- A personalidade jurídica da sociedade é distinta da de seus sócios, não
podendo os bens particulares destes garantir dívidas daquela, quando não
desconsiderada a personalidade jurídica, notadamente por ser exigido
requerimento do interessado para tanto.
- O impedimento de transferência averbado na matrícula do imóvel pertencente
somente ao sócio é nulo por ferir direito de terceiros.
Apelação Cível n° 1.0079.04.175009-6/001 - Comarca de Contagem - Apelante:
Maria Evangelista de Freitas - Apelados: Sandra Dee Ferreira e outro -
Litisconsorte: Paulo Paiva - Relator: Des. Marcelo Rodrigues
A C Ó R DÃ O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas
taquigráficas, em dar provimento ao recurso.
Belo Horizonte, 2 de setembro de 2009. - Marcelo Rodrigues - Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DES. MARCELO RODRIGUES - Trata-se de apelação cível interposta por Maria
Evangelista de Freitas em face da r. sentença de f. 210/214, pela qual o
Juiz singular julgou prejudicados os embargos de terceiros aviados por
Sandra Dee Ferreira e Alvimar da Luz Dias em face de Paulo Paiva e
Frigorífico Boi Minas Ltda., em virtude da declaração de nulidade da penhora
feita sobre o imóvel objeto da presente ação. A sentença ainda manteve o
impedimento à transferência do imóvel de propriedade da apelante e condenou
Paulo Paiva e Frigorífico Boi Minas Ltda., ao pagamento das custas
processuais e honorários advocatícios fixados em 15% sobre o valor da causa,
os quais estão suspensos em razão do deferimento da assistência judiciária
gratuita a ambos.
Insurge a apelante, alegando que a manutenção do impedimento à transferência
do imóvel de sua propriedade tem como fundamento uma mera possibilidade
quanto ao requerimento de desconstituição da personalidade jurídica do
Frigorífico Boi Minas Ltda., empresa da qual foi sócia enquanto permaneceu
casada com seu ex-cônjuge. Afirma que referido imóvel foi adquirido através
de permuta com os apelados, tendo transferido a eles o imóvel objeto dos
embargos de terceiros e recebido o imóvel onde mora atualmente.
Sustenta que o impedimento recai sobre bem de terceiro, pois a apelante não
foi citada pessoalmente, mas como representante legal do Frigorífico Boi
Minas Ltda. Por fim, ressalta que a decisão que julgou prejudicados os
embargos de terceiros também afetou a decisão de impedimento de
transferência do imóvel de sua propriedade, perdendo sua razão de existir.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Compulsando os autos, verifico que a apelante foi citada como representante
legal do Frigorífico Boi Minas Ltda., tendo alegado, em contestação, razões
de ordem pessoal. Posteriormente, verifiquei que foi averbado na matrícula
do imóvel de sua propriedade impedimento para a transferência, a qualquer
título, do referido imóvel (f. 179). Por tais motivos, em que pese não ter
sido citada pessoalmente, vislumbro o interesse recursal da apelante.
Analisando a questão, verifico que a decisão do ilustre Juiz de primeiro
grau, no tocante à declaração de nulidade da penhora realizada sobre o
imóvel de propriedade dos apelados mostra-se acertada. É que, pela
documentação acostada aos autos, percebe-se que tal imóvel não pertence, nem
jamais pertenceu, ao Frigorífico Boi Minas Ltda., réu na ação monitória em
apenso que se encontra em fase de cumprimento de sentença. Diante de tal
nulidade, agiu, também, com acerto ao julgar prejudicados os embargos de
terceiros.
Contudo, entendo que assiste razão à apelante, quando pugna pela
desconstituição do impedimento à transferência de seu imóvel. É que, apesar
de ainda estar registrado em nome do antigo proprietário, há documentos nos
autos que demonstram ter o imóvel sido transferido para a apelante (f.
144/145). É certo que a cadeia dominial não está inteiramente demonstrada na
matrícula do imóvel. Porém, diante da farta documentação contida nos autos,
podem-se perceber as negociações realizadas entre o antigo proprietário e os
apelados, bem como entre estes e a apelante.
Sendo assim, não há sentido algum na manutenção do impedimento de
transferência de um imóvel que não pertence ao réu da demanda principal -
Frigorífico Boi Minas Ltda. -, pois a constrição judicial está prejudicando
terceira pessoa. É de se salientar, ademais, que não houve sequer
requerimento para a desconsideração da personalidade jurídica do
frigorífico, razão pela qual os seus bens continuam a responder pelas
dívidas, devendo os bens pessoais dos seus sócios ficar livres de qualquer
constrição judicial, já que a personalidade da sociedade é distinta da de
seus sócios, conforme leciona Fábio Ulhoa Coelho:
"A pessoa jurídica não se confunde com as pessoas que a compõem. Este
princípio, de suma importância para o regime dos entes morais, também se
aplica à sociedade empresária. Tem ela personalidade jurídica distinta de
seus sócios; são pessoas inconfundíveis, independentes entre si" (Manual de
direito comercial. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 112).
Conclui-se, portanto, que a mantença do impedimento de transferência do
imóvel da apelante é inteiramente nulo, devendo ser cancelado pelo Oficial
do Serviço de Registro de Imóveis.
Pelo exposto, dou provimento ao recurso para reformar a sentença e anular o
impedimento de transferência do imóvel de propriedade da apelante, devendo
ser emitido mandado de averbação para que o Oficial do Serviço de Registro
de Imóveis de Betim-MG proceda ao cancelamento da averbação AV-5 na
matrícula 13.380.
Custas recursais, pelos apelados.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Marcos Lincoln e Duarte
de Paula.
Súmula - DERAM PROVIMENTO AO RECURSO. |