JURISPRUDÊNCIA CRIMINAL
APELAÇÃO CRIMINAL - BIGAMIA - CASAMENTO
ANTERIOR FIRMADO EM PAÍS ESTRANGEIRO - NOVO MATRIMÔNIO NO BRASIL - ALEGAÇÃO
DE ERRO DE TIPO - NÃO CABIMENTO - DOLO EVIDENCIADO - OMISSÃO DA AGENTE -
CONDENAÇÃO - CUSTAS - ISENÇÃO - RECURSO PROVIDO EM PARTE
- É pressuposto do crime de bigamia a existência formal e a vigência de
anterior casamento. No caso dos autos havia casamento formal entre a
recorrente e seu antigo marido, tanto assim que as núpcias foram registradas
no Consulado do Brasil nos Estados Unidos. Dessa forma, não há erro de tipo,
pois o dolo somente pode ser excluído por erro quanto à vigência do
casamento anterior.
Apelação Criminal n° 1.0313.07.216781-7/001 - Comarca de Ipatinga -
Apelante: Sônia Dalva Teixeira da Silva - Apelado: Ministério Público do
Estado de Minas Gerais - Corréu: Max Sandre de Paula - Relator: Des. Doorgal
Andrada
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça
do Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador Delmival de
Almeida Campos, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas
taquigráficas, à unanimidade de votos, em prover em parte o recurso.
Belo Horizonte, 31 de agosto de 2011. - Doorgal Andrada - Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DES. DOORGAL ANDRADA (CONVOCADO) - Trata-se de recurso de apelação
interposto por Sônia Dalva Teixeira da Silva, em face da r. sentença de f.
114/120 que a condenou pela prática do delito previsto no art. 235 do CP, à
pena de 2 (dois) anos de reclusão, em regime aberto, com pena substituída
por restritivas de direitos.
Narra a denúncia que a acusada, no dia 24.07.2006, contraiu novo casamento
com Max Sandre de Paula, mesmo sendo anteriormente casada com Sérgio
Nepomuceno da Silva, cujo matrimônio se dera em 31.05.1994, nos Estados
Unidos, e a união foi registrada no Consulado do Brasil na América, em
03.04.1996. O casal havia se separado de fato, mas, mesmo ciente da não
ocorrência do divórcio, a recorrente se casou novamente.
Nas razões recursais (f. 130/134), pede a apelante a sua absolvição, uma vez
que incorreu em erro de tipo, pois acreditava que as núpcias contraídas no
exterior não tinham validade, pois não foram homologadas no Brasil. Dessa
forma, tratando-se de pessoa com pouca formação, não acreditou estar
incorrendo em crime e que a presente ação penal decorre apenas de ciúmes de
seu ex-marido. Pretende, também, a isenção das custas processuais.
Contrarrazões ministeriais às f. 136/139, pugnando-se pela manutenção da r.
sentença.
A douta Procuradoria de Justiça pronunciou-se no sentido de desprovimento do
recurso (f. 153/155).
Conheço do recurso, presentes os seus requisitos de admissibilidade.
A materialidade do delito está evidente mediante a certidão de casamento de
f. 10, bem como pelo certificate of marriage (f. 11) e registro do documento
no Consulado do Brasil (f. 12).
A autoria foi confessada pela recorrente (f. 74), que disse ter realmente se
casado no Brasil, mesmo após ter contraído núpcias anteriores nos Estados
Unidos, embora não tivesse homologado o matrimônio quando do seu retorno ao
Brasil.
A tese da defesa reside nesse ponto, ou seja, no erro de tipo por parte da
recorrente, que acreditou não ter validade o casamento firmado em solo
americano para fins de alteração de sua condição civil.
Comete o crime de bigamia (art. 235 do CP) aquele que contrair, sendo
casado, novo casamento.
É pressuposto deste crime a existência formal e a vigência de anterior
casamento. No caso dos autos, havia casamento formal entre a recorrente e
Sérgio Nepomuceno, tanto assim que as núpcias foram registradas no Consulado
do Brasil nos Estados Unidos.
O registro consular do casamento contraído no estrangeiro dá contornos de
validade no território nacional, motivo pelo qual a recorrente, para todos
os efeitos, era casada e novamente contraiu núpcias.
Nesse sentido a jurisprudência do TJMG:
"Ementa: Retificação de registro civil - Casamento realizado no exterior -
Ineficácia no território nacional - Incompetência do juízo brasileiro -
Ocorrência - Apelo desprovido. - Sendo ato jurídico perfeito, o casamento
realizado no exterior tem existência e validade no ordenamento jurídico, não
possuindo, todavia, eficácia no território nacional, uma vez que dependente
da transcrição que, por sua vez, está condicionada à legalização consular do
registro. Súmula: Negaram provimento" (Processo: 1.0145.07.429600-8/001,
Rel. Des.Nepomuceno Silva, j. em 04.06.2009, p. em 25.06.2009).
Para o STJ, a existência do casamento no estrangeiro nem sequer exige a
homologação ou registro no Brasil, nos termos do presente precedente:
"Sentença estrangeira contestada. Divórcio. Homologação. Registro do
casamento em cartório e chancela consular. Desnecessidade. Acordo
Brasil-França. Alimentos, guarda e visitação de filhos menores. Ressalva.
Princípio da soberania.
1. Competente a autoridade que prolatou a sentença, citada regularmente a
parte e transitado em julgado o decisum homologando, acolhe-se o pedido por
atendidos os requisitos indispensáveis à homologação da sentença estrangeira
que não ofende a soberania ou a ordem pública.
2. A existência do casamento realizado no exterior independe do traslado do
assento respectivo no registro civil brasileiro, exigido apenas quando se
pretende que produza efeitos no País (Lei dos Registros Públicos, art. 32).
3. O Decreto nº 3.598, de 12 de setembro de 2000, em seu art. 23, dispensa
de consularização ou de qualquer formalidade os documentos públicos
franceses quando tenham de ser apresentados no território brasileiro.
4. Ressalva-se a homologação no tanto referente aos alimentos e à guarda e
visitação dos filhos menores do casal, objeto de revisão em decisão
proferida no Brasil após a prolação da sentença estrangeira, pena de
violação do princípio da soberania.
5. Pedido de homologação de sentença estrangeira parcialmente deferido" (SEC
2576 / FR - DJe de 05.02.2009)".
O dolo somente pode ser excluído por erro quanto à vigência do casamento
anterior. Entretanto, no caso dos autos, não há nenhuma dúvida acerca da
vigência do casamento anterior, tanto assim que a acusada foi várias vezes
procurada pelo ex-marido para se divorciar.
Dessa maneira, não há falar em erro de tipo com exclusão do dolo.
O fato de não ter a apelante homologado o seu casamento firmado em solo
americano no Brasil não retirou a sua condição de pessoa casada, levando-a a
cometer o crime de bigamia quando contraiu as novas núpcias.
A própria omissão da recorrente em relação ao primeiro casamento, quando
efetuou os trâmites do segundo matrimônio, demonstra a sua condição dolosa,
situação que afasta a hipótese de erro de tipo.
Não tivesse o intuito doloso, a acusada poderia ter se certificado no
Cartório de Ipatinga acerca da validade de seu primeiro casamento, evitando,
assim, a ocorrência do crime.
A tese de erro de tipo deve ser repelida.
Apenas assiste à recorrente o direito de ter as custas processuais isentas,
uma vez que alegou hipossuficiência financeira, e essa condição não foi
rebatida nos autos.
Mediante tais considerações, dou parcial provimento ao recurso de apelação,
apenas para isentar a recorrente de custas, mantendo a decisão recorrida nos
demais pontos, nos termos do presente voto.
Isenta de custas na forma da Lei Estadual 14.939/03, uma vez que a
recorrente postula assistida pela Defensoria Pública.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Herbert Carneiro e
Delmival de Almeida Campos.
Súmula - RECURSO PROVIDO EM PARTE. |