- O proprietário pode usar e gozar da
propriedade, como bem lhe aprouver, estando, contudo, impedido de construir,
tendo-se em conta a preservação de superiores interesses da coletividade,
cabendo, ainda aos órgãos de fiscalização, no exercício de seu poder de
polícia, impedir tais construções.
- Consoante a festejada lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, as pedras
de toque do regime jurídico-administrativo são a supremacia do interesse
público sobre o privado e a indisponibilidade dos interesses públicos.
Apelação Cível n° 1.0411.02.005230-3/001 - Comarca de Matozinhos - Apelante:
Gercina Fonseca de Matos - Apelada: Ferrovia Centro Atlântica S.A. -
Relator: Des. Rogério Medeiros
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 14ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na
conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade
de votos, em negar provimento.
Belo Horizonte, 30 de abril de 2009. - Rogério Medeiros - Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DES. ROGÉRIO MEDEIROS - Versam os autos sobre recurso de apelação interposto
por Gercina Fonseca de Matos, qualificada nos autos. Insurge-se a apelante
contra sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados em ação de
interdito proibitório c/c pedido de indenização ajuizada contra Ferrovia
Centro Atlântica, ao fundamento de que a obra da autora está irregular, pois
invade área não edificante legalmente prevista e desrespeita limitação
administrativa decorrente de lei.
Em suas razões recursais às f. 303/307-TJ, sustenta a apelante que a
presente ação visa resguardar o exercício de poderes inerentes à propriedade
e posse do bem imóvel, cabalmente comprovadas, e não da discussão de domínio
sobre faixa de terra de linhas férreas.
Assevera que, uma vez comprovados os requisitos previstos no art. 927 do CPC,
a improcedência do pedido é medida que se impõe.
Afirma que a perícia deixou claro que a construção está dentro dos limites
do imóvel, conforme registro no CR e dentro dos padrões técnicos exigidos
pelo Município e pelo CREA/MG, I, cabendo, portanto, à Ferrovia se valer dos
instrumentos para exercícios de suas prerrogativas e não agir de forma
arbitrária, destruindo bem particular.
Aduz que o juízo possessório não se confunde com o juízo petitório, não
cabendo discussão acerca do domínio em sede de ação possessória.
A apelada ofertou contrarrazões às f. 312/317-TJ e pugnou pelo desprovimento
do recurso.
Preparo regular à f. 308-TJ.
A questão dos autos cinge-se em perquirir acerca da possibilidade do
interdito proibitório e do direito à indenização pela destruição de obra em
área non aedificandi.
Em que pesem as alegações da apelante, tenho que não merecem ser acolhidas.
O art. 4º, III, da Lei nº 6.766/79 assim dispõe:
"Art. 4º - [...]
III - ao longo das águas correntes e dormentes e das faixas de domínio
público das rodovias, ferrovias e dutos, será obrigatória a reserva de uma
faixa non aedificandi de 15 (quinze) metros de cada lado, salvo maiores
exigências da legislação específica;".
É certo que a área non aedificandi decorre de limitação administrativa ao
direito de propriedade estabelecida por lei ou regulamento, não afetando o
domínio do proprietário.
No art. 5º, caput e parágrafo único, da mesma lei, consta:
"O Poder Público competente poderá complementarmente exigir, em cada
loteamento, a reserva de faixa non aedificandi destinada a equipamentos
urbanos.
Parágrafo único. Consideram-se urbanos os equipamentos públicos de
abastecimento de água, serviços de esgotos, energia elétrica, coletas de
águas pluviais, rede telefônica e gás canalizado".
Pertinente traçar, sobre as faixas non aedificandi, a distinção entre a
prevista no art. 4º, III, da Lei 6.766/79, da constante do art. 5º do mesmo
diploma legislativo.
A faixa de domínio público, prevista no art. 4º, III, da Lei 6.766/79, tem
caráter obrigatório, devendo ser respeitada por todos os proprietários de
imóveis que se encontrem na situação prevista naquele dispositivo,
independentemente da vontade da Administração Pública. A observância dessa
área independe de ato administrativo emanado pelo Poder Público, sendo
dispensável a existência de decreto de utilidade pública que a reconheça
como área non aedificandi, tendo em vista que sobre ela não pode a
Administração dispor.
Quanto à faixa prevista no art. 5º da mencionada lei, trata-se de faculdade
do Poder Público exigi-la em determinados loteamentos, quando necessária,
tratando-se de complementação à faixa de domínio de quinze metros prevista
em lei.
A respeito do tema, leciona Sérgio A. Frazão do Couto:
"O primeiro tipo de faixa non aedificandi (art. 4º, item III) tem
obedecimento obrigatório, em razão das disposições da própria Lei. Não se
trata, como no segundo caso, de uma faculdade que tem o poder público de
estabelecer outras faixas non aedificandi. Trata-se de uma obrigação imposta
pela lei, que não pode ser desatendida pelo loteador, sob pena de incorreção
do projeto. Essas faixas, de caráter obrigatório (com o objetivo de proteger
as proximidades das águas correntes e dormentes ou reservar espaços de
segurança nas rodovias públicas, ferrovias e dutos), não podem ser olvidadas
no projeto de loteamento ou desmembramento urbano.
Segundo Hely Lopes Meirelles:
"A legislação rodoviária geralmente impõe uma limitação administrativa aos
terrenos marginais, das estradas de rodagem, consistente na proibição de
construções a menos de 15 metros da rodovia, contado o recuo da divisa do
domínio público com o particular. Como simples limitações administrativas,
tal restrição não obriga qualquer indenização, nem impede o proprietário de
utilizar essa faixa para fins agrícolas ou pastorais; o que não pode é nela
construir. A limitação se justifica como medida de segurança e higiene das
edificações, pois que levantadas muito próximas do leito carroçável ficariam
expostas aos perigos do trânsito, à poeira e à fumaça dos veículos, além de
prejudicar a visibilidade e a estética, não desprezíveis nas modernas
rodovias" (Direito administrativo. 6. ed., p. 510/511).
Marco Aurélio S. Viana nos ensina que:
"Examinando a limitação administrativa aos terrenos marginais das estradas
de rodagem, ensina Hely Lopes Meirelles que a legislação rodoviária
geralmente impõe esse tipo de limitação, que consiste na proibição de
construir a menos de quinze metros da rodovia, "contado o recuo da divisa do
domínio público com o particular".
O autor lembra que, como simples limitação administrativa, tal restrição não
obriga a qualquer indenização, nem impede o proprietário de utilizar essa
faixa para fins agrícolas ou pastoris; o que não se pode é nela edificar. A
limitação se justifica como medida de segurança e higiene das edificações,
pois que se levantadas muito próximos do leito carroçável ficariam expostas
aos perigos do trânsito, à poeira e à fumaça dos veículos, além de
prejudicar a visibilidade e a estética, não desprezíveis nas modernas vias
de circulação" (Comentários à Lei sobre Parcelamento do Solo Urbano. 2. ed.
São Paulo: Saraiva, 1984, p. 22).
In casu, pelo exame da prova pericial produzida, resulta incontroverso que a
apelante construiu mesmo sua obra em área não edificante, desrespeitando a
limitação administrativa prevista em lei.
Ora, o mínimo dessas faixas non aedificandi preservativas e obrigatórias é
de 15 metros, se maiores exigências não forem feitas pela legislação
específica emanada da União, dos Estados ou do próprio Município, o que não
foi respeitado pela apelante. Logo, não merece ser acolhido o interdito
proibitório pleiteado, bem como também não faz jus a qualquer tipo de
indenização.
E o fato de estar dentro dos padrões técnicos exigidos pelo Município e pelo
CREA/MG não impede a apelada de exercer o poder de polícia e usar dos meios
necessários, inclusive destruir obras construídas na faixa não edificante, a
fim de preservar o princípio da supremacia do interesse público sobre o
privado.
Destarte, em se tratando de faixa de domínio limítrofe à ferrovia, de
propriedade da União nos termos do art. 21, XII, da Constituição da
República, deveria a apelante ter requerido o alvará em face desta e não do
Município, ocasião em que certamente teria seu pleito negado de forma
imediata.
No intróito de seu festejado Curso de direito administrativo (11. ed. São
Paulo: Ed. Malheiros, 1999), Celso Antônio Bandeira de Mello discorre sobre
o regime jurídico-administrativo, cujas pedras de toque são:
1) Supremacia do interesse público sobre o privado. Em nome do primado do
interesse público, inúmeras transformações ocorreram: ampliaram-se as
atividades assumidas pelo Estado, para atender às necessidades coletivas,
com a consequente ampliação do próprio conceito de serviço público. O mesmo
ocorreu com o poder de polícia do Estado, que deixou de impor obrigações
positivas, além de ampliar seu campo de atuação (passou a abranger, além da
ordem pública, também a ordem econômica e social). As Constituições, enfim,
passam a conter preceitos novos, reveladores da crescente interferência do
Estado na vida econômica e no direito de propriedade.
2) Indisponibilidade dos interesses públicos. "Todo o sistema de Direito
Administrativo, a nosso ver, se constrói sobre os mencionados princípios da
supremacia do interesse público sobre o particular e indisponibilidade do
interesse público". São as pedras angulares do Direito Administrativo,
realçando-se em suas repercussões no ordenamento jurídico em geral.
Ressalte-se que é perfeitamente possível o pleito indenizatório em face do
município, que foi quem concedeu o alvará erroneamente.
Assim, conclui-se que o proprietário pode usar e gozar da propriedade, como
bem lhe aprouver, estando, contudo, impedido de construir, tendo-se em conta
a preservação de superiores interesses da coletividade, cabendo, ainda, aos
órgãos de fiscalização, no exercício de seu poder de polícia, impedir tais
construções.
Diante do exposto, nego provimento ao recurso.
Custas, pela apelante.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Valdez Leite Machado e
Evangelina Castilho Duarte.
Súmula - NEGARAM PROVIMENTO.
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