APELAÇÃO CÍVEL - AÇÕES CAUTELAR DE SUSTAÇÃO DE PROTESTO, ORDINÁRIA E
MONITÓRIA - ALEGAÇÃO DE EXCEÇÃO DE CONTRATO NÃO CUMPRIDO - TITULARIDADE DO
CONTRATANTE - ILEGITIMIDADE - EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO -
REPERCUSSÃO NA CAUTELAR - CHEQUES PRESCRITOS - DISCUSSÃO DA CAUSA DEBENDI -
DESNECESSIDADE - RECURSO IMPROVIDO - VOTO VENCIDO
- A exceção do contrato não cumprido somente pode ser alegada por quem é
parte no contrato, sendo defeso a terceiro defender direito alheio em nome
próprio. Incidência do art. 6º do Código de Processo Civil.
- Extinta a ação principal sem resolução do mérito por ilegitimidade ativa,
há repercussão direta na ação cautelar por força do disposto no art. 808,
III, do Código de Processo Civil, perdendo esta seu objeto.
- Em se tratando de cheques prescritos, suficientes, por si só, ao manejo da
ação monitória, sem necessidade de discussão acerca da causa debendi.
- V.v.: - O cheque que perdeu a sua força executiva não goza mais das
características da literalidade e autonomia, deixa de portar a presunção
legal de certeza e exigibilidade, própria das cambiais, não detendo,
portanto, mais os requisitos dos títulos cambiais. Assim, se é negada a
existência do débito, deve-se permitir a discussão da causa debendi na ação
monitória, cumprindo ao autor provar o fato constitutivo do seu direito,
segundo a distribuição normal do ônus da prova, competindo ao réu a prova da
causa extintiva ou modificativa da obrigação pela qual está sendo demandado.
Apelação Cível n° 1.0685.07.000532-5/001 - Comarca de Teixeiras - Apelante:
Sônia Maria Rigueira Andrade Leal - Apelados: Iranir Jamel de Souza e outro
- Relator: Des. Marcelo Rodrigues
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas
taquigráficas, em integrar a r. sentença para extinguir a ação principal e a
cautelar, sem resolução do mérito, e negar provimento ao recurso, vencido
parcialmente o Revisor.
Belo Horizonte, 6 de maio de 2009. - Marcelo Rodrigues - Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DES. MARCELO RODRIGUES - Cuida-se de apelação interposta por Sônia Maria
Rigueira Andrade Leal em face da r. sentença de f. 194/203-TJ que, em
julgamento simultâneo das ações cautelar de sustação de protesto, ordinária
e monitória, julgou improcedente a cautelar e a principal, bem como os
embargos à monitória, constituindo de pleno direito títulos executivos os
cheques de f. 09/10-TJ dos autos da ação monitória proposta por Iranir Jamel
de Souza. Condenou a ora apelante ao pagamento das custas processuais e
honorários advocatícios dos três processos, fixados os últimos em R$
1.500,00 (mil e quinhentos reais). Revogou a liminar concedida nos autos da
ação cautelar de sustação de protesto.
Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Colhe-se dos autos que a autora emitiu quatorze cheques, no valor de R$
1.000,00 (mil reais) cada um, para pagamento de parcelas do contrato
celebrado entre seu filho e os filhos do primeiro apelado, referente à
aquisição de um estabelecimento de fisioterapia. Afirmou a autora que,
apesar de o segundo e terceiro apelados serem os proprietários da clínica, o
primeiro apelado era o real administrador e gerente, conforme procuração
outorgada por seus filhos. Após constatarem irregularidades no
estabelecimento adquirido, procuraram os réus para regularizar as
pendências, contudo estes se quedaram inertes, o que levou a autora a dar
contraordem de pagamento aos cheques restantes para compensação.
O primeiro apelado apontou um dos cheques para protesto (conforme documento
de f. 14-TJ dos Autos n. 0685.07.000533-3), motivando a autora ingressar em
juízo com ação cautelar de sustação de protesto. Deferida a liminar (f.
84-TJ), a autora ingressou com ação principal (0685.07.000532-5),
pretendendo a declaração de inexigibilidade do título de crédito. E, tendo
em vista a prescrição dos cheques constantes da f. 09/10-TJ dos Autos n.
0685.07.000245-4, o primeiro apelado intentou ação monitória contra a ora
apelante.
O MM. Juiz da Vara Única da Comarca de Teixeiras entendeu haver conexão
entre os feitos e determinou o julgamento conjunto. Julgou improcedente a
ação principal por falta de legitimidade da autora para alegar exceção de
contrato não cumprido e também improcedente a cautelar por perder a eficácia
a liminar diante do julgamento da ação principal. Ao fundamento de dispensa
de declínio da causa debendi dos títulos, julgou improcedente os embargos à
monitória e constituiu os cheques em títulos executivos de pleno direito. Em
face dessa sentença é que se insurge a recorrente.
Em suas razões recursais de f. 204/209-TJ, Sônia Maria Rigueira Andrade Leal
insurge-se contra a r. sentença ao argumento de que é possível discutir a
causa debendi dos cheques objeto da ação monitória, porquanto atrelados ao
contrato celebrado por seu filho com os réus. Colaciona jurisprudência deste
Tribunal em arrimo de suas alegações e pugna pelo provimento do recurso.
Então, cinge a controvérsia à discussão acerca da causa debendi e, por via
de consequência, a vinculação dos cheques ao contrato de compra e venda de
f. 16/17-TJ dos autos da ação principal, celebrado entre o filho da autora e
os filhos do requerido.
Pois bem.
Inicialmente, cumpre aferir matéria de ordem pública concernente à
legitimidade de partes.
Ao aviso deste Relator, não há preliminar a ser apreciada. Isso porque a
matéria processual atinente à ilegitimidade da autora constitui o próprio
mérito deste recurso e, por isso, com ele deve ser apreciada, como passo a
expor.
Tenho que agiu acertadamente o douto Sentenciante ao não admitir que a
autora, ora apelante, alegasse, na ação ordinária, exceção de contrato não
cumprido em negócio jurídico do qual não é contratante. A legitimidade para
propor ação opondo tal exceção é de seu filho, Severo Andrade Ferreira Leal
Júnior, que figurou como adquirente do imóvel vendido pelos apelados.
Frise-se que a apelante apenas forneceu cheques a seu filho para pagamento
de parcelas do contrato por ele celebrado.
Oportuno transcrever excertos da r. sentença acerca do assunto:
"Nessa toada, atendo-se à questão de fundo, observa-se que a sacadora dos
cheques, conquanto interessada na causa, não desfruta da qualidade de
contratante reclamada pelo instituto da exceptio non adimpleto contractus,
que pressupõe contrato bilateral dotado de prestações simultâneas e
interdependentes. [...]
Repise-se que deve haver reciprocidade nas obrigações, isto é, as partes
deverão ocupar, recíproca e concomitantemente, as posições de credor e
devedor, a explicar a impossibilidade de manejo da exceção de contrato não
cumprido por terceiro alheio a essa dinâmica" (f. 199/200-TJ).
Também não detém legitimidade para opor exceção de contrato não cumprido com
base em dívidas relacionadas a encargos fiscais e obrigações trabalhistas
não honrados pelos antigos proprietários da clínica.
Com isso, tenho que a r. sentença deve ser integrada, pois o caso não é de
improcedência dos pedidos da ação principal, mas sim de extinção do feito
sem resolução do mérito, com fincas no art. 267, VI, do Código de Processo
Civil, pois é patente a ilegitimidade ativa.
Ressalte-se que a extinção da ação principal não obsta a que a parte
legítima e prejudicada intente ação própria e autônoma contra os ofensores
pelos prejuízos decorrentes do malfadado negócio jurídico realizado e,
quiçá, ressarcir a sua genitora pelos valores despendidos. O que não se pode
admitir aqui neste momento é que a apelante defenda direito alheio em nome
próprio, conforme expressamente vedado pelo art. 6º do Código de Processo
Civil.
E, considerando a perda de eficácia da liminar concedida na ação cautelar,
que não mais garantirá a eficácia do provimento final (art. 808, III, do
Código de Processo Civil), a ação cautelar deve ser extinta por perda de
objeto, como bem lembrou o Sentenciante os ensinamentos de Theotonio Negrão:
"Encerrado o processo principal, no qual se amparou o pedido cautelar,
extingue-se o processo a este relativo por perda do objeto (RSTJ 147/247)"
(NEGRÃO, Theotônio; GOUVÊA, José Roberto F. Código de Processo Civil e
legislação em vigor. 40. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 960, notas 1ª do
art. 807).
Então, merece ser integrada a r. sentença tão somente para julgar extinta a
ação principal e a cautelar sem resolução do mérito, com fincas nos arts.
267, VI, e 808, III, do Código de Processo Civil.
E no que concerne à monitória, pelo que deflui dos autos, o primeiro apelado
propôs a ação em face da apelante com base em cheques prescritos. Com
efeito, torna-se desnecessária qualquer discussão acerca da causa debendi
quando a ação se fundamenta em título de crédito prescrito.
Deste entendimento não destoa a jurisprudência do STJ:
``Processual Civil. Ação monitória. Título de crédito que perdeu a eficácia
executiva. Indicação da causa debendi. Desnecessidade. - É desnecessária a
indicação da causa debendi em ação monitória fundada em título de crédito
que perdeu a eficácia executiva (AgRg nos EDcl no REsp 418664/PR, Rel.ª Min.
Nancy Andrighi, Terceira Turma, STJ, DJ de 24.02.2003, p.226).
In casu, a ação monitória foi proposta em razão de os referidos títulos de
crédito encontrarem-se com sua força executiva prescrita. Em outras
palavras, após a prescrição da força executiva do título de crédito, há
ainda o caminho da ação monitória, que é proposta com base em prova escrita
da dívida.
E, no caso dos cheques, os próprios documentos já fazem prova dessa dívida,
não havendo que se falar em necessidade de discussão acerca da causa debendi
que deu origem à emissão dos mesmos.
A desconstituição da obrigação de pagamento pelo emitente dos cheques só
poderia ser confirmada mediante prova robusta de fraude ou de qualquer outro
fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do credor, nos exatos
termos do art. 333, II, do Código de Processo Civil.
Neste ínterim, a apelante não cuidou de apresentar prova de que a dívida
originada, e atribuída no valor dos cheques já foi paga, ou mesmo é ilícita.
Apenas alega exceções de contrato não cumprido que, como acima ressaltado,
não poderia assim agir, visto ser terceira alheia ao contrato em questão.
Ressalto que a existência de declaração de vontade documentada gera, por si
só, a presunção de existência de vinculo obrigacional.
O entendimento jurisprudencial desta Corte é uníssono a respeito da matéria:
"Ação monitória - Cheque prescrito - Prova escrita idônea - Não
descosntituição pelo devedor - Embargos rejeitados - Manutenção. - Cabe ao
embargante, na ação monitória, comprovar a inexistência da dívida ou
qualquer fato extintivo ou modificativo do direito do autor, tais como a
natureza da dívida em discussão, não se prestando para tal fim meras
alegações desprovidas de quaisquer comprovações nos autos" (TJMG Ap. n.
1.0079.04.154448-1/001, Relatora: Des.ª Selma Marques, DJ de 02.08.2006).
"Processo civil - Ação monitória - Cheque prescrito - Causa debendi -
Demonstração - Desnecessidade. - O cheque, que tenha perdido a natureza
executiva pelo transcurso do prazo prescricional, constitui prova escrita a
que alude o art. 1.102c do Código de Processo Civil, pouco importando a
causa de sua emissão, independentemente de outros elementos. Por si só, é
elemento suficiente para comprovar a existência da dívida e a busca do
título executivo pela via da ação monitória" (TJMG - Apelação Cível nº
1.0248.04.911673-9/001 - Rel. Des. Duarte de Paula, DJ de 03.03.2005).
Portanto, oportuno reiterar que somente diante da existência de fortes
elementos de convicção sobre a ilicitude, ou mesmo inexistência do negócio
subjacente, poderia obstar o recebimento do crédito constante dos cheques
prescritos.
A conclusão definida pela provas carreadas aos autos é de que os cheques
foram emitidos pela apelante e, estando provado que não os quitou, outra
solução não resta a não ser constituir o valor a favor do apelado.
À luz dessas considerações, integro a r. sentença para extinguir a ação
principal e a cautelar sem resolução do mérito com fincas nos arts. 267, VI,
e 808, III, do Código de Processo Civil e nego provimento ao recurso,
mantendo quanto ao mais a r. sentença por seus próprios e jurídicos
fundamentos.
Custas recursais, pela apelante.
DES. DUARTE DE PAULA - Inicialmente, quanto à preliminar de ilegitimidade
ativa da apelante para propor ação anulatória, merece acolhida, mesmo porque
não é a autora, Sônia Maria Rigueira Andrade Leal, parte integrante do
negócio jurídico firmado entre o seu filho, Severo Andrade Ferreira Leal
Júnior e os filhos do réu, Iranir Jamel de Souza, Leonardo Jamel Saliba de
Souza e Felipe Maurício Saliba de Souza, pelo qual se deu a aquisição da
"Clínica Dr. Jamel", contida de contrato de compra e venda de
estabelecimento de prestação de serviços fisioteráticos de f. 16/17 (da ação
ordinária).
No entanto, está legitimado Iranir Jamel de Souza para propor a monitória
contra a emitente de cheques prescritos, Sônia Maria Rigueira Andrade Leal,
visto que quem, com base em prova escrita, sem eficácia como título
executivo, pretende receber o pagamento de certa soma em dinheiro está
legitimado a vir em juízo pretender a constituição do título executivo
judicial, através do procedimento injuntório.
In casu, pretende-se o recebimento de determinada quantia, com base em
cheques transferidos ao autor mediante cessão, visto que, como consta do
contrato suprarreferido, foram entregues, em pagamento da compra e venda, a
seus beneficiários, aos vendedores nomeados, Leonardo Jamel Saliba de Souza
e Felipe Maurício Saliba de Souza, que os passou ao autor da monitória,
através de cessão de crédito.
Sabe-se que, dentre as características dos títulos de crédito, está a
circulabilidade, isto é, a possibilidade de circular, trocar de beneficiário
e, portanto, de credor. Assim, sendo o título ao portador, a transferência
se faz pela tradição, que é a entrega do título por seu detentor a outra
pessoa, que por sua vez passará a ser o novo credor.
Com efeito, quando no negócio jurídico a que estão presos os títulos estiver
prevista a cláusula "à ordem", o credor somente poderá transferir os título
por endosso, o que ocorre pela simples assinatura do credor no verso do
título, não se fazendo necessário declinar o nome do endossatário, ou seja,
se faz o endosso em branco, podendo ser também lançado em outro local do
título, quando nessas duas últimas hipóteses o endosso deve ser nominativo
ou em preto, isto é, precisa informar o nome do endossatário.
O endosso é, portanto, o ato jurídico pelo qual se transfere um título de
crédito à ordem, o que não foi aqui observado, visto que, pelo vínculo que
os títulos objeto da ação têm com o contrato de compra e venda firmado por
Leonardo Jamel Saliba de Souza e Felipe Maurício Saliba de Souza e o filho
da emitente, Severo Andrade Ferreira Leal Júnior, eram os seus
beneficiários, visto que eram os vendedores a quem fora pago o preço e foram
cedidos a Iranir Jamel de Souza, sem observância do endosso em qualquer de
suas modalidades, restando indubitável dos autos haver operado a cessão,
fato incontroverso.
Com efeito, cessada a força executiva do título, em virtude da prescrição,
como no caso em tela, não há mais falar em endosso, mesmo se houvesse
ocorrido, instituto das cambiais, tornando-se aquele endosso que coexistiria
enquanto gozava o título da natureza de cambial, simples cessão de crédito,
entendida como o negócio jurídico em virtude do qual o antigo credor
transfere a outrem a sua qualidade creditória contra o devedor, recebendo o
cessionário o direito respectivo, com todos os seus acessórios e garantias.
E, verificada, portanto, a cessão de crédito, legitimado encontra-se o
cessionário à propositura da ação monitória.
Coadunando desse posicionamento, o extinto egrégio Tribunal de Alçada do
Estado de Minas Gerais:
"Ação monitória - Cheque prescrito - Endosso em branco - Legitimidade ativa
do portador - Cessão de crédito na forma da lei civil comum [...]. - O
portador de cheque prescrito nominal a terceiro, com endosso em branco
deste, é parte legítima para figurar no pólo ativo da ação monitória.
Constitui o cheque prescrito apenas um documento que comprova a existência
de dívida, desprovido de força executória. Nesse caso, havendo endosso, este
seria apenas uma cessão ordinária de crédito, que não exige maiores
formalidades para sua formalização" (Apelação Cível 2.0000.00.317846-3, Rel.
Edilson Fernandes, j. em 27.09.00).
E, atualmente, este egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais:
"Ação monitória. Cheque prescrito. Possibilidade. Legitimidade ativa.
Endosso em branco. Perda da força cambial. Validade como cessão de crédito.
- O cheque prescrito, conforme dispõe o art. 1.102a do CPC, constituiu prova
escrita, hábil ao ajuizamento da ação monitória, porque é o modo adequado
para obter o pagamento do crédito. O portador de cheque endossado em branco,
porém prescrito, é legitimado a propor ação monitória, porque detém o
direito incorporado no título, valendo o endosso como cessão de crédito,
prevista no art. 286 do Código Civil/2002, em face da perda de sua força
cambial" (Apelação Cível 1.0145.06.331238-6, Rel. Des. Afrânio Vilela, j. em
22.11.06).
"Monitória - Cheque prescrito - Possibilidade - Endosso - Validade como
cessão de crédito - Desnecessidade de relação negocial com o emitente do
título - Legitimidade ativa do portador cessionário. - A ação monitória é
meio hábil para que o título recupere a força executiva, perdida com sua
prescrição, e pode ser fundada em cheque prescrito, conforme Súmula 299 do
STJ. O portador do cheque endossado prescrito tem legitimidade para ajuizar
ação monitória, sendo desnecessária a prova da relação negocial entre ele o
emitente da cártula, valendo o endosso descaracterizado como cessão de
crédito" (Apelação Cível 2.0000.00.507278-6, Rel. Des.ª Márcia De Paoli
Balbino, j. em 16.06.05).
Sendo assim, pelos motivos e fundamentos acima explicitados, Iranir Jamel de
Souza é parte legítima ativa ad causam para ajuizar a ação monitória, mas
não está legitimado a propor ação anulatória do negócio jurídico de que não
foi parte do contrato, Sônia Maria Rigueira Andrade Leal, visto que a ele é
estranha e não pode litigar em nome alheio.
Acompanho o Relator, na preliminar, para rejeitá-la.
No mérito, saliento que o procedimento monitório foi criado em nosso
ordenamento jurídico para amparar aqueles que, por não possuírem documento
que se enquadre no elenco dos títulos executivos extrajudiciais, ou mesmo
judiciais, enumerados nos arts. 585 e 584 do Código de Processo Civil,
dispõem de alguma prova escrita. Possui, assim, portanto, natureza jurídica
de procedimento especial de cognição, de cunho condenatório, que visa ao
imediato pagamento do débito ou à rápida obtenção de título executivo
judicial, conforme se extrai do disposto no art. 1.102, CPC.
Para se propor a ação monitória, exige-se a existência de uma prova escrita
da dívida, sem força executiva. E, não exemplificando a lei quais os
documentos aptos embasar o processo monitório, presume-se servir a este
mister qualquer instrumento ou documento que traga em si a demonstração da
existência de obrigação a ser cumprida por quem a assumiu. Nesse esteio, não
há nenhum impedimento para que cheques prescritos, como os trazidos aos
autos, ensejem a propositura da monitória, haja vista constituírem documento
escrito de reconhecimento de dívida, cujo valor nele está contido.
Ocorre que os referidos títulos prescritos não gozam mais das
características da literalidade e autonomia, deixando de portar a presunção
legal de certeza e exigibilidade, própria das cambiais.
Assim, se se discute a existência do débito, cumpre a cada uma das partes
provar quanto alega, segundo a distribuição normal do ônus da prova,
competindo ao autor a demonstração da causa debendi, do fato constitutivo do
seu direito e ao réu o encargo de provar que o título não tem causa, esta é
ilegítima ou está extinta a obrigação que contém, como tive ocasião de
declarar em votos por mim proferidos em diversos outros julgados, de cujos
julgamentos participei, como as Apelações Cíveis 1.0024.06.031292-3/001,
1.0105.00.007068-7/001, 1.0074.05.025874-3/001, 1.0040.07.055678-8/001,
1.0024.03.164826-4/001, 1.0024.06.151035 e 1.0481.08.084605-0/001, após me
reposicionar de entendimento anteriormente sufragado, citado pelo ilustre
Desembargador Relator em seu judicioso voto, que passei a adotar depois de
uma mais minuciosa análise da matéria, com suporte na doutrina e na
jurisprudência dominante neste e noutros Tribunais.
Nesse sentido, a lição de Humberto Theodoro Júnior:
"Quanto ao ônus da prova, a ação monitória não apresenta novidade alguma.
Prevalecem as regras gerais do art. 333 do Código de Processo Civil, ou
seja, ao autor compete provar o fato constitutivo de seu direito e ao réu
incumbe a prova do fato impeditivo, modificativo ou extintivo daquele
direito.
A prova a cargo do autor tem de evidenciar, por si só, a liquidez, certeza e
exigibilidade da obrigação porque o mandado de pagamento a ser expedido
liminarmente tem de individuar a prestação reclamada pelo autor e não haverá
oportunidade para o credor completar a comprovação do crédito e seu
respectivo objeto. Além disso, o mandado de pagamento só pode apoiar-se em
obrigação cuja existência não reclame acertamento ulterior e cuja atualidade
já esteja adequadamente comprovada" (As inovações no Código de Processo
Civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 83).
Tem-se, pois, que o título de crédito prescrito pode ser utilizado como
prova escrita de uma obrigação na ação monitória, mas cabe ao credor a
demonstração da existência material do crédito, obrigação esta que persiste
mesmo diante de uma cessão de crédito, que se transmite com todos os seus
atributos e vícios, haja vista não perder o devedor cedido as defesas que
tinha contra o cedente no instante em que tomou conhecimento da cessão.
É que cessão de crédito não tem força para fazer desaparecer vícios
porventura existentes anteriormente nem pode piorar a situação do devedor
cedido. Assim, todas as defesas que seriam lícitas ao devedor opor ao credor
primitivo continuarão a sê-lo contra o cessionário, como se este fosse o
mesmo cedente. Se o devedor, por exemplo, era obrigado a fazer o pagamento
no domicílio do credor cedente, não ficará obrigado, pela cessão havida, a
fazê-lo no domicílio do cessionário, pois haveria aí uma agravação das
condições do crédito em relação ao devedor.
Nesse sentido, o ensinamento de Caio Mário da Silva Pereira:
"[...] como a cessão não atinge a obrigação transferida e mantém inalterada
a sua substância, segue-se que ela conserva todas as modalidades que a
qualificavam. Se a dívida era a termo ou sob condição, assim continua
sendo... Mais que isso: o crédito transfere-se com todos os vícios ou todas
as vantagens.
[...] O novo Código alterou a redação dos efeitos da cessão no tocante à
oponibilidade das exceções. Cabe, então, distinguir. No primeiro plano,
considerando o vocábulo exceções na acepção de quaisquer defesas, é óbvio
que o devedor tem a faculdade de arguir todas as que dizem respeito à
validade e eficácia da obrigação: incapacidade, defeito formal ou de
consentimento, prescrição da obrigação, pagamento; bem como de natureza
processual: incompetência jurisdicional, suspeição ou impedimento do juiz,
litispendência, coisa julgada. Em especial, o artigo tem em vista as
exceções que tem contra o cessionário, que está exigindo o pagamento em seu
próprio nome, embora com fundamento na obrigação primitiva. Não está inibido
de opor as exceções contra o cedente, porque, se a obrigação era inválida,
ou se tinha motivos para ilidir a pretensão creditória, eles não desaparecem
com a mutação subjetiva por que passou a obrigação" (Instituições de direito
civil, Ed. Forense, v. II, p. 376/379).
Das lições de nosso conceituado Professor José Costa Loures e Taís Maria
Loures Dolabela Guimarães extrai-se:
"O cessionário toma o lugar do credor primitivo tão logo se concretize a
cessão, de modo que, desde logo, o devedor pode opor a ele as exceções que
teria contra aquele. As exceções que digam respeito ao crédito em si mesmo,
ou ao negócio jurídico original, não são afetadas pela cessão, tais como as
pertinentes aos vícios do consentimento, forma exigida como da substância do
ato, prescrição, decadência, etc., de tal sorte que tais exceções podem ser
opostas tanto ao cedente quanto ao cessionário" (Novo Código Civil
comentado. Belo Horizonte: Del Rey, p. 133).
E, ainda, o posicionamento deste egrégio Tribunal de Justiça do Estado de
Minas Gerais:
"Embargos do devedor. Cheques. Cessão de crédito. Possibilidade de oposição
de exceções pessoais. Descumprimento do negócio subjacente. Ausência de
provas. - Ocorrida cessão de crédito, o devedor poderá opor as exceções
pessoais que seriam oponíveis ao cedente" (Apelação Cível
1.0024.02.858950-5/001, Rel. Des. Bitencourt Marcondes, j. em 01.03.07).
"Cheque - Endosso - Empresa de factoring - Cessão de crédito - Oponibilidade
das exceções pessoais - Possibilidade. - A natureza jurídica das operações
de factoring revela a existência de verdadeira cessão civil de créditos e
não de endosso cambiário, razão pela qual é possível que o emitente do
título oponha ao faturizador as exceções pessoais que possui contra o
faturizado" (Apelação Cível 2.0000.00.477110-8/000, Rel. Des. D. Viçoso
Rodrigues, j. em 01.12.05).
In casu, a devedora opôs, em face do cessionário, uma exceção fundada na
inexistência do débito, pelo alegado desfazimento do negócio que lhe deu
origem, o que fez sem ser parte naquela relação jurídica, pelo que lhe
falece legitimidade para pretender a sua declaração na anulatória, mas não
para discutir e provar o fato extintivo da obrigação contida nos documentos
que instruem a monitória.
Ademais, segundo se pode verificar dos autos, especialmente do contrato de
compra e venda de estabelecimento de prestação de serviços de fisioterapia
(f. 32 - monitória), no tocante ao preço, um dos requisitos de qualquer
compra e venda (res, pretium et consensus), a cláusula segunda
expressamente, no item 2 contém:
O restante do preço será pago através de quatorze cheques, de emissão da mãe
do comprador, Sônia Maria Rigueira Andrade Leal, contra o Banco do Brasil,
de números 850072 a 850085, no valor unitário de R$ 1.000,00 (mil reais),
vencendo-se o primeiro em 25.02.04, e os demais nos mesmos dias dos meses
subsequentes até o resgate de todos os títulos e integralização do pagamento
do preço contratado em 25.02.2005.
Com efeito, não há negar que estão expressamente atrelados os cheques objeto
da presente monitória ao contrato de compra e venda em questão e, não
obstante não seja a ré, aqui acionada, ora apelante, legitimada para buscar
a anulação do negócio jurídico a que estão vinculados os cheques como
documentos, não há como impedi-la de provar, no âmbito desta ação monitória,
o fato modificativo ou a causa extintiva da obrigação pela qual está sendo
demandada.
Pelo exposto, com redobrada vênia, acompanho o Relator quanto à extinção da
anulatória e da cautelar de sustação de protesto a ela conexa, mas dou
provimento ao recurso para cassar a r. sentença fustigada prolatada no
tocante aos embargos à ação monitória para permitir a abertura da instrução
probatória e a discussão da causa debendi, oportunizando às partes, pela
divisão do ônus probatório que lhes compete, a realização das provas que
pretenderem na defesa de seus interesses, como ao MM. Juiz da causa a
prolação de outra sentença, com nova análise do mérito.
Custas, ex lege.
DES.ª SELMA MARQUES - Sr. Presidente, estou acompanhando o Desembargador
Relator na parte que adapta e integra a sentença em relação à anulatória
cautelar seja aplicado o art. 267, VI.
Com relação à divergência apresentada pelo Desembargador Revisor, eu vou
pedir vênia, e não vista, para acompanhar o eminente Relator, uma vez que,
em havendo sido mantido o contrato em face da ilegitimidade da apelante
Sônia Maria Rigueira Andrade Leal para postular a sua anulação, o que deu
ensejo à extinção do processo de cautelar e anulatória de contrato, outra
não pode ser a solução com relação à monitória.
Faço destaque na parte do voto do eminente Relator no sentido de que os
próprios cheques cobrados na monitória, somados ao contrato apresentado, são
provas robustas de que estão ali atrelados, sendo desnecessário o
prosseguimento da monitória para apuração da causa debendi, até porque tal
discussão não tem, ao meu juízo, razão de ser.
Enfatizo a lógica atribuída no julgamento pelo eminente Relator, a quem
acompanho, repito, para também negar provimento ao recurso com relação à
monitória.
Súmula - INTEGRARAM A R. SENTENÇA PARA EXTINGUIREM A AÇÃO PRINCIPAL E A
CAUTELAR, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, E NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, VENCIDO
PARCIALMENTE O REVISOR.
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