Apelação Cível - Reconhecimento de união estável - Requisitos

APELAÇÃO CÍVEL - RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL - REQUISITOS - ART. 1.723 DO CC - ÔNUS DA PROVA - AUTOR - NAMORO SÉRIO X UNIÃO ESTÁVEL - INEXISTÊNCIA DO REQUISITO "OBJETIVO DE CONSTITUIÇÃO DE FAMÍLIA" - COABITAÇÃO - FORTE INDÍCIO

- Para a configuração da união estável são indispensáveis alguns requisitos, quais sejam dualidade de sexos, convivência duradoura e contínua, honrabilidade (respeito entre os conviventes), notoriedade de afeições recíprocas, fidelidade presumida, coabitação (no sentido de não aceitar o simples namoro ou relação passageira) e, principalmente, o objetivo de constituir família.

- A coabitação não é elemento essencial para a caracterização de união estável, mas normalmente é um indício importante, sendo que se admitem situações em que os conviventes não residem sob o mesmo teto, quando há um relevante motivo que impeça a concretização de tal circunstância.

- Na ausência de motivo relevante, a não-coabitação entre um casal jovem, livre e desimpedido durante anos afigura-se como indício de inexistência de união estável. O namoro sério é muitas vezes confundido com união estável, sendo o requisito "objetivo de constituição de família" o elemento diferenciador entre os dois, que deve ser aferido em cada caso, de acordo com suas circunstâncias específicas.

Apelação Cível n° 1.0145.99.001607-6/001 - Comarca de Juiz de Fora - Apelante: V.M.L. - Apelado: J.C.O. - Relator: Des. Dárcio Lopardi Mendes

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em negar provimento.

Belo Horizonte, 27 de novembro de 2008. - Dárcio Lopardi Mendes - Relator.

N O TA S T A Q U I G R Á F I C A S

DES. DÁRCIO LOPARDI MENDES - Cuida-se de apelação interposta em face de sentença que julgou improcedente o pedido formulado em sede de dissolução de sociedade estável, cumulado com partilha de bens e pedido de alimentos, ajuizada por V.M.L. em desfavor de J.C.O.

A autora afirmou que manteve um longo e duradouro relacionamento amoroso com o requerido, que se iniciou em 1983, quando este residia em São Paulo e pernoitava, nos finais de semana, em Santo André, onde residia a autora. Em 1989, o requerido se mudou para o Rio de Janeiro, continuando a manter o relacionamento amoroso, ora na residência da autora, em Santo André, ora no Rio de Janeiro. Asseverou que, no ano de 1995, o requerido adquiriu um imóvel em Juiz de Fora, onde fixou residência em virtude de uma oferta de emprego, vindo a conviver definitivamente em união estável com a autora até o ano de 1998, quando esta descobriu que o suplicado "mantinha um caso com outra amásia", a partir de quando o requerido pediu que a autora desocupasse o imóvel em que ambos residiam sob o mesmo teto.

Salienta-se que a ação em tela foi ajuizada em fevereiro de 1999, sendo que, após um extenso período de prova, com a oitiva de várias testemunhas, algumas por carta precatória, foi proferida sentença apenas em dezembro de 2007, que julgou improcedente o pedido, fixando honorários no importe de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), suspendendo, todavia, a exigibilidade dos mesmos, porquanto a autora litiga sob o pálio da assistência judiciária gratuita. O Juiz singular proferiu sua decisão, considerando que, em que pese tenha restado comprovada a existência de um relacionamento amoroso, não há comprovação de que o relacionamento mantido entre as partes tenha preenchido os requisitos inerentes à configuração de união estável.

Inconformada, apela a autora na forma das razões de f. 348/356, alegando, entre outros argumentos, que o Juízo primevo prestigiou apenas a prova testemunhal produzida nestes autos, essencialmente fundamentada em depoimentos prestados por testemunhas parciais, pessoas de confiança do apelado, desprezando as demais provas, mormente fotografia do apelado na companhia da apelante, em momento de convivência de natureza familiar. Ressalta a existência dos documentos de f. 11/16, consubstanciados em notas de agradecimento à apelante, em publicações do apelado, "que comprovam o esforço da apelante na formação do patrimônio adquirido pelos companheiros durante a União Estável".

Salienta que ambos abriram uma conta poupança juntos, bem como salienta a existência de cartas (doc. de f. 22/23), que demonstram a existência de um relacionamento longo, duradouro, com cunho de constituir família.

Por fim, aduz a desnecessidade de prova de esforço comum para a aquisição do patrimônio como condição para a partilha de bens na união estável e requereu o provimento do apelo para que a sentença seja reformada, julgando procedentes os pedidos iniciais.

O apelado apresentou contra-razões pela manutenção da decisão, ressaltando que o ônus da prova é de quem alega, sendo que a apelante não comprovou a existência de união estável, mesmo porque não houve união estável.

Conheço do recurso, porquanto presentes seus pressupostos de admissibilidade.

Enquanto no casamento a prova é pré-constituída, com a celebração devidamente proclamada e devidamente comprovada com a certidão, com o fim de regular todos os efeitos para o futuro, a união só adquire seu caráter como família a partir do reconhecimento de seus elementos essenciais, com a detida análise de todas as circunstâncias determinantes da união estável. É uma constatação a posteriori.

Nesse diapasão, certo é que incumbe à parte que alega demonstrar seu direito, em conformidade com o art. 333, I, da Lei Instrumentária Civil, estando o magistrado adstrito aos fatos carreados e demonstrados nos autos, sempre julgando a partir de sua experiência e seus conhecimentos jurídicos, com observância do princípio do livre convencimento.

É de sabença pública e notória que, para a configuração da união estável, são indispensáveis alguns requisitos, quais sejam dualidade de sexos, convivência duradoura e contínua, honrabilidade (respeito entre os conviventes), notoriedade de afeições recíprocas, fidelidade presumida, coabitação (no sentido de não aceitar o simples namoro ou relação passageira) e, principalmente, o objetivo de constituir família.

O que pretende a lei é valorizar a entidade familiar, e esta deve ser comprovada de forma absoluta e incontestável, por todas as formas, de maneira harmônica.

A prova deve ser certa, segura e incontroversa para que se reconheça a união, em consonância com os fins almejados pela Constituição da República.

Cumpre esclarecer que incumbe à parte que alega demonstrar seu direito, sob pena de sua pretensão ser julgada improcedente, nos termos do art. 333, inciso I, do CPC, cujo texto dispõe que:

``Art. 333. O ônus da prova incumbe:

I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; [...]''.

Assim, a demandante deve cuidar para que sua pretensão reste indubitavelmente comprovada, porquanto o magistrado apenas poderá se ater aos fatos carreados e demonstrados nos autos, aos quais aplicará seus conhecimentos técnicos e as máximas de sua experiência.

Nesse sentido, Euclides de Oliveira (in União estável: do concubinato ao casamento. 6. ed. Editora Método, 2003, p. 149):

``A situação de convivência em união estável exige prova segura para que se reconheça sua existência e se concedam os direitos assegurados aos companheiros''.

O mesmo autor ao apresentar os requisitos para configuração da união estável destaca:

``[...] a) convivência; b) ausência de formalismo; c) diversidade de sexos; d) unicidade de vínculo; e) estabilidade: duração; f) continuidade; g) publicidade; h) objetivo de constituição de família; e i) inexistência de impedimentos matrimoniais.

Não basta a presença de apenas um ou alguns desses requisitos. É preciso que todos se mostrem evidenciados para que a união seja considerada estável. A falta de um deles pode levar ao reconhecimento de mera união concubinária ou de outra ordem'' (p. 122).

No caso que ora se apresenta, a requerente não demonstrou o preenchimento de todos os requisitos, senão vejamos:

Segundo Euclides de Oliveira, o objetivo de constituição de família pode ser evidenciado "por uma série de elementos comportamentais na exteriorização da convivência more uxório, com o indispensável affectio maritalis, isto é, apresentação em público dos companheiros como se casados fossem e com afeição recíproca de um verdadeiro casal. São indícios veementes desta situação de vida à moda conjugal a mantença de um lar comum, freqüência conjunta a eventos familiares e sociais, eventual casamento religioso, existência de filhos havidos dessa união, mútua dependência econômica, empreendimentos em parceria, contas bancárias conjuntas etc.".

Compulsando atentamente os autos, conclui-se que não há dúvidas de que os litigantes mantiveram, durante anos, um relacionamento amoroso, que não chegou a configurar união estável.

Os documentos juntados pela autora com a inicial, mormente os agradecimentos à autora nas publicações científicas do requerido, de f. 14/16, datados respectivamente de 1988 e 1992; as declarações de f. 17/20, também com datas bastante antigas, bem como as cartas juntadas às f. 22/23, de 1985 e 1990, respectivamente, nada mais provam do que a existência de um namoro entre as partes.

É incontroversa a afirmação de que os litigantes começaram a se relacionar em 1983, após a autora ter sido aluna do requerido, sendo que em 1989 o requerido se mudou para o Rio de Janeiro, onde continuou residindo sem a companhia da autora por quase seis anos. Esta, desde o início do relacionamento, residia em Santo André, na casa dos pais. Apenas em 1995, o requerido fixou residência em Juiz de Fora, por motivos profissionais, quando finalmente a autora veio residir em sua companhia.

Da análise dos fatos, vê-se que o relacionamento em questão perdurou por mais de 10 anos, a distância, sendo que os litigantes se viam apenas em feriados, férias e alguns finais de semana.

Ora, bem verdade que a coabitação não é elemento essencial para a caracterização de união estável, mas normalmente é um indício importante, sendo que se admitem situações em que os conviventes não residem sob o mesmo teto, quando há um relevante motivo que impeça a concretização de tal circunstância. No caso em tela, os litigantes eram jovens e desimpedidos, não havendo falar-se em qualquer motivo justo que impedisse que os mesmos residissem juntos, a não ser a falta de vontade das partes.

Nesse sentido, o comentário de Fabrício Zamprogna Matiello (in Código Civil comentado. 2. ed. São Paulo: Editora LTR, p. 1.126):

``5. A convivência sob o mesmo teto não é pressuposto essencial para que se configure a união estável, mas a prova da sua existência normalmente parte da manutenção de um lar comum, onde ambos os companheiros desfrutam do domicílio único e se conservam em ambiente semelhante ao gerado pelo matrimônio. Em vista disso, a convivência more uxorio, sob o mesmo teto, acaba funcionando como elemento formador da convicção do juiz a quem couber a análise da matéria, ainda que não conste da lei como fator essencial ao estabelecimento da entidade familiar''.

Como poderiam ter o objetivo de constituir família, requisito previsto pelo art. 1.723 do CC, se nem sequer residiam juntos, sem nenhum motivo relevante que justificasse esse afastamento?

Penso que, no que se refere ao período que vai do início do relacionamento até a mudança dos litigantes para Juiz de Fora, está patente a inexistência de união estável, configurando o relacionamento um namoro, longo, mas apenas um namoro, como tantos outros, público, estável, mas que não está apto a subsidiar aspirações de partilha de bens amealhados por qualquer das partes.

Já o período de 1995 a 1998, final do relacionamento, em que os litigantes residiram juntos em Juiz de Fora, merece ser perquirido mais profundamente, com vistas a se aferir a possível existência de união estável.

A testemunha da autora, M.P.B.O. (termo de f. 197), vizinha do casal, afirmou que:

"não sabia se o casal vivia como marido porque não tinha qualquer participação na vida íntima dos dois; que a depoente nunca os viu saindo juntos de mãos dadas ou abraçados; [...]".

Outra testemunha da autora, termo de f. 198, afirmou: "que sabia que o casal mantinha um relacionamento de namoro [...]".

A segunda testemunha do requerido, termo de f. 200, colega de departamento do requerido, que foi a sua residência por duas vezes durante o período investigado, afirmou que não sabia se V. morava com J.C.:

"que na residência de J.C. não se via nenhum indício de ser o local habitado por uma mulher; que a residência de J.C. era bastante bagunçada, com muitas teias de aranha; que na residência do requerido tem apenas um fogareiro, uma geladeira vazia, dando mostra que nem ele mora de fato lá, que ele fica mais na universidade [...]" (sic).

A terceira testemunha, que trabalhou como diarista para o requerido, termo de f. 201 asseverou:

"Que a depoente trabalhou no prédio de J.C. e, aos sábados, depois do meio-dia ia fazer faxina na residência dele; que J.C. morava sozinho, sendo certo que a depoente viu V. por duas vezes, que no apartamento de J.C. tinha dois quartos de solteiros, que a cama no quarto de V. era de solteira, e do de J.C. de casal com colchão de solteiro; que V. não morava com J.C.; que ia no apartamento de J.C. a cada quinze dias; que o imóvel era sujo e não demonstrava a presença de mulher no local; que J.C. tinha um fogareiro e não cozinhava em casa; que ele levava comida num marmitex, que ela quase não ficava no apartamento e não tinha alimentos nos armários, que as roupas de J.C. ficavam todas num local, geralmente no chão ou no armário bagunçadas; [...] que trabalhou no apartamento de J.C. em janeiro, fevereiro e março de 1997 ou 1998; que no quarto em que V. geralmente ficava tinha apenas uma mala com suas roupas, CDs, e tipo um gravador; que não se recorda se neste quarto tinha um armário [...]".

A testemunha da autora, ouvida através de carta precatória, termo de f. 266/269, não foi de muita valia para esclarecer acerca da existência de união estável no período em que a autora residia em Juiz de Fora, pois afirmou que tinha pouco contato a referida autora, ressaltando apenas que a autora vinha esporadicamente para Santo André realizar tratamento dentário e logo voltava para Juiz de Fora.

Ao que tudo indica, os litigantes permaneceram todo o tempo administrando separadamente suas vidas, evidenciando a inexistência do objetivo de constituição de família, elemento que diferencia o namoro sério de uma união estável.

O apartamento em que o casal residia, na forma como descrito pelas testemunhas, em nada se parecia com um lar de duas pessoas com o objetivo em comum de constituição de família. Sequer a forma como se comportavam na frente dos vizinhos evidenciava tratar-se de um casal.

Assim, como dito anteriormente, a autora, que tem o ônus da prova, não teve êxito em demonstrar a existência de união estável.

Pelo exposto e por tudo mais que dos autos consta, nego provimento ao apelo para manter, in totum, a bem-lançada sentença.

Custas, ex lege.

Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Audebert Delage e Moreira Diniz.

Súmula - NEGARAM PROVIMENTO.


Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico do TJMG - 13/07/2009.

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