A promulgação da Lei nº
8.935/94 foi o remate que positivou a enormidade de atribuições que são
delegadas ao notário, especificamente no que diz respeito à ata
notarial, aquela irmã xifópaga da escritura pública onde o notário
retrata com palavras, apenas palavras, uma circunstância (ou fatos) e
lhe empresta sua fé pública.
Chega a ponto de, em determinadas e especialíssimas situações, permitir
que o notário faça as vezes de um perito ou de um oficial de justiça
(1), eliminando alguns procedimentos judiciais preparatórios e
incidentais. E tudo isso devido a uma singela razão: o artigo 6º, inciso
III, da Lei dos Notários e Registradores é categórico ao afirmar que aos
notários compete autenticar fatos. E já que, no correr de um processo,
fatos têm que ser auferidos e autenticados, sua ação judicial é
indiscutível.
Vejamos, inicialmente, a “substituição” do oficial de justiça pelo
notário.
Numa hipotética ação de despejo, no correr do processo o imóvel objeto
da ação pode ser abandonado pelo inquilino. Caso o autor da ação
pleiteie a imissão de posse sobre referido imóvel, por certo, e
prudentemente, o julgador ad quem determinará que um Oficial de Justiça
constate a desocupação antes de determinar a expedição do competente e
esperado mandado de imissão de posse (2). É a regra.
Entrementes, caso o causídico se valesse de uma ata notarial (na qual
constaria esse abandono), todos esses entraves estariam eliminados e na
mesma petição que denunciou o abandono do prédio haveria a prova do
aludido abandono - com fé pública e erga omnes.
Como se vê, a ata notarial, nesses casos, é uma excepcional máquina
redutora de tempo. O que, convencionalmente demoraria semanas (ou meses)
pode passar a ser feito em horas (às vezes em minutos), com inequívoco
benefício para a comunidade jurídica e os cidadãos.
Contudo as benesses da ata notarial não se encerram aí vez que, além de
substituir o meirinho, o notário também pode substituir um perito, em
determinadas situações.
Se um imóvel dado em locação for entregue com vícios visíveis (um
vazamento, uma parede com umidade, vidros quebrados etc.), nada obsta
que o notário constate tais vícios através de uma ata notarial e, com
isso, elimine uma perícia.
Mais um exemplo. Se quando o inquilino devolver seu imóvel ao locador
resolver se precaver e provar que o entregou nos termos do contrato, ou
ele se vale de uma vistoria judicial (a velha vistoria ad perpetuam rei
memoriam admitida pelo artigo 676, inciso VI, CPC/1939 (3), revigorado
pelo artigo 420, caput, do vigente CPC (4) ou de uma ata notarial. Se
essa última for a sua opção, ele terá menos despesas e mais brevemente
alcançará seu objetivo - e com o mesmo valor legal.
Mais? Pois bem. Através do notário é possível fazer a prova de uma
conversa telefônica. Para tanto basta que o interessado se dirija a um
cartório de notas qualquer e solicite ao notário (ou a outro escrevente)
que esse disque para o número desejado e, uma vez realizada a ligação,
que a conversa se realize no modo “viva voz”. Na constância o notário
pode começar a lavrar sua ata notarial (5), registrando a conversa por
ele presenciada.
Como preleciona Afonso Celso F. Rezende, “ata notarial é o testemunho
oficial de fatos narrados pelos notários no exercício de sua
competência, em razão de seu ofício” (6). Sua utilização, acresço, é
praticamente ilimitada.
Enfim, incontáveis são as benesses trazidas por este desconhecido
instrumento notarial para a solução de diversos problemas do dia-a-dia
forense que, até então, exigiam muito mais trabalho para sua consecução,
sem que isso implicasse em melhores, mais breves e menos custosos
resultados.
Notas de rodapé
1- O notário pode substituir o oficial de justiça em todas as
circunstâncias onde o objeto for alvo de constatação (não citação,
intimação et alter cœtera).
2- Quem milita na Justiça sabe que, apesar da singeleza da questão e da
simplicidade do ato, não serão poucos os grãos de areia que correrão na
ampulheta do tempo até que o desígnio do autor da ação seja alcançado.
Assim, inicialmente, o autor da ação requererá ao Juízo que seja
expedido um mandado para que o oficial de justiça constate o abandono do
imóvel. Na seqüência do calvário, esse pedido será publicado para, ao
depois o cartório confeccionar o competente mandado. Certamente, até que
o senhor meirinho pegue o mandado, dias já terão passado (quando não
semanas). Até que efetivamente o cumpra, mais dias terão que passar.
Finalmente, quando devolvido o mandado em cartório, o autor deverá
aguardar a publicação do ato para, somente aí, poder requerer o mandado
de imissão de posse sobre seu imóvel.
3- artigo 676 do CPC/1939 - As medidas preventivas poderão consistir:
(...)
VI - em vistorias, arbitramentos e inquirições ad perpetuam memoriam;
4- artigo 420, caput, do CPC/1973 - A prova pericial consiste em exame,
vistoria ou avaliação.
5- Essa ata pode ser lavrada em diligência (no escritório ou na casa de
quem a solicitou) ou no cartório sobre o qual o notário é responsável.
Em quaisquer dos casos o notário sempre deverá proceder a ligação em
questão.
6- Cf. in TABELIONATO DE NOTAS E O NOTÁRIO PERFEITO, de autoria de
Afonso Celso Furtado de Rezende, Editora Copola, 2ª edição, 2003, fls.
357.
Amaro Moraes e Silva Neto é advogado paulistano com dedicação às
questões relativas a direito e tecnologia das informações. Além de autor
de diversos outros livros, é partícipe da coletânea ATA NOTARIAL (SAFe
[Porto Alegre], 2004, 1ª Edição). Foi o coordenador de cursos sobre a
importância da ata notarial em diversos Estados, em 2004. |