Apelação - Usucapião especial urbano - Ausência de Animus Domini |
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APELAÇÃO - USUCAPIÃO ESPECIAL URBANO - ART. 183 DA CF/88 C/C O ART. 1.240 DO CC/2002 - AUSÊNCIA DE ANIMUS DOMINI - IMPROCEDÊNCIA - LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ - NÃO-CONFIGURAÇÃO - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO - Nos termos do art. 183 da Constituição da República c/c o art. 1.240 do Código Civil de 2002, para o implemento da prescrição aquisitiva do usucapião especial urbano, deve a requerente utilizar o imóvel urbano, não maior que duzentos e cinqüenta metros quadrados, para a sua moradia ou de sua família por pelo menos cinco anos ininterruptos, sem qualquer oposição, exercendo a posse com ânimo de dono. - No caso dos autos, o conjunto probatório nos leva à conclusão de que a autora não exerce a posse do imóvel com animus domini, restando comprovado, pela prova produzida, que a ocupação do imóvel se deu por mera permissão ou tolerância do falecido Sr. Euterildes Bonifácio Rodrigues, que apenas consentiu com a permanência da autora no imóvel, a fim de evitar que os anteriores proprietários, contra quem litigava em juízo, viessem a invadi-lo. Portanto, a aventada posse da requerente, fundada em ato permissivo do proprietário, qualifica-se como mera detenção, incidindo a regra do art. 1.208 do CC/2002, de redação equivalente à do art. 497 do Codex de 1916, o que impossibilita a prescrição aquisitiva. - Para a condenação em litigância de má-fé, faz-se necessária a prova do dolo da parte no entravamento da tramitação processual, manifestado por conduta intencionalmente maliciosa e temerária, o que não restou evidenciado de forma inconteste nos autos. Apelação Cível n° 1.0470.04.018941-2/001 - Comarca de Paracatu - Apelante: Marilda Alves de Melo - Apelado: Espólio de Euterildes Bonifácio Rodrigues, representado pela inventariante Euzi Adriana Bonifácio Rodrigues, Neide Soares Fernandes de Araújo e outro - Relator: Des. Eduardo Mariné da Cunha A C Ó R D Ã O Vistos etc., acorda, em Turma, a 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em dar parcial provimento à apelação. Belo Horizonte, 4 de dezembro de 2008. - Eduardo Mariné da Cunha - Relator. N O T A S T A Q U I G R ÁF I C A S DES. EDUARDO MARINÉ DA CUNHA - Cuida-se de ação de usucapião especial urbano ajuizada por Marilda Alves de Melo em face de Neide Soares Fernandes de Araújo e Walmir Alberto de Araújo, alegando ser possuidora, há aproximadamente dez anos, de forma mansa, pacífica e ininterrupta, de um imóvel constituído pelo lote de terreno urbano, com área de 172,00 m², situado na Rua Adelina Silva, nº 133, bairro Santana, Paracatu/MG, onde está edificada uma casa residencial com nove cômodos e área construída de 102,97 m². Afirmou que sempre utilizou o imóvel para sua moradia, com animus domini, e que não é proprietária de qualquer outro imóvel. Os requeridos, em nome de quem se acha registrado o imóvel, assim como os réus incertos, desconhecidos e eventuais interessados, foram citados por edital (f. 62). Os confrontantes não se opuseram ao pedido inicial (f. 53, 55, 57, 59, 61 e 64). Os entes fazendários informaram não ter interesse no imóvel objeto da lide (f. 35-v., 48-49 e 65). Nomeada curadora especial aos réus revéis, citados pela forma editalícia, ela contestou por negativa geral (f. 79-v.). Prova testemunhal, às f. 91-92. Às f. 101-104, foi certificada nos autos a adjudicação do imóvel objeto da demanda ao espólio de Euterildes Bonifácio Rodrigues, tendo sido determinada sua citação (f. 114). Em sua defesa (f. 133-144), o espólio afirmou que o Sr. Euterildes Bonifácio Rodrigues, em 13.03.95, vendeu o imóvel para Neide Soares Fernandes de Araújo e Walmir Alberto de Araújo, que, entretanto, não pagaram o preço ajustado, razão pela qual, em 07.03.2005, ingressou com ação executiva, no bojo da qual adjudicou o imóvel usucapiendo, no ano de 2001. Disse que o exeqüente faleceu em 25.12.03, tendo a carta de adjudicação sido registrada já em nome do espólio, em 07.11.05. Aduziu que a autora jamais possuiu o imóvel com animus domini, esclarecendo que ela o ocupava por mera tolerância do falecido Euterildes Bonifácio Rodrigues, que objetivada evitar que o Sr. Walmir Alberto de Araújo, contra quem litigava, concretizasse as ameaças de invadi-lo e ali fixar moradia. Consignou ter havido comodato verbal, o que afasta a pretensão de usucapir. Alegou que o falecido Euterildes Bonifácio Rodrigues deixou como herdeiro um filho menor, Pedro Henrique Santos Rodrigues, contra quem não corre a prescrição aquisitiva. Pediu a condenação da autora pela prática de litigância de má-fé e a improcedência dos pedidos iniciais. A autora apresentou impugnação, às f. 227-228, aduzindo que, na realidade, vivia em regime de união estável com o Sr. Euterildes Bonifácio Rodrigues. Prova oral, às f. 248-253. Razões finais, pelo espólio-requerido, às f. 259-262; pela autora, às f. 263-265; e pela curadora especial, à f. 266. O Ministério Público opinou pela improcedência do pedido (f. 286-301). Às f. 303-314, o douto Magistrado singular prolatou sentença, julgando improcedente o pedido. Condenou a autora ao pagamento das custas processuais, mais honorários advocatícios em favor dos patronos do espólio-requerido, fixados em R$ 800,00. Imputou à requerente e a seus procuradores multa por litigância de má-fé no percentual de 1% sobre o valor da causa. Irresignada, a autora interpôs apelação (f. 316-321), alegando que o imóvel usucapiendo lhe foi entregue pelo Sr. Euterildes Bonifácio Rodrigues, de quem era companheira. Frisou que sobre ele exerce posse mansa, pacífica e ininterrupta há mais de uma década, fato corroborado pelas testemunhas ouvidas às f. 91-92. Disse que os documentos coligidos às f. 75-78 comprovam sua posse com animus domini, estando preenchidos os requisitos do art. 1.240 do CC/2002. Insurgiu-se contra a imposição de multa por litigância de má-fé, argumentando não se tratar de lide temerária. Pediu o provimento do recurso, com a reforma da sentença. Foram apresentadas contra-razões, às f. 324-329. A douta Procuradoria-Geral de Justiça se absteve de apresentar parecer (f. 340). Conheço do recurso, uma vez que próprio, tempestivo, regularmente processado e dispensado de preparo por litigar a autora sob o pálio da assistência judiciária gratuita. Sabe-se que o usucapião constitui um modo de adquirir o domínio da coisa ou de certos direitos reais pela posse continuada durante certo lapso de tempo, com o concurso dos requisitos que a lei estabelece para esse fim. Na definição de Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de direito civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 4, p. 119), constitui o usucapião: "A aquisição da propriedade ou outro direito real pelo decurso do tempo estabelecido e com a observância dos requisitos instituídos em lei". A propósito, preleciona Orlando Gomes (em sua obra Direitos reais. Rio de Janeiro: Forense, p. 223) que, no conceito clássico de Modestino, é o modo de adquirir a propriedade pela posse continuada durante um certo lapso de tempo, com os requisitos estabelecidos na Lei: ``Usucapio est adjectio domini per continuationem possessionis temporis lege definit" (In Dig. 41, 3, fr. 3). E ensina o jurista pátrio M. Carvalho Santos (Código Civil brasileiro interpretado, v. 7, p. 427) que: "A prescrição imemorial, isto é, aquela que se funda em posse, de cujo começo não há lembranças, constitui antes uma presunção de aquisição legal de que uma terceira formação de usucapião'' (cf. Vampré, obra referida). Dispõe o art. 1.240 do CC/2002: "Art. 1.240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural". Anteriormente à edição do atual Código Civil, tal modalidade de usucapião era regida pelo art. 183 da Constituição da República, de redação equivalente: "Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural". Da leitura atenta dos aludidos dispositivos legal e constitucional, verifica-se que, para o implemento da prescrição aquisitiva do usucapião especial urbano, deve a requerente utilizar o imóvel urbano, não maior que duzentos e cinqüenta metros quadrados, para a sua moradia ou de sua família, por pelo menos cinco anos ininterruptos, sem qualquer oposição, exercendo a posse com ânimo de dono, desde que não seja proprietária de outro imóvel. O saudoso Prof. Caio Mário da Silva Pereira legou-nos magistral lição sobre os requisitos da posse hábil a ensejar a aquisição da propriedade por usucapião: "[...] Não é qualquer posse, repetimos; não basta o comportamento exterior do agente em face da coisa, em atitude análoga à do proprietário; não é suficiente a gerar a aquisição, que se patenteie a visibilidade do domínio. A posse ad usucapionem, assim nas fontes como no direito moderno, há de ser rodeada de elementos, que nem por serem acidentais, deixam de ter a mais profunda significação, pois a lei a requer contínua, pacífica ou incontestada, por todo o tempo estipulado, e com intenção de dono. [...] A posse ad usucapionem é aquela que se exerce com intenção de dono - cum animo domini. Esse requisito psíquico de tal maneira se integra na posse, que adquire tônus de essencialidade. De início, afasta-se a mera detenção, pois [...] não se confunde ela com a posse, uma vez que lhe falta a vontade de tê-la. E exclui, igualmente, toda posse que não se faça acompanhar de ter a coisa para si - animus rem sibi habendi, como, por exemplo, a posse direta do locatário, do usufrutuário, do credor pignoratício, que, tendo embora o ius possidendi, que os habilita a invocar os interditos para defesa de sua situação de possuidores contra terceiros e até contra o possuidor indireto (proprietário), não têm nem podem ter a faculdade de usucapir. E é óbvio, pois aquele que possuir com base num título que o obriga a restituir desfruta de uma situação incompatível com a aquisição da coisa para si mesmo. Completando-lhe a qualificação é que se impõe o requisito anímico, que reside na intenção de dono: possuir cum animo domini" (Instituições de direito civil. 18. ed. atual. por Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho. Rio de Janeiro : Forense, 2004, v. 4, p. 139-140). Na hipótese em tela, restou devidamente comprovado o requisito espacial, na medida em que tanto o lote de terreno (172,00 m², cf. f. 8) quanto a casa residencial nele erigida (102 m², cf. f. 9) possuem área inferior aos 250 m² previstos na norma. Também é incontroverso o cumprimento do requisito temporal, uma vez que a própria representante do espólio-requerido, em seu depoimento pessoal de f. 248-249, reconheceu que a autora ocupa o imóvel desde o final 1994: "[...] que acredita que a autora foi morar no imóvel no final de 1994 ou início de 1995". Entretanto, o conjunto probatório leva-nos à conclusão de que a autora não exerce a posse do imóvel com animus domini, restando comprovada, pela prova produzida, que a ocupação do imóvel se deu por mera permissão ou tolerância do falecido Sr. Euterildes Bonifácio Rodrigues, que apenas consentiu com a permanência da autora no imóvel a fim de evitar que os anteriores proprietários, contra quem litigava em juízo, viessem a invadi-lo. Se não, vejamos: "[...] que a depoente tem conhecimento que a casa objeto de usucapião é ocupada pela autora Marilda Alves, que a autora veio a ocupar o citado imóvel por autorização do falecido pai da depoente, isto porque a casa estava vazia e a autora pagava aluguel; [...] que a autorização para a autora morar no imóvel foi verbal" (depoimento pessoal de Elzi Adriana Bonifácio Rodrigues, representante legal do espólio de Euterildes Bonifácio Rodrigues, cf. f. 248). "[...] que o falecido nunca se apresentou na sociedade local como companheiro, concubino ou convivente da autora Marilda; que a depoente tem conhecimento de que o falecido Euterildes comprou uma casa no bairro Santana, que não se recorda exatamente o ano; que Euterildes comentou com a depoente que a compra e venda tinha dado problemas; que, com receio de o vendedor do imóvel voltar para este, o Euterildes autorizou a autora Marilda a morar no imóvel; que a intenção de Euterildes era, após solucionar a questão do imóvel com o vendedor, de ele, Euterildes, voltar para o imóvel; [...]" (depoimento da testemunha Walmira Pereira Santana, cf. f. 250). O mesmo teor teve o depoimento da testemunha Evaldira Martins Santana, colhido à f. 251: "[...] que o falecido nunca se apresentou na sociedade local como companheiro, concubino ou convivente da autora Marilda; que a depoente tem conhecimento de que o falecido Euterildes comprou uma casa no bairro Santana, que não se recorda exatamente o ano; que Euterildes comentou com a depoente e seu marido que a compra e venda tinha dado problemas; que com receio de o vendedor do imóvel voltar para este, o Euterildes autorizou a autora Marilda a morar no imóvel; que a intenção de Euterildes era, após solucionar a questão do imóvel com o vendedor, de ele, Euterildes, voltar para o imóvel; [...]". No mesmo sentido manifestou-se a testemunha Jorge de Souza Ferreira, ouvida à f. 252: "[...] que o depoente tem conhecimento de que a compra e venda da casa estava na Justiça, conforme se expressa, sendo que o falecido Euterildes tinha autorizado a autora a ficar na casa, isto porque o falecido Euterildes tinha medo de que o antigo vendedor voltasse para a casa, bem como queria que a casa ficasse ocupada; [...]". É certo que outras duas testemunhas, cujos depoimentos se encontram às f. 91 e 92 dos autos, se manifestaram em sentido oposto, referendando a alegação da apelante, de que era companheira do falecido Euterildes Bonifácio Rodrigues e que, desde sua aquisição, exerce a posse do imóvel como se dona fosse. Entretanto, dentro do contexto dos autos, em análise global das provas produzidas, considero que os depoimentos de tais testemunhas não têm o condão de afastar as afirmações das outras três pessoas ouvidas em juízo, que confirmaram a tese do espólio-requerido, de que inexistia a aventada relação concubinária e que a posse da requerente decorria de mera permissão do Sr. Euterildes Bonifácio Rodrigues. O mesmo ocorre com os documentos de f. 75-79, igualmente insuficientes para comprovar o animus domini da apelante. Consigne-se que vige, no ordenamento jurídico brasileiro, o princípio do livre convencimento motivado, podendo o julgador decidir de acordo com a valoração que deu às provas produzidas, desde que fundamente sua decisão. É o que dispõe o art. 131 do CPC: "Art. 131. O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que Ihe formaram o convencimento". Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero, em nota ao citado dispositivo, ensinam: "1. Apreciação da prova. O juiz apreciará a prova das alegações de fato em conformidade com o modelo de constatação que deve ser empregado para análise do caso concreto levado a seu conhecimento. Dentro do modelo, apreciará livremente, sem qualquer elemento que vincule o seu convencimento a priori. Ao valorar livremente a prova, tem, no entanto, de indicar na sua decisão os motivos que lhe formaram o convencimento. No direito brasileiro, vige, pois, o sistema da livre valoração motivada (também conhecido como sistema da persuasão racional da prova)" (Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. São Paulo: RT, 2008, p. 177-178). Humberto Theodoro Júnior também comunga desse entendimento: "O sistema da livre convicção é o oposto do critério da prova legal. O que deve prevalecer é a íntima convicção do juiz, que é soberano para investigar a verdade e apreciar as provas. Não há nenhuma regra que condicione essa pesquisa, tanto quanto os meios de prova, como ao método de avaliação [...]. O sistema da persuasão racional é fruto da mais atualizada compreensão da atividade jurisdicional [...]. Sem a rigidez da prova legal, em que o valor de cada prova é previamente fixado na lei, o juiz, atendo-se apenas às provas do processo, formará seu convencimento com liberdade e segundo a consciência formada. Embora seja livre o exame das provas, não há arbitrariedade, porque a conclusão deve ligar-se logicamente à apreciação jurídica daquilo que restou demonstrado nos autos. E o juiz não pode fugir dos meios científicos que regula as provas e sua produção, nem tampouco às regras da lógica e da experiência" (Curso de Direito Processual Civil. 48. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, v. 1, p. 483-484). A respeito, já decidiu o STJ: "Processo civil. Administrativo. Relação empregatícia anterior à Constituição Federal de 1988. Art. 131 do CPC. - O princípio do livre convencimento motivado garante ao magistrado a desvinculação de critérios probatórios apriorísticos ou hierarquia entre provas [...]" (STJ - REsp nº 600.075/RJ - Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca - j. em 26.4.2005 - DJ de 23.5.2005, p. 327 - Lex-STJ 190/121). Portanto, a aventada posse da requerente, fundada em ato permissivo do proprietário, qualifica-se como mera detenção, incidindo a regra do art. 1.208 do CC/2002, de redação equivalente à do art. 497 do Codex de 1916: "Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade". Em nota ao dispositivo transcrito, destaca Maria Helena Diniz: "Os atos de mera permissão ou tolerância não induzem posse por serem decorrentes de um consentimento expresso ou de concessão do dono, sendo revogáveis pelo concedente. Ante a precariedade da concessão não há que se falar em posse [...]" (Código Civil anotado. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 760). Ernane Fidélis dos Santos, citando outros autores, leciona a respeito: "[...] A mera permissão será assim o consentimento, o ato positivo, que permitiria a prática de atos detentivos sobre a coisa, enquanto a tolerância seria ato negativo, de não-oposição ao que se está praticando. Tito Fulgêncio, tratando da mera permissão ou tolerância como forma de precariedade, esclarece `[...] que os atos de mera permissão ou tolerância em si seriam suscetíveis de constituir uma apreensão de posse, mas não engendram nenhum direito de posse, não produzem seus naturais efeitos, porque não se fundam em obrigação preexistente, são o resultado de uma oficiosidade, de uma familiaridade, de uma relação de boa vizinhança" [...]" (Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2007, v. 16: da posse, p. 136-137). Destaque-se, ainda, a doutrina de Orlando Gomes: "A posse que conduz à usucapião deve ser exercida com animus domini, mansa e pacificamente, contínua e publicamente. a) O animus domini precisa ser frisado para, de logo, afastar a possibilidade de Usucapião dos fâmulos da posse [...]. Necessário, por conseguinte, que o possuidor exerça a posse com animus domini. Se há obstáculo objetivo a que possua com esse animus, não pode adquirir a propriedade por usucapião [...]. Por fim, é preciso que a intenção de possuir como dono exista desde o momento em que o prescribente se apossa do bem" (Direitos reais. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 166). Como cediço, a posse, ensejadora da aquisição da propriedade por usucapião, deve ser exercia de forma mansa, pacífica e com ânimo de dono. Logo, evidente que a ocupação do imóvel pela autora, em virtude de mera permissão do proprietário, que apenas a consentiu, objetivando evitar a ocupação do imóvel por terceiros, não possibilita a prescrição aquisitiva, porquanto ausente o animus domini. Nesse sentido, já decidiu este eg. Tribunal: "Ementa: Civil. Apelação. Usucapião extraordinário. Posse. Ato de mera permissão. Ânimo de dono. Ausência. Pedido improcedente. Manutenção da sentença. Recurso não provido. - Para se operar a aquisição do domínio pelo instituto do usucapião são necessários a posse pacífica com o ânimo de dono e o tempo. Ausente qualquer desses requisitos, inviável a pretensão. - Atos de mera permissão como os originados de contrato de prestação de serviços e parcerias não são aptos a gerar posse. - Recurso conhecido e não provido" (TJMG - Apelação Cível nº 1.0417.05.004151-2/001 - Relatora Des.ª Márcia De Paoli Balbino - DJ de 05.06.2008). "Ementa: Usucapião. Posse decorrente de ato de tolerância. - O autor da ação de usucapião deve comprovar os requisitos objetivos e subjetivos para essa modalidade de aquisição originária da propriedade. A teor do disposto no art. 1.208 do Código Civil, não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância, assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade" (TJMG - Apelação Cível nº 1.0400.04.012454-9/001 - Relator Des. Domingos Coelho - DJ de 16.02.2008). "Ementa: Apelação cível. Usucapião extraordinário. Posse precária. Permissão do proprietário do imóvel usucapiendo. Animus domini. Ausência. Prescrição aquisitiva afastada. - Se os prescribentes utilizaram o imóvel, nele realizando plantações, por ato de mera permissão de seu então proprietário, com o dever de zelar por ele, reconhecendo, assim, o domínio alheio, não podem alegar posse ad usucapionem, porque a posse que gera usucapião extraordinário deve ser exercida com ânimo de ter a coisa como sua (animus rem sibi habendi)" (TJMG - Apelação Cível nº 1.0024.05.581822-3/001 - Rel. Des. Tarcisio Martins Costa - DJ de 28.06.2008). Finalmente, no que se refere à condenação da autora e seu patrono ao pagamento de multa por litigância de má-fé, por alterar a verdade dos fatos, entendo deva ser reformada a sentença, merecendo acolhimento a apelação apenas nesse tópico. O instituto da litigância de má-fé consolida em "deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei; alterar a verdade dos fatos; usar do processo para conseguir objetivo ilegal; opor resistência injustificada ao andamento do processo; proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; provocar incidentes manifestamente infundados"; ou, ainda, "interpor recurso com intuito manifestamente protelatório", consoante preconizam os incisos I a VII do art. 17 do Código de Processo Civil. Sobre a matéria, ensinam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery: "Conceito de litigante de má-fé. É a parte ou interveniente que, no processo, age de forma maldosa, com dolo ou culpa, causando dano processual à parte contrária. É o improbus litigator, que se utiliza de procedimentos escusos com o objetivo de vencer ou que, sabendo ser difícil ou impossível vencer, prolonga deliberadamente o andamento do processo procrastinando o feito [...]" (Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 7. ed. São Paulo: RT, 2003, p. 371). A propósito do tema, adota-se o princípio de que o dolo e a culpa não se presumem, sendo necessário à sua constatação que se manifestem, de modo claro e evidente, além da imprescindibilidade de que sejam localizados nos debates, e não nos fundamentos jurídicos expostos no processo. Nesse sentido, a lição do mestre Celso Agrícola Barbi: "A idéia comum de conduta de má-fé supõe um elemento subjetivo, a intenção malévola. Essa idéia é, em princípio, adotada pelo direito processual, de modo que só se pune a conduta lesiva quando inspirada na intenção de prejudicar" (Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1975, v. 1, tomo 1, p. 176). No caso sub judice, embora o pedido inicial seja improcedente, não se pode concluir que a autora, ora apelante, agiu de má-fé, de molde a ensejar a aplicação da pena de multa, indicada no art. 18 do CPC. Para a condenação em litigância de má-fé, faz-se necessário o dolo da parte no entravamento da tramitação processual, manifestado por conduta intencionalmente maliciosa e temerária, o que não restou evidenciado, de forma inconteste, nos autos. Com essas razões de decidir, dou parcial provimento à apelação apenas para extirpar a condenação da autora e seu patrono ao pagamento de multa por litigância de má-fé. Confirmo, quanto ao mais, a r. sentença de primeiro grau. Custas recursais, no percentual de 90%, pela apelante; e 10%, pelos recorridos, suspensa a exigibilidade em relação à primeira nos termos do art. 12 da Lei nº 1.060/50. Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Irmar Ferreira Campos e Luciano Pinto. Súmula - DERAM PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO. |
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Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico/TJMG - 15/07/2009.
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