda desse veículo
que constem no contrato.
Caso a garantia seja a alienação fiduciária do veículo, o contrato deverá
conter, segundo artigo 1.362 do Código Civil, o total da dívida, ou sua
estimativa, o prazo ou a época do pagamento, a taxa de juros, a descrição do
veículo, com seus elementos de identificação. O registro vai gerar seus
efeitos sobre essas cláusulas e ainda sobre todas as outras do contrato, com
destaque para valor das prestações, taxa de quitação antecipada, taxa de
abertura de crédito (TAC) e o total de tarifas incidentes, condições de
pagamento, proporcionado ao consumidor de crédito, que se esforçou para
adquirir veículo próprio, um instrumento de defesa de seus direitos contra
cláusulas abusivas.
O elemento principal desse tipo de contrato é o direito subjetivo de
propriedade do consumidor, que se resolve a seu favor bastando a liquidação
do financiamento. A garantia é um somente o acessório que dá maior força
para a liquidação do contrato, mas que, no caso da alienação fiduciária, na
qual se considera o consumidor como depositário do veículo, pode levá-lo à
prisão se ele não pagar a dívida e o veículo for roubado ou furtado ou se
perder por acidente.
O registro no Registro de Títulos e Documentos (RTD) assegura eficácia aos
fortes efeitos da alienação fiduciária em favor do banco, financeira ou
outro agente financiador do veículo, mas também garante todos os outros
efeitos de conservação da prova das obrigações entre as partes, prova da
data, autenticidade do documento, transparência pública e segurança
jurídica, em favor dos direitos do consumidor.
Nesse caso, a simples anotação no registro do veículo junto aos órgãos de
trânsito de que existe uma alienação fiduciária tende a preservar somente o
interesse do financiador da compra, deixando de preservar os demais direitos
do consumidor financiado. Por isso a interpretação correta, e mais adequada
à busca de direitos da população, é a de que a alienação se constitui com o
registro (e portanto a transparência e garantia de autenticidade) de todo o
conteúdo do contrato, feito no Registro de Títulos e Documentos, que tem
atribuição legal e constitucional para isso.
É de fundamental valor para a formação da cidadania, que toda a sociedade
passe a conhecer melhor as instituições democráticas, no caso os Registros
Públicos conhecidos como “cartórios”, para ter os benefícios que lhe são de
direito e também para poder cobrar, com propriedade, eficiência desse
importante serviço.
O assunto “Registro Público” não é conhecido pela população da forma como
seria o ideal, o que faria com que as pessoas usufruíssem melhor desse
serviço para garantir seus direitos. Apesar dos avanços e melhorias no setor
e na legislação, há ainda hoje, no Brasil, o pensamento e o discurso
desestimulador da procura dos “cartórios” pelo cidadão. Esse fato já é
bastante inquietante para aqueles que buscam o aprimoramento da democracia
no Brasil.
Custo
Muito se fala sobre o Registro Público para desestimular o cidadão a buscar
seus benefícios.
Um dos recursos mais utilizados é criticar o custo do serviço. Fala-se em
taxas abusivas, em cara peregrinação do cidadão pelos cartórios, atribuem
aos gastos com o serviço a alcunha de “prejuízo”.
Na verdade, quando se entende a função do registro e os benefícios que ele
propicia, percebe-se que o custo é na verdade pequeno. Além de todos os
efeitos já mencionados, o registro tem um efeito básico: ele conserva o
documento. Assim, registrar é como fazer um seguro eterno do documento,
especialmente no Registro de Títulos e Documentos. Caso a via original que a
pessoa detenha se deteriore ou se perca ela pode solicitar outra via, com o
conteúdo do documento totalmente preservado e autêntico, com a prova de
existência do original desde a data do documento, se levado a registro em
vinte dias, ou desde a data do registro se passado esse prazo.
A sensação de segurança proporcionada ao cidadão pelo registro é algo que já
faz valer o seu custo. Mas o valor dessa sensação não é puramente subjetivo.
Ela facilita e agiliza decisões, aumentando o volume de negócios realizados
e promovendo crescimento pessoal, bem como o desenvolvimento regional e
nacional. O registro, ao prevenir discussões judiciais, ainda diminui a
sobrecarga que sofre atualmente o Poder Judiciário.
O registro garante direitos e facilita a sua defesa, prevenindo o cidadão
contra indesejados contratempos, e também evita prejuízos financeiros.
Considere, por exemplo, a situação de se perder um certificado de conclusão
de um curso que já não existe mais, mas que é de extrema importância para o
seu currículo na hora de procurar um emprego. Esse documento, ao qual não há
nem como atribuir valor financeiro, dada a importância para o cidadão que o
perdeu, se tivesse sido registrado poderia ser refeito por meio de uma
certidão cujo custo é de R$ 12,86 (doze reais e oitenta e seis centavos).
Caro, abusivo? O custo para fazer o registro desse tipo de documento é de R$
14,84 (quatorze reais e oitenta e quatro centavos) – documento sem valor
financeiro declarado, com uma folha e uma via certificada ao cliente.
Prejuízo ou investimento? Tendo em vista esse custo em relação ao benefício
obtido, não há como não considerar o registro um investimento bastante
interessante.
Para os documentos com valor financeiro declarado, o custo do registro
aumenta de acordo com esse valor. Para se fazer o registro de documento de
quitação, com uma folha e uma via certificada ao cliente, com valor
declarado de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), por exemplo, o custo seria
de R$ 437,39 (quatrocentos e trinta e sete reais e trinta e nove centavos).
Considerando que a perda desse documento poderia acarretar ao devedor, ter
de pagar novamente ao credor o valor de R$ 50.000,00, por não conseguir
comprovar que já fez esse pagamento, e considerando o efeito de seguro do
documento que o registro propicia, o custo do registro parece alto? Compare
com o custo do seguro de um carro de mesmo valor. Considere ainda que o
seguro do carro só vale por um ano, enquanto o efeito de seguro do documento
registrado no Registro de Títulos e Documentos é eterno.
A título de exemplo, o registro de contratos de alienação fiduciária,
leasing ou reserva de domínio, envolvendo veículos automotores, tem o custo
máximo de R$ 163,26 (cento e sessenta e três reais e vinte e seis centavos),
somados R$ 3,51 (três reais e cinqüenta e um centavos) referente ao
certificado lançado na via do contrato pertencente ao apresentante do
documento e mais R$ 4,20 (quatro reais e vinte centavos) por folha do
documento arquivado. Se o contrato tiver dez folhas e o apresentante do
documento levar duas vias certificadas, por exemplo, o custo do registro
será de R$ 212,28 (duzentos e doze reais e vinte e oito centavos). Estes
valores podem facilmente ser aferidos nas tabelas 5 e 8 da Lei estadual
15.424/04, que encontra-se à disposição do cidadão em qualquer Registro de
Títulos e Documentos em Minas Gerais, afixada em local visível.
Acesso e Agilidade
Parte do discurso para desestimular o registro trata do acesso ao serviço e
à agilidade na sua realização, afirmando que o cidadão que buscar a garantia
de seus direitos com o registro passaria por uma longa peregrinação pelos
cartórios. Um dos motivos que sempre foi levantado para desencorajar o
cidadão a buscar o registro dos contratos com alienação fiduciária de
veículos seria a dificuldade em realizá-lo, tratada pelos que não querem o
registro como desumana burocracia.
Em Uberaba, o Registro de Títulos e Documentos (RTD), por exemplo, é
localizado no endereço à Praça Rui Barbosa, nº 300, sala 42 (Elvira
Shopping), no centro da cidade, local de fácil acesso, contando, inclusive
com acesso para deficientes por elevador, e com ponto de ônibus para
diversos bairros quase em frente ao prédio.
Quanto à agilidade no processo, o RTD em Uberaba, está totalmente
informatizado e conta com equipe com conhecimento jurídico para realizar o
registro com toda agilidade e segurança necessárias.
O processo de registro envolve análise do documento quanto à legalidade e
forma, cálculo do custo, emissão de recibo detalhado (que no RTD de Uberaba
é automático para todos os documentos), comparação das vias, lançamento de
dados nos livros de protocolo, registro e indicador pessoal, transcrição do
documento, certificação das vias, fixação do selo de fiscalização, anotações
no controle de selos, no controle interno do valor a ser repassado ao Estado
a título de taxa de fiscalização e no controle do valor repassado ao fundo
de compensação dos atos gratuitos, arquivamento da via da serventia e
finalmente liberação do documento ao cliente. Todo esse processo, no caso de
contratos de financiamento, por exemplo, raramente ultrapassa quarenta e
oito horas para ser concluído e, dependendo do volume de documentos a ser
registrado no período, pode ser finalizado em menos de vinte e quatro horas,
ou seja, no mesmo dia.
Chamar essa situação de longa peregrinação, ou de desumana burocracia, é
absurdo e irreal.
Mas, para facilitar o acesso ao serviço e garantir ainda mais agilidade, os
serviços de Registro de Títulos e Documentos, através das associações
estaduais e das nacionais, vem estudando como a tecnologia pode contribuir
para melhor atender as necessidades do cidadão.
Como exemplo, temos os convênios entre Detrans e Registro de Títulos e
Documentos, já operantes em alguns Estados. Esse convênio de cooperação
técnica entre os registros públicos e os Detrans foi desenvolvido para que o
registro fosse feito no local correto, com comunicação informatizada e
automática dos dados necessários, favorecendo o cidadão, garantindo seus
direitos sem que isso acarrete qualquer aumento de tempo na concretização do
negócio.
Apesar dos evidentes benefícios ao cidadão, há a tentativa de incutir o
sentimento de repugnância com relação aos convênios de cooperação técnica e
ao serviço registral. Os únicos interessados na não realização dos convênios
seriam os que querem dificultar o registro, impedindo a transparência dos
contratos entre agentes financeiros e consumidores de crédito. Tentam,
assim, convencer a população afirmando que o convênio foi criado para tornar
obrigatório o registro desses contratos. A verdade é que o registro completo
é opção de quem quiser constituir alienação fiduciária sobre veículo. Mas
querem forçar a interpretação de que a alienação fiduciária se constitui com
a simples anotação de sua existência no registro do veículo junto ao Detran,
para fugir do registro completo do contrato que asseguraria, não somente a
existência da garantia em favor do financiador, mas todos os seus termos e
condições que o consumidor pode invocar em sua defesa.
A necessidade do registro do contrato foi levantada inclusive pelo Conselho
Nacional de Trânsito na Resolução 159 de 22 de abril de 2004, onde se
diferencia o gravame (simples anotação da existência da garantia no
Certificado de Registro de Veículos) do registro, que deve ser realizado em
livro próprio com 300 folhas numeradas (veja artigo 132 da Lei de Registros
Públicos – Lei 6.015/73) com arquivamento de cópia, preservando todos os
dados do contrato, especialmente, a identificação do credor e do devedor; o
total da dívida ou sua estimativa; o local e a data do pagamento; a taxa de
juros, as comissões cuja cobrança for permitida e, eventualmente, a cláusula
penal e a estipulação de correção monetária, com indicação dos índices
aplicáveis; a descrição do veículo objeto da alienação fiduciária e os
elementos indispensáveis à sua identificação.
O registro somente poderá ser executado por instituição que se invista de
competência para tanto. A competência para esse caso é do Registro de
Títulos e Documentos, conforme Lei 6.015/73 e art. 236 da Constituição
Federal de 1988, regulamentado pela Lei 8.935/94. A Constituição atribui,
entre outras coisas, competência do Poder Judiciário par fiscalizar o
registro público, situação que não seria possível em órgão de trânsito do
Poder Executivo.
A resolução determina que os órgãos de trânsito somente façam a anotação do
gravame, em favor da empresa credora, depois de realizado o registro, que
garante os direitos do consumidor de crédito. Somente dessa forma pode se
assegurar o equilíbrio na relação entre as instituições credoras e o
consumidor. O artigo 2º da resolução do Conselho Nacional de Trânsito
atribui aos órgãos de trânsito responsabilidade pelo registro (mas
logicamente não para efetivá-lo, sob pena de inconstitucionalidade), podendo
sua execução ser conveniada com instituição investida de competência nos
termos da Lei. Os convênios visam tornar operacional essa disposição.
Registro da Alienação
Sobre o texto do art. 1.361 do Código Civil que – segundo interpretação dos
que não querem que esses documentos sejam registrados – autorizaria a
simples anotação do gravame no Certificado de Registro de Veículo, considere
ainda o comentário no livro “Novo Código Civil Comentado” – ed. Saraiva, 1ª
ed., 2002, página 1199, de coordenação do Relator do Projeto que alterou o
Código Civil, o então Deputado Federal Ricardo Fiúza:
“Para que a propriedade fiduciária constitua-se juridicamente, isto é, seja
hábil para gerar efeitos no mundo do direito, faz-se mister,
impreterivelmente, a observância dos requisitos contidos no § 1º do art.
1.361, Todavia constata-se um sério equívoco, no texto do aludido parágrafo,
que compromete alguns dos efeitos caracterizadores da natureza real do
próprio instituto, pois em se tratando de veículo automotor, diante do
emprego da conjunção “ou” utilizada inadequadamente, ficaria excluído o
registro do contrato no Cartório do Registro de Títulos e Documentos,
contentando-se a norma com a simples inscrição na repartição de trânsito
competente para o licenciamento, com as anotações de praxe no certificado de
registro do automóvel (§ 1º, in fine).
Sem dúvida, essa não foi a vontade do legislador e, por conseguinte, não é a
mens legis, tudo levando a crer que não passou de um lamentável erro de
digitação que acabou passando despercebido por todos, durante as
intermináveis fases de revisão. Basta que lancemos os olhos para a Lei dos
Registros Públicos (arts. 127 a 131) quando trata do registro de títulos e
documentos e transcrição dos respectivos instrumentos particulares. Sem
nenhum sentido, sobretudo em sede de direitos reais, a prática de um negócio
jurídico dessa ordem, voltada à concretização de propriedade fiduciária,
realizada à margem do Registro de Títulos e Documentos.”
Ou seja, o próprio Relator do Projeto do novo Código Civil corrobora a
informação de que a alternativa criada no Código Civil da alienação
fiduciária constituir-se com registro no Registro de Títulos e Documentos do
domicílio do devedor, “ou”, em se tratando de veículos, na repartição
competente para o licenciamento, fazendo-se a anotação no certificado de
registro, na verdade somente pode ter sido um erro de digitação. Isto porque
os Detrans não têm competência constitucional para fazer registros, como
afirmou o deputado em audiência pública da Comissão de Defesa do Consumidor,
em 20/10/2004 .
A intenção do legislador seria garantir maior transparência nessa situação,
fazendo com que, além da necessidade natural do registro para ser atribuir
segurança jurídica para ambos os contratantes e para terceiros, ainda se
anote no Certificado de Registro do veículo a existência dessa alienação
constituída com o registro.
Com base nesse erro de digitação, tenta-se convencer o cidadão de que ele
não deve querer o registro do seu contrato, a despeito das interpretações
extraídas de resolução do Conselho Nacional de Trânsito, de entendimento
referendado pelo próprio relator do Código Civil e de todas as demonstrações
de que a falta do registro deixa o consumidor desguarnecido frente aos
eventuais abusos cometidos por agentes financeiros. De qualquer modo, essa
disposição do Código Civil não altera a lei específica de registro público
(Lei 6.015/73), no seu artigo 129, inciso V que dispõe que a alienação
fiduciária tem validade contra terceiros quando registrada no Registro de
Títulos e Documentos (RTD).
Não há artifício por parte dos registradores para tornar obrigatório o
registro. Há, sim, o entendimento consolidado de que para se constituir a
alienação fiduciária (que é uma opção das partes contratantes) é necessário
mais do que a simples anotação do gravame em favor da empresa credora,
resguardando os interesses de somente uma dessas partes, mas deve-se
resguardar a prova de todas as obrigações assumidas e os direitos pactuados
entre empresa e consumidor, garantindo-se transparência e equilíbrio nessa
relação.
A verdade sobre o ataque aos serviços de registro público
Resta ainda tratar da verdade acerca dos dados sobre os “cartórios”,
especialmente sobre o Registro de Títulos e Documentos (que possui a
atribuição para o registro da alienação fiduciária de veículos), distorcidos
e omitidos em nome de interesses de quem quer enfraquecer essas instituições
democráticas de registro público, em prejuízo aos consumidores. Usualmente é
dito por quem defende esses interesses escusos que os RTDs são uma “mina de
dinheiro” e que usam artifícios ardilosos para arrancar mais dinheiro do
bolso dos brasileiros. Como referência é usado um dado fornecido pelo jornal
Valor Econômico, do qual se extrai que o setor arrecada cerca de R$ 7
bilhões/ano.
O que a matéria relata , na verdade, é que os cartórios de registro civil e
de imóveis, e tabelionatos de notas e de protesto movimentaram em torno de
R$ 6,844 bilhões no ano passado em transações oficiais de documentos no
país. Dessa análise, como se pode perceber, estão excluídos os Registros de
Títulos e Documentos, bem como os Registros Civis das Pessoas Jurídicas,
ambos de arrecadação bem menor.
Apesar dos dados sobre a grande arrecadação, a mesma matéria informa: “Os
bacharéis de direito que decidirem aventurar-se por concursos para cartório
não devem imaginar que se trata de uma atividade com ganhos fabulosos
garantidos”, e ainda dá exemplos como: “As margens de lucro são restritas:
chega a 15% para Paulo Gaiger Ferreira, 26º Tabelião de Notas, sediado na
Praça João Mendes, Centro e local mais concorrido pelos cartórios de São
Paulo”.
Além disso, a matéria divulga outros dados normalmente omitidos pelos
defensores dos interesses dos agentes financeiros. Houve um importante passo
na direção da profissionalização na prestação do serviço de registro, qual
seja a obrigatoriedade de concurso público para a delegação do serviço. Em
Uberaba, o Registro de Títulos e Documentos e Civil das Pessoas Jurídicas já
é executado por delegatário aprovado em concurso público, bacharel em
Direito, com pós-graduação em Direito Notarial Registral. Informações desse
tipo são normalmente omitidas ou distorcidas para desestimular outros
profissionais capacitados a tentarem o concurso, ou para criar na população
a idéia de que o setor não exerce função relevante nem possui profissionais
habilitados e prescinde deles. Para exercer a função, é exigido que o
aprovado em concurso público seja bacharel em direito ou tenha a experiência
de dez anos de trabalho em serviços de notas ou de registro.
O cadastro da Corregedoria Nacional de Justiça mostra ainda outros dados :
“O total arrecadado pelas serventias extrajudiciais em 2006 foi de R$
3.878.145.561,41 enquanto que em 2005 foi de R$ 3.423.996.926,93. Pelas
faixas de arrecadação (dados mais completos podem ser acessados no site do
CNJ, no link Serviços On-line, Atos da Corregedoria, Divulgações), somente
dois cartórios arrecadaram, naquele ano, acima de R$ 24 milhões - um no
Estado de São Paulo e outro no Rio de Janeiro. A faixa de arrecadação que
concentra o maior número de serventias é a de R$ 12 mil a R$ 60 mil ao ano:
3.027 encontram-se nessa faixa em 2006 (cerca de 22% do total), e 3.136 em
2005 (cerca de 23% do total de serventias cadastradas).” Esses dados mostram
que existem grandes desigualdades no setor que precisam ser revistas. São
poucos os serviços registrais e de notas que fazem a fama de milionária de
todo um setor. O setor nada tem de mina de ouro. A maioria em 2006 arrecadou
entre R$ 12 mil a R$ 60 mil ao ano, ou seja, entre um mil e cinco mil reais
por mês. Considere ainda que parte da arrecadação é repassada ao Estado e
para diferentes fundos criados por lei, e que o restante não só remunera a
atividade do oficial (sobre a qual é cobrado Imposto de Renda como pessoa
física), como também paga o salário e os encargos dos funcionários
contratados, mantém os custos da estrutura e é usado nos investimentos,
especialmente de informatização para agilização do serviço.
Quanto à gana por arrancar mais dinheiro do bolso dos brasileiros, considere
o seguinte exemplo: o registro de um contrato de alienação fiduciária de um
veículo de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) tem o custo de R$ 130,66
(cento e trinta reais e sessenta e seis centavos), somados R$ 3,51 (três
reais e cinqüenta e um centavos) referente ao certificado lançado na via do
contrato pertencente ao apresentante do documento e mais R$ 4,20 (quatro
reais e vinte centavos) por folha do documento arquivado. Se o contrato
tiver dez folhas e o apresentante do documento levar duas vias certificadas,
por exemplo, o custo do registro será de R$ 176,17 (cento e setenta e seis
reais e dezessete centavos). Lembre os efeitos valiosos ao consumidor que o
registro proporciona.
O valor da taxa de abertura de crédito (TAC) cobrada do consumidor pelo
agente financeiro no mesmo contrato (alienação fiduciária de veículo no
valor de R$ 25.000,00) fica em torno de R$ 500,00 (quinhentos reais).
Considerando um contrato de 24 parcelas mensais a juros de 1,5% (comum
nesses contratos) e, ainda, que a TAC (juntamente com outros encargos) é
incluída no valor total e financiada, somente de juros sobre a TAC, o agente
financeiro arrecada do consumidor mais o valor de R$ 99,04 (noventa e nove
reais e quatro centavos). Aliás, fiquem atentos: sob a notícia de que a TAC
será abolida, pode estar oculta a situação de simplesmente suspendê-la por
um tempo para que retorne posteriormente com outro nome.
Tendo em vista a situação, podemos, como consumidores, avaliar as
instituições financeiras da seguinte forma:
- agentes financeiros sérios e corretos disponibilizam àquele que adquire um
bem financiado o contrato e todas as informações de interesse do consumidor;
- aqueles que se dizem afinados com os interesses do cliente, além disso,
deveriam recomendar o registro do contrato no Registro de Títulos e
Documentos, mostrando que nada têm a temer com a transparência e conservação
do documento;
- mas, a demonstração evidente de que há, de fato, um compromisso com o
cliente estaria na situação do agente financeiro que, tendo em vista o valor
arrecadado com taxas embutidas no preço final e os juros sobre essas taxas,
se dispusessem a pagar pelo registro do contrato no Registro de Títulos e
Documentos.
Você, consumidor de crédito, como avalia a seriedade e retidão da
instituição de crédito com a qual negocia?
Quanto aos agentes financeiros não tão sérios nem corretos pode-se esperar
desde ocultar informações do consumidor e impedir acesso a documentos, até
convencer a população a não buscar a transparência e as garantias do
registro, com um discurso disfarçado de defesa do consumidor. Enquanto isso,
o cidadão sai da negociação sem uma cópia sequer do contrato, mas sai com o
carnê de cobrança e terá uma anotação de gravame no documento do veículo. Se
a intenção é de fato defender os direitos do consumidor, exigindo uma
efetiva prestação de serviço sem que lhe sejam retirados recursos
desproporcional ou injustamente em favor de um setor já abonado, o discurso
que critica o serviço de registro está apontado para o lado errado. A
tentativa destes é, na verdade, de desencorajar a aplicação da lei que
efetivamente protege o consumidor.
E quando algum agente de imprensa, que deveria fazer por merecer ter
credibilidade total na divulgação de informação sobre assunto tão importante
para o cidadão, ou algum representante do povo, que deveria, de fato, buscar
o melhor para toda a população (mas pode estar comprometido com o interesse
de quem o financia), divulgam informação no sentido de desestimular o
registro, afirmando que não há qualquer prestação efetiva de serviço,
somente se pode pensar que estão mal informados ou mal intencionados. Não há
muita diferença na razão que alimenta esse discurso extremamente prejudicial
à cidadania: má informação ou má intenção tornam-se, para o caso, pecados de
mesmo peso. Mas para os simplesmente mal informados e – desejamos – bem
intencionados, ainda há esperança. É preciso que acreditem na inteligência
do cidadão e evitem o discurso simplório e generalista que, envolvendo
qualquer classe ou setor, apenas desinforma a população, prejudica o bom
representante da classe e somente favorece os maus, que assim têm mais
facilidade em se misturarem e se camuflarem.
Sobre a importância de se dar transparência aos contratos de instituições
financeiras, vale a pena ouvir o que tem a dizer o representante do PROCON
na nossa cidade. Apesar de ainda ser um órgão que não tem suas vagas
preenchidas por concurso público, como já começa a ocorrer com os
“cartórios”, acredito que temos a sorte de ter servidores isentos e
comprometidos com a defesa do consumidor. Aliás, o PROCON é um bom exemplo
de instituição que, para que possa atingir seus objetivos, precisa que a
população conheça e utilize efetivamente seus serviços. É igualmente
importante que a sociedade conheça a verdade sobre o funcionamento e a
importância dos serviços de Registro Público e Tabelionatos para que os seus
objetivos de defesa dos interesses dos cidadãos sejam atingidos e para que a
população possa também cobrar eficiência e transparência de quem exerce
essas funções.
Carlos Renato de Oliveira C. Leão
Oficial do Registro de Títulos e Documentos e Civil das Pessoas Jurídicas
da Comarca de Uberaba;
Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos;
Especialista em Direito Notarial e Registral pelo Instituto de Educação
Continuada da PUC-MG;
Aprovado em concurso público para delegação do serviço de Registro de
Títulos e Documentos e Civil das Pessoas Jurídicas da Comarca de Uberaba, em
exercício da função desde 04 de abril de 2005.
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