Apelação - Embargos de terceiro - Posse - Contrato de promessa de compra e venda - Súmula 84 do STJ - Princípio da sucumbência - Sentença mantida

- "É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em posse advinda de promessa de compra e venda, mesmo que não inscrita no registro imobiliário'' (Súmula 84 do Superior Tribunal de Justiça).

- Quando o embargado opõe resistência às pretensões meritórias do terceiro embargante, afasta-se a aplicação do princípio da causalidade para se determinar a incidência do princípio da sucumbência.

Apelação Cível n° 1.0428.06.002690-6/001 - Comarca de Monte Alegre de Minas - Apelante: Banco Brasil S.A. - Apelado: José Humberto da Silva e sua mulher Ivanilda Ferreira Borges da Silva - Relator: Des. Tiago Pinto

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 15ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador José Affonso da Costa Côrtes, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em negar provimento.

Belo Horizonte, 17 de junho de 2010. - Tiago Pinto - Relator.

N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S

DES. TIAGO PINTO - José Humberto da Silva e Ivanilda Ferreira Borges da Silva opuseram embargos de terceiro em face da penhora do imóvel rural com área total de 58,08 ha, situado no Município de Monte Alegre de Minas, no lugar denominado Fazenda Babilônia, objeto da matrícula 6847, Livro 2 do CRI, ocorrida nos autos da ação de execução que o Banco do Brasil move a Job Martins de Oliveira.

Asseguraram os embargantes que, no dia 22 de abril de 1988, celebraram compromisso de compra e venda com o executado, tendo como objeto o referido imóvel e que, a partir daí, passaram a ocupá-lo, "nele edificando benfeitorias, reformando cercas, extraindo capim etc., situação que se verifica ainda hoje" (sic, f. 03).

Daí o pedido feito, de desconstituição da penhora, "condenando, em consequência, a embargada nas custas processuais, honorários advocatícios e demais cominações legais" (sic, f. 7).

Após o regular trâmite do feito, sobreveio sentença julgando procedentes os embargos de terceiro.

Assentou o d. Julgador de primeira instância que

"[...] perante a existência de compromisso de compra e venda do imóvel anterior a qualquer ato formal e concreto de execução, afigura-se incabível a penhora realizada nos autos da execução, constrição que pode ser remediada através dos embargos de terceiro manejados pelo promitente-comprador, na esteira do tranquilo entendimento jurisprudencial" (f. 181).

Inconformada, a instituição financeira embargada recorre.

Em suas razões recursais afirma que os apelados foram omissos ao não realizarem o registro da promessa de compra e venda e que, além disso, a alienação do imóvel ocorreu com o intuito de ludibriar os credores, "mantendo um patrimônio reservado, ileso do ataque dos seus credores" (f. 186).

No mais, alega que os embargos de terceiro somente podem ser interpostos quando houver prejuízo irreparável. Isto é, "no caso, subsistente a penhora e dela advindo a alienação do imóvel em hasta pública, têm os embargantes ação de regresso contra quem lhes alienou o mesmo imóvel. O prejuízo, se houver, é reparável. Não cabem os embargos de terceiro" (f. 187).

Ao fim, requer a reforma da decisão de primeira instância e, não se entendendo dessa forma, "que seja afastada a imposição da sucumbência, visto que, à evidência, foram os apelados que deram causa à ocorrência da constrição judicial, como restou demonstrado" (f. 187).

As contrarrazões foram devidamente apresentadas, rebatendo a argumentação firmada no recurso e pleiteando a manutenção da decisão de primeira instância.

É o relatório.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conhece-se do recurso.

Trata-se de embargos de terceiro possuidor manejados com base no art. 1.046 do Código de Processo Civil, no escopo de afastar penhora incidente sobre o imóvel descrito nos autos.

A toda vista, o imóvel não pode responder por dívida do executado.

É que o executado alienou o bem em questão aos embargantes, através de contrato de promessa de compra e venda, havendo a respectiva transferência da posse, tudo devidamente comprovado pela prova testemunhal produzida nos autos (f. 128/129).

A propósito, o testemunho prestado pelo Sr. Ronari Batista Nogueira:

"[...] que o embargante continua na posse do imóvel, sendo que de 1998 para cá o depoente prestou serviços todos os anos para o embargante; que o embargante tem gado de leite na fazenda e mantém um vaqueiro para cuidar da propriedade; que de junho de 1998 para cá o embargante tem posse contínua para cuidar da propriedade, estando sempre por lá" (f. 128).

Argumenta-se que o compromisso de compra e venda não foi registrado e que, em virtude disso, não ocorreu efetivamente a transferência da propriedade. Ocorre que a embargada, enquanto mera credora do alienante, não tem qualquer legitimidade para invocar tal fato em proveito próprio, visto que os embargos também se prestam para defesa da mera posse, assim como disposto no art. 1.046 do Código de Processo Civil.

Nisso bem fundamentou sua decisão o d. Julgador a quo, ao dispor que:

"[...] perante a existência de compromisso de compra e venda do imóvel anterior a qualquer ato formal e concreto de execução, afigura-se incabível a penhora realizada nos autos da execução, constrição que pode ser remediada através dos embargos de terceiro manejados pelo promitente-comprador, na esteira do tranquilo entendimento jurisprudencial" (f. 181).

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça não discrepa desse posicionamento:

"Recurso especial. Embargos de terceiro. Adquirente de boa-fé. Penhora. Registro. Ônus da prova.

1 - Ao terceiro adquirente de boa-fé é facultado o uso dos embargos de terceiro para defesa da posse. Não havendo registro da constrição judicial, o ônus da prova de que o terceiro tinha conhecimento da demanda ou do gravame transfere-se para o credor. A boa-fé neste caso (ausência do registro) presume-se e merece ser prestigiada.

2 - Recurso especial conhecido e provido" (REsp 493.914/SP - Rel. Ministro Fernando Gonçalves - Quarta Turma - j. em 08.04.2008 - DJe de 05.05.2008 e DJe de 22.08.2008).

A questão já foi, inclusive, sumulada:

"É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda de compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro" (Súmula 84 do Superior Tribunal de Justiça).

A alegação de que os embargos de terceiro não seriam manejáveis pelos apelados, em virtude da possibilidade destes se valerem de ação de regresso contra o alienante do imóvel, não vinga. Isso porque a celebração de contrato de compra e venda e a consequente posse por parte dos embargantes estão devidamente comprovadas nos autos, decorrendo disso o direito de se manejarem os embargos de terceiro. E mais, a penhora já constitui início de turbação judicial, suficiente para amparar a utilização dos embargos, ainda que falte a lavratura de termo de depósito para aperfeiçoamento formal do ato.

Tampouco se cogita de alienação fraudulenta, uma vez que a ação executiva foi ajuizada somente em 21 de outubro de 1998 (f. 21), portanto, após a alienação que, diga-se, ocorreu no dia 22 de abril de 1998. Isto é, não há elementos nos autos que permitem a elaboração de um juízo de verossimilhança a respeito da ocorrência de "manobras escusas" (f. 186) ou mesmo ausência de boa-fé, como alegado nas razões recursais.

Corroborando isso, está o fato de o apelante ter se insurgido contra os fundamentos da sentença de forma genérica sem imiscuir na matéria fática ou mesmo apontar qualquer documento capaz de infirmar a decisão de primeira instância.

Finalmente, no que se refere à distribuição dos ônus da sucumbência, também sem razão o apelante.

Não se aplica o princípio da causalidade quando o embargado opõe resistência às pretensões meritórias do terceiro embargante. Na presente hipótese, a instituição financeira embargada apresentou contestação e pleiteou, textualmente, a improcedência do pedido inicial, atraindo, então, a aplicabilidade do princípio da sucumbência.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é remansosa nesse sentido:

"Processual civil. Agravo regimental em agravo de instrumento. Violação ao art. 535. Pretensão de rediscussão da matéria. Impossibilidade. Inexistência de omissão, contradição ou obscuridade no julgado. Embargos de terceiro. Contrato de promessa de compra e venda de imóvel constrito posteriormente não registrado. Honorários advocatícios devidos. Súmula 83/STJ.

1. Prevê o art. 535 do CPC a possibilidade de manejo dos embargos de declaração para apontar omissão, contradição ou obscuridade na sentença ou acórdão, não se prestando este recurso, portanto, para rediscutir a matéria apreciada.

2. O acórdão recorrido adotou tese em conformidade com a jurisprudência deste Tribunal, qual seja, quando o embargado opõe resistência às pretensões meritórias do terceiro embargante, atrai a aplicação do princípio da sucumbência. Precedentes.

3. 'Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida', conforme os termos da Súmula 83 do STJ.

4. O agravante não trouxe qualquer argumento capaz de infirmar a decisão que pretende ver reformada, razão pela qual se entende que ela há de ser mantida na íntegra.

5. Agravo regimental a que se nega provimento" (AgRg no Ag 1064241/SP - Rel. Ministro Carlos Fernando Mathias - Juiz Federal convocado do TRF - 1ª Região - Quarta Turma - julgado em 03.03.2009 - DJe de 16.03.2009).

E ainda:

"Agravo regimental no agravo de instrumento. Execução. Penhora. Embargos de terceiro. Omissão. Sucumbência. Agravo regimental não provido.

- Apesar de os embargantes não terem providenciado o registro do contrato de promessa de compra e venda do imóvel objeto da constrição, o embargado, ao opor resistência à desconstituição da penhora, atrai para si a aplicação do princípio da sucumbência ao ficar vencido na demanda.

- Agravo regimental improvido" (AgRg no Ag 668.005/RS - Rel. Ministro Luis Felipe Salomão - Quarta Turma - julgado em 07.10.2008 - DJe de 28.10.2008).

Isso posto, nego provimento ao recurso e mantenho a decisão de primeira instância por seus próprios e jurídicos fundamentos.

Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Antônio Bispo e José Affonso da Costa Côrtes.

Súmula - NEGARAM PROVIMENTO.


Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico de MG - 11/02/2011.

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