Número do processo:
1.0024.08.054251-7/002(1) Numeração Única:
0542517-73.2008.8.13.0024
Relator: MARCELO RODRIGUES
Relator do Acórdão: MARCELO RODRIGUES
Data do Julgamento: 19/08/2009
Data da Publicação: 08/09/2009
Inteiro Teor:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - REVOCATÓRIA - DOAÇÃO - MANIFESTAÇÃO DE VONTADE -
INGRATIDÃO - OFENSA FÍSICA - PROCEDÊNCIA. Conforme orienta o art. 112, do
Código Civil de 2002, nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção
nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem. A doação pode
ser revogada por ingratidão quando o donatário cometer ofensa física contra
o doador.
APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0024.08.054251-7/002 - COMARCA DE BELO HORIZONTE -
APELANTE(S): JOAO FERNANDES DE MELO E OUTRO(A)(S) - APELADO(A)(S): ALEX
FERNANDES MODESTO - RELATOR: EXMO. SR. DES. MARCELO RODRIGUES
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 11ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas
taquigráficas, à unanimidade de votos, EM DAR PROVIMENTO.
Belo Horizonte, 19 de agosto de 2009.
DES. MARCELO RODRIGUES - Relator
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
O SR. DES. MARCELO RODRIGUES:
VOTO
Trata-se de apelação cível interposta por João Fernandes de Melo e Luiza
Modesto Miranda de Melo em face da r. sentença de f. 80/83, pela qual o Juiz
singular julgou improcedente o pedido inicial na ação revocatória que movem
contra Alex Fernandes Modesto, e condenou-os ao pagamento das custas e
honorários advocatícios fixados em R$ 14% sobre o valor da causa, suspensa a
exigibilidade porquanto deferida a assistência judiciária.
Em suas razões de recurso os apelantes pugnam pela reforma da sentença
alegando que comprovaram que o imóvel objeto dos autos foi doado para o réu,
em razão de ser seu único filho, e que à época não tinha condições de
adquiri qualquer bem por depender dos pais. Sustentam que a ação tem por
objeto revogar por ingratidão, a doação do imóvel, posto que o apelado
agrediu fisicamente a apelante Luiza Modesto Miranda de Melo, dando ensejo
ao pedido. Pugnam pela revogação da doação, cancelamento do registro em nome
do apelado, e transferência da propriedade do imóvel para o nome dos
apelantes.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Pretendem os apelantes a revogação de um ato de doação para o apelado, que
no caso é seu filho único, em razão de ingratidão cometida com a genitora,
conforme boletim de ocorrência e procedimento criminal por eles
apresentados.
Inicialmente, importa relatar que às f. 08/09-TJ, encontra-se a cópia de uma
escritura pública de compra e venda, figurando como outorgante vendedora
Maria Tereza Alvarenga Rodrigues, antiga proprietária do imóvel, e como
outorgados compradores, Alex Fernandes Modesto, da nua propriedade, e João
Fernandes de Melo e Luiza Modesto Miranda de Melo, do usufruto,
respectivamente, réu e autores da ação.
O objeto do negócio jurídico é o imóvel descrito na matrícula n. 45.224, do
3º Serviço de Registro de Imóveis desta Capital, com respectiva fração
ideal, na qual foi realizado o registro do ato sob os n. R.04 e R.05, f.
12/13.
Segundo dispõe o art. 541, e seu parágrafo único, do Código Civil de 2002,
aplicável à espécie, a doação far-se-á por escritura pública ou instrumento
particular, admitindo-se a doação verbal quando referir-se a bens móveis de
pequeno valor.
Com efeito, em que pese o nome dado à pública forma de f. 08/09-TJ, tem-se
que, em verdade, tal negócio jurídico retratou autêntica doação inoficiosa.
Essa, a real manifestação volitiva das partes não pode ser suplantada pelo
título jurídico estampado no respectivo instrumento, ainda que por Notário,
dado que o nome não altera, por si só, a natureza jurídica do negócio.
Conforme orienta o art. 112, do Código Civil de 2002, nas declarações de
vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido
literal da linguagem.
Oportuna a citação da atual e renomada doutrina a respeito da matéria, para
elucidar o meu convencimento no julgamento deste caso particular.
Fabrício Zamprogna Matiello anota sobre a referida norma legal que:
"(...)guardadas as devidas proporções, porque sempre que houver necessidade
de interpretar certa manifestação volitiva (porque nela presente ponto
controvertido ou aspecto duvidoso) será imprescindível tomá-la no contexto
em que estiver inserida. A análise da construção literal é de suma
relevância, mas isoladamente pode levar a conclusões equivocadas e mesmo
destoantes do sentido correto que o agente pretendeu dar. À literalidade
deve-se somar a logicidade da manifestação (integração entre o literal e a
impressão deixada pelo conjunto) e a confrontação do conteúdo volitivo com
os demais componentes exógenos que porventura o circundem." (Código Civil
Comentado, 2ª ed., São Paulo: LTr, 2005, pág. 95, nota 3).
O ilustre jurista Caio Mário da Silva Pereira, com majestosa lição, pondera
que:
"O hermeneuta não pode desprezar a declaração de vontade sob o pretexto de
aclarar um intenção interior do agente. Deve partir, então ,da declaração da
vontade, e procurar seus efeitos jurídicos, sem se vincular ao teor
gramatical do ato, porém indagando da verdadeira intenção. Esta pesquisa não
pode situar-se no desejo subjetivo do agente, eis que este nem sempre
coincide com a produção das consequências jurídicas do negócio. Os
circunstantes que envolvem a realização do ato, os elementos econômicos e
sociais que circundam a emissão de vontade são outros tantos fatores úteis."
(Instituições de Direito Civil, vol. I, Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.
502).
Notadamente, é possível se extrair da declaração aposta nos dois
instrumentos públicos de que a intenção dos apelantes era promover uma
doação ao apelado, e assim, realizaram este ato na medida em que houve a
reserva de usufruto para si.
Vale dizer, de acordo com as regras de experiência comum, é habitual na
sociedade brasileira a manobra efetuada pelos apelantes para a concretização
do objetivo de repassar aos filhos os bens que lhe seriam destinados na
herança, sem a realização do negócio formal da doação do numerário para a
aquisição do bem, evitando-se o pagamento do tributo correspondente.
Ora, conclui-se que a realização de uma compra e venda em nome do único
herdeiro, com reserva de usufruto para si, a título gratuito, reveste-se das
mesmas características da doação, em que pese o nome dado ao título.
Logo, interpretando-se o negócio jurídico lavrado no título visto em cópia
de f. 10, tem-se que o ato jurídico perfeito e acabado que ficou consignado
no instrumento público reflete a vontade das partes de adquirirem a
propriedade e por conseguinte transferir o imóvel ao único filho,
reservando-lhes o usufruto.
Há que se ter em voga que as condições das partes e sua relação de
parentesco, bem como a boa-fé que emana da declaração dos apelantes amparada
pelos substratos probatórios jungidos aos autos, reforçam os elementos
quanto ao fato de que o ato teria se consumado para fazer valer essa
intenção dos apelantes.
Nas palavras de Caio Mário da Silva Pereira:
"O conceito de boa-fé, embora flexível, pode ser dominado por uma
regulamentação pragmática, a dizer que o espírito da declaração deve
preponderar sobre a letra da cláusula; a vontade efetiva predominar sobre o
formalismo; o direito repousar antes na realidade do que nas palavras" (obra
citada, pág. 36)
Pois bem.
Revestindo-se o negócio jurídico com as vestes da doação do imóvel, cumpre
analisar a ocorrência de ingratidão para fins de revogação do ato e
alteração da propriedade do imóvel para o nome dos apelantes.
Conforme se observa pelo boletim de ocorrência de f. 15, o apelado realizou
atos de agressão contra sua genitora, a apelante Luiza Modesto Miranda de
Melo, e impediu seus genitores de adentrarem no imóvel.
O apelado alegou que a saída dos apelantes ocorreu de forma espontânea, e
confessou desavenças em razão de relacionamento amoroso com terceira pessoa.
Porém, em outra oportunidade, o próprio apelado confessou que não deixaria
mais seus genitores adentrarem o imóvel, e que eles deveriam procurar seus
direitos por outros meios, f. 17.
Ademais, conforme se observa pela movimentação processual juntada à f. 51, o
Ministério Público ofereceu denúncia para início da ação penal, fato que
corrobora com a ocorrência da ofensa física, pois do contrário, teria
requerido o arquivamento do inquérito, conforme disciplina o art. 28, do
Código Penal.
Lado outro, imperioso anotar que a ingratidão por agressão física não
necessita de condenação criminal, muito menos apuração da gravidade,
bastando que se caracterize com tal.
Assim, tenho que restou comprovado nos autos a ocorrência da agressão física
e por consequência, motivos para a revogação da doação.
De acordo com o art. 555, cumulado com o art. 557, inciso II, ambos do
Código Civil de 2002, a doação pode ser revogada quando o donatário cometer
ofensa física contra o doador.
Portanto, em conjugação de todos os elementos presentes nos autos, e a prova
da ocorrência de agressão contra o doador, nada mais justo do que acolher o
pedido para a revogação do ato, e a alteração da propriedade do imóvel para
o nome dos doadores.
Neste sentido, observa-se a necessidade de emissão de mandado de averbação
para cancelar parcialmente o R.04, da matrícula 45.224, do 3º Serviço de
Registro de Imóveis de Belo Horizonte, quanto ao nome do adquirente Alex
Fernandes Modesto, e a nua propriedade; cancelar totalmente o R.05, e o
AV.06; e alterar o nome dos adquirentes da propriedade do imóvel, para que
esse direito real no R.04, figure no nome dos apelantes João Fernandes de
Melo e Luiza Modesto Miranda de Melo.
Diante de todo o exposto, DOU PROVIMENTO AO RECURSO para revogar a doação
por ingratidão e determinar a expedição de mandado de averbação para o
parcial cancelamento do R.04, da matrícula 45.224, do 3º Serviço de Registro
de Imóveis de Belo Horizonte, quanto ao nome do adquirente Alex Fernandes
Modesto, e sua nua propriedade; cancelar totalmente o R.05, e o AV.06; e
alterar o nome dos adquirentes da absoluta propriedade do imóvel, para que
esse direito real no R.04, figure no nome dos apelantes João Fernandes de
Melo e Luiza Modesto Miranda de Melo, ficando a cargo deles eventual
pagamento dos respectivos emolumentos perante o Oficial Registrador, assim
como de tributos incidentes.
Por consequência, condeno o apelado ao pagamento das custas e honorários
advocatícios que fixo em R$1.000,00 (mil reais), suspensa a exigibilidade
porquanto amparado pela assistência judiciária, patrocinado pela Defensoria
Pública.
O SR. DES. MARCOS LINCOLN:
VOTO
Acompanho o Relator.
O SR. DES. DUARTE DE PAULA:
VOTO
Trata-se de ação revogatória de doação com suporte em declaração de vontade
contida em escritura pública e aditamento, instrumentos pelos quais os
autores adquiriram de Maria Tereza Alvarenga Rodrigues, folha 8, o imóvel
que resolveu doar a seu tio, Alex Fernandes Modesto, reservando-lhes, no
entanto, usufruto vitalício.
Resta demonstrado pela análise da cadeia de fatos colocada nos autos, uma
doação inoficiosa pela real e efetiva vontade dos autores usufruários do
imóvel.
Nas declarações de vontade, deve-se perseguir mais a intenção delas contidas
do que o sentido literal da linguagem, artigo 112 do Código Civil, não fosse
vigir o império da boa-fé objetiva que deve presidir todos os negócios
jurídicos.
A prova demonstra quanto "satis" a ingratidão como referida, definida do
artigo 555, combinado com o 557, II do Código Civil. Em havendo ofensa
física do donatário ao doador, o que se vê do boletim de ocorrência de folha
15, da confissão do apelado e da denúncia ofertada pelo Ministério Público,
folha 51, com que se iniciou a ação penal. O voto de Sua Excelência, ilustre
Relator é incensurável, empresto-lhe a minha inteira adesão com os
adminículos acima citados, recomendando a sua publicação.
SÚMULA : DERAM PROVIMENTO.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0024.08.054251-7/002 |