- Independe da comprovação de culpa ou dolo, existindo dano causado a
terceiro, é devida a reparação por parte dos cartorários. Esse é um ônus da
atividade por eles exercida, que tem natureza pública e pressupõe-se
confiável.
- Correto o entendimento de que a responsabilidade dos notários e oficiais
de registro no exercício de suas atividades é objetiva.
- Não obstante a responsabilidade objetiva evidenciada, está caracterizada a
existência de excludente de ilicitude, imputável à ação de terceiro que
concorreu para ocorrência do evento danoso.
Apelação Cível nº 1.0145.06.324168-4/005 - Comarca de Juiz de Fora -
Apelante: Bradesco Vida Previdência S.A. - Apelado: Cartório de Registro
Civil do 2º Subdistrito de Juiz de Fora - Relator: Des. Batista de Abreu
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à
unanimidade, em negar provimento à apelação. Belo Horizonte, 6 de julho de
2011. - Batista de Abreu - Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DES. BATISTA DE ABREU - Trata-se de apelação cível (f. 379/392) interposta
por Bradesco Vida e Previdência S.A. contra sentença (f. 368/377) proferida
pelo Juízo da 8ª Vara Cível da Comarca de Juiz de Fora, nos autos da "ação
ordinária" ajuizada em desfavor de Cartório de Registro Civil do 2º
Subdistrito de Juiz de Fora, que julgou improcedente o pedido do apelante.
Fundamentou o douto Magistrado que o ilícito que a seguradora suplicante
atribui ao cartório réu consiste na lavratura do assento de óbito de Marcos
Gonçalves Neto, no dia 02.07.2003, no Livro C-55, nas f. 174-v., sob o nº
35141, o qual se descobriu ser falso, após o pagamento da indenização
securitária à esposa beneficiária, que o declarou como morto; que, ao
contrário do que quer fazer crer a seguradora autora, o suplicado não lavrou
certidão de óbito falsa; que o referido documento público é formalmente
verdadeiro, somente os dados dele constantes é que são inverídicos; que o
estabelecimento registral dirigiu sua conduta conforme determinado pela lei,
em estrito cumprimento do dever que lhe é imposto, com atividade delegada
pelo Poder Público.
Alega o apelante, por sua vez, que a responsabilidade do apelado é objetiva,
considerando a disposição do art. 37, § 6º, CF/88; o art. 22 da Lei
8.935/94; e os arts. 14 e 17 do CDC; que o apelado, praticando atos próprios
da serventia, prestou serviço defeituoso, consistente na expedição de
certidão ideologicamente falsa, à vista da qual ele, apelante, liquidou
sinistro de morte, sofrendo prejuízo correspondente ao pagamento da
indenização que não era devida, cujo valor é cobrado no pedido inicial; que
o estrito cumprimento do dever legal não constitui causa de exclusão de
ilicitude; que ainda que não seja caso de responsabilidade civil objetiva, o
apelado deve ser responsabilizado porquanto agiu com negligência, visto que
aceitou o atestado médico apenas
rubricado. Requer, assim, o provimento do recurso e a reforma da sentença.
Contrarrazões às f. 394/401.
É o relatório.
Extrai-se dos autos que Bradesco Vida e Previdência S.A. ajuizou a presente
ação em desfavor do Cartório de Registro Civil do 2º Subdistrito de Juiz de
Fora, alegando que, no dia 08.07.2003, Ana Beatriz dos Santos Neto deu
entrada no Processo de Sinistro nº 036656, reclamando a indenização
referente à morte do cônjuge, Marcos Gonçalves Neto. Afirmou que a
indenização, no valor de R$ 65.149,25, foi devidamente paga à Ana Beatriz.
Porém, tempos depois, descobriu-se que o requerimento administrativo foi
baseado em certidão de óbito falsa expedida pelo réu, razão pela qual
ingressou em juízo, reclamando o valor do pagamento indevido.
Narrados os fatos, baseou-se o autor em sua inicial, e agora em suas razões
de apelação, na tese de que a responsabilidade do cartório réu neste caso é
objetiva. Segundo ele, independentemente da análise de ocorrência de culpa,
é dever do réu indenizá-lo pelo dano sofrido, considerando as disposições do
art. 37, § 6º, CF/88; do art. 22 da Lei 8.935/94 e dos arts. 14 e 17 do CDC,
porquanto foi ele o responsável pelo documento falso que deu origem ao
prejuízo.
Em que pesem os fortes argumentos do autor, como se verá, razão não lhe
assiste em sua pretensão. Dispõe o art. 22 da Lei 8.935/94: "Os notários e
oficiais de registro responderão pelos danos que eles e seus prepostos
causem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia, assegurado aos
primeiros o direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos".
Infere-se do transcrito que independe da comprovação de culpa ou dolo,
existindo dano causado a terceiro, é devida a reparação por parte dos
cartorários. Esse é um ônus da atividade por eles exercida, que tem natureza
pública e pressupõe-se confiável. Encontra amparo não apenas na lei especial
como também na Constituição da
República, por meio dos arts. 236 e 37, § 6º. Por isso, tem-se como correto
o entendimento de que a responsabilidade dos notários e oficiais de registro
no exercício de suas atividades é objetiva.
Ensina a doutrina de Alexandre de Moraes que:
"[...] a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e
das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público
baseia-se no risco administrativo, sendo objetiva. Essa responsabilidade
objetiva exige a ocorrência dos seguintes requisitos: ocorrência do dano;
ação ou omissão administrativa; existência de nexo causal entre o dano e a
ação ou omissão administrativa e ausência de causa excludente da
responsabilidade"
(MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 18. ed. São Paulo: Atlas,
2005).
Com efeito, não obstante a responsabilidade objetiva evidenciada,
especificamente no caso em análise, está caracterizada a existência de
excludente de ilicitude, imputável à ação de terceiro que concorreu para
ocorrência do evento danoso.
Como restou analisado pelo Juiz singular na sentença recorrida, ao contrário
do que quer fazer crer o autor, o réu não lavrou certidão de óbito falsa.
O referido documento público é formalmente verdadeiro, somente os dados dele
constantes é que são inverídicos. Isso porque Ana Beatriz, ex-mulher do
segurado Marcos Gonçalves Neto, reconheceu no depoimento do inquérito
policial juntado aos autos que, munida de atestado de óbito falso,
dirigiu-se ao cartório réu e solicitou a expedição da certidão de óbito para
o requerimento da indenização do seguro de vida. É como declara nas f. 121:
Que, acerca de seis anos, a declarante e Marcos se separaram, porém esta
possuía um seguro de vida junto a Fan-Poupex, vinculada ao Exército
Brasileiro [...] até que, como forma de conseguir algum dinheiro, resolveu
tentar receber o seguro de vida referido, para o que precisaria simular a
morte de Marcos; que se dirigiu então à R. Halfeld, local chamado 'Esquina
dos Aflitos', onde sabe se é capaz de obter informações sobre qualquer coisa
que queira, e passou a procurar por pessoa que vendesse 'atestado de óbito';
[...] que Jair, se é que é este seu nome, disse que poderia arrumar um
atestado de óbito para a declarante, ao preço de três mil reais; que Jair
ainda lhe pediu para fornecer a ele um receituário médico qualquer; [...] no
domingo seguinte foi à feira onde se encontrou com Jair, recebendo dele o
atestado de óbito já totalmente preenchido e pronto; [...] que, munida do
dito atestado de óbito, a declarante se dirigiu ao Cartório do 2º
Subdistrito - Villela, onde deu entrada para que
fosse expedida a certidão de óbito [...]".
Percebe-se, assim, que tanto a seguradora autora quanto o cartório de
registros réu foram vítimas da ação de uma falsária. Portanto, embora seja
impossível negar a existência do dano, não representa a aplicação da melhor
justiça a condenação do réu ao pagamento do valor pleiteado pela seguradora,
tendo em vista a excludente de ilicitude apontada. O cartório foi uma peça
intermediária de uma ação delituosa já iniciada em outro momento e sítio
distintos.
E, por fim, nada exigia do cartório pesquisa da autenticidade do atestado de
óbito. Até porque desconhecida e não era de conhecer a intenção da
estelionatária. A certidão de óbito, mesmo que irregular, poderia ser usada
sem a finalidade econômica.
Sendo assim, nego provimento à apelação para manter incólume a sentença
proferida na 1ª instância.
Custas recursais, pela apelante.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Sebastião Pereira de
Souza e Otávio de Abreu Portes.
Súmula - NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
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