APELAÇÃO CÍVEL - DIREITO DE PREFERÊNCIA - DECADÊNCIA - DEPÓSITO - PRAZO -
IMÓVEL RURAL - MÓDULO RURAL - DIVISIBILIDADE - INAPLICABILIDADE DO ART. 504
DO CÓDIGO CIVIL - ADQUIRENTE CONDÔMINO
- A lei não exige que o depósito do preço seja feito dentro do prazo
decadencial de 180 dias para o exercício do direito de preferência, mas
apenas que o requerimento seja tempestivo, não podendo o intérprete criar
requisitos não exigidos pela lei.
- Sendo as áreas dos imóveis superiores ao módulo rural fixado pelo Incra
para a região em que se localizam, é divisível a coisa.
- O fato de o imóvel permanecer fisicamente não dividido não impede
considerá-lo como coisa divisível, nos termos da lei, nem cria para os
condôminos o direito de preferência, já que, operada a divisão, inexistirá o
condomínio com pessoa estranha, razão de ser do instituto da preferência.
- O art. 1.793, §§ 2º e 3º, do Código Civil não se aplica à hipótese de
alienação por condômino, após efetivada a partilha, de fração ideal de
imóvel divisível.
- Inexiste direito de preferência a justificar a anulação do negócio
jurídico se a fração ideal do imóvel foi vendida a um dos condôminos.
Prejudicial rejeitada e recurso não provido.
Apelação Cível n° 1.0686.06.170201-1/001 - Comarca de Teófilo Otoni -
Apelante: Rafael Freire de Melo Neto - Apelados: Maria Zena Gomes Mello e
outros - Relator: Des. Gutemberg da Mota e Silva
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas
taquigráficas, à unanimidade de votos, em rejeitar a prejudicial e negar
provimento ao recurso.
Belo Horizonte, 15 de dezembro de 2009. - Gutemberg da Mota e Silva -
Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DES. GUTEMBERG DA MOTA E SILVA - Rafael Freire de Melo Neto interpôs
apelação pleiteando a reforma da sentença do MM. Juiz da 2ª Vara Cível da
Comarca de Teófilo Otoni, que julgou improcedente a ação de anulação de
escritura e adjudicação fundada em direito de preferência que ajuizou contra
Maria Zena Gomes Mello, Maria Aparecida Freire de Mello (sua mãe e irmã,
respectivamente, alienantes) e Wenderson Lázaro Rocha Magalhães
(adquirente), ao fundamento de que, não sendo o imóvel indivisível, pois
superior ao módulo rural da região, inexiste direito de preferência.
Sustentou que a sentença reconheceu ser o imóvel objeto da alienação parte
de condomínio, razão pela qual é ineficaz o negócio jurídico, nos termos do
art. 1.793, §§ 2º e 3º, do Código Civil. Alegou mais que é indiferente o
fato de que o imóvel tenha tamanho superior ao do módulo rural, pois nunca
negou a divisibilidade do bem, mas, pelo contrário, sustentou que não foi
ele ainda dividido, razão pela qual deveria ser respeitado o direito de
preferência.
Requereu, ao final, a reforma da sentença para que sejam julgados
procedentes seus pedidos de adjudicação do imóvel, em razão do direito de
preferência, e de nulidade da compra e venda havida entre os réus.
Os apelados apresentaram contrarrazões às f. 187 a 195, arguindo preliminar
de prescrição, pois não foi depositado o valor do preço no prazo de 180
dias, e, no mérito, pugnando pela manutenção da sentença.
É o relatório. Decido.
Conheço do recurso, pois tempestivo e preparado.
Prejudicial de mérito.
Prescrição. Os apelados arguem preliminar de prescrição do direito de ação
do apelante, argumentando que somente efetuou o depósito do preço do imóvel,
para fins de garantir seu direito de preferência, 180 dias depois da
efetivação do negócio jurídico, mas, na verdade, observa-se que se trata de
preliminar de decadência, pois não nega que a ação tenha sido ajuizada
dentro do prazo, afirmando apenas que não cumpriu, dentro do prazo, o
requisito para o exercício de seu eventual direito.
Dispõe a segunda parte do art. 504 do Código Civil:
"O condômino, a quem não se der conhecimento da venda, poderá, depositando o
preço, haver para si a parte vendida a estranhos, se o requerer no prazo de
cento e oitenta dias, sob pena de decadência".
Como se observa, a lei não exige que o depósito do preço seja feito dentro
do prazo decadencial de 180 dias, apenas que o requerimento seja tempestivo,
de modo que não pode o intérprete criar requisitos onde a lei não o fez.
Assim, havendo o apelante ajuizado a ação dentro do prazo legal, já que a
escritura foi registrada em 19.07.2005 e a ação proposta em 14.01.2006
(conforme despacho inicial à f. 02), não decaiu de seu eventual direito de
preferência.
Ademais, o depósito foi feito também dentro do prazo legal, em 16.01.2006
(f. 49), pouco importando que o comprovante só tenha sido juntado 10 dias
depois.
Rejeito a prejudicial de mérito.
Mérito.
O apelante invoca o art. 504 do Código Civil, afirmando que não foi
informado por suas coerdeiras, mãe e irmã, apeladas, da alienação da fração
ideal de um imóvel rural, de propriedade delas, ao apelado Wenderson Lázaro
Rocha Magalhães, e que, como coerdeiro, tem direito de preferência nas
mesmas condições da venda.
A primeira parte do mencionado dispositivo tem a seguinte redação:
"Não pode um condômino em coisa indivisível vender a sua parte a estranhos,
se outro consorte a quiser, tanto por tanto".
Como se vê, o direito de preferência somente existe se a coisa condominial
for indivisível, ou seja, se a sua divisão resultar em perda de valor de
cada parte. Segundo a jurisprudência, a divisibilidade de imóveis rurais se
verifica quando as partes dela resultantes forem superiores ao módulo rural
da região em que se localiza o imóvel.
Segundo a Portaria nº 36/97 do Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária - Incra, órgão competente para quantificar o módulo rural em cada
região do país, o módulo rural na região de Teófilo Otoni é de dois hectares
(f. 122 a 129), de modo que o imóvel objeto do litígio, com área total de
96,80 hectares, é plenamente divisível, não se sujeitando à imposição do
art. 504 do Código Civil.
O fato de o imóvel permanecer fisicamente não dividido não impede
considerá-lo como coisa divisível, nos termos da lei, nem cria para os
condôminos o direito de preferência, já que, operada a divisão, inexistirá o
condomínio com pessoa estranha, razão de ser do instituto da preferência,
que tem o objetivo de evitar conflitos condominiais. Nesse sentido:
"Direito de preferência. Alteração do quinhão em comum. Indivisibilidade.
Cessão da herança. Depósito do preço. Decadência. - Antes da partilha, o
herdeiro pode ceder o seu direito sobre parte do imóvel inventariado, sem
ter que se submeter à preferência do coerdeiro, desde que o imóvel atenda às
condições de divisibilidade [...]" (TAMG - Ap. nº 403155-0 - Rel. Juiz
Valdez Leite Machado, j. em 09.10.2003).
Assim, correta a sentença que considerou que o apelante não tinha direito de
preferência na área negociada entre os réus, de 36,96 hectares, por se
tratar de coisa divisível. Nesse sentido, jurisprudência do TJMG:
"Ação de preferência na aquisição de imóvel. Condomínio. Indivisibilidade.
Inocorrência. Área superior ao módulo rural. - Não há que se falar em
indivisibilidade do imóvel se a parte vendida é superior ao módulo rural da
localidade, podendo ser separada da área total sem que se altere sua
destinação. Não se aplica o direito de preferência do condômino na aquisição
de imóvel quando o mesmo é divisível" (TJMG - Ap. nº 1.0657.07.001684-2/001
- Rel. Des. Generoso Filho - j. em 25.03.2008).
Também não tem razão o apelante em sua alegação de que, reconhecida a
existência do condomínio, deve o negócio jurídico feito entre os réus ser
anulado com base no art. 1.793, §§ 2º e 3º, do Código Civil, que assim
dispõe:
"§ 2º É ineficaz a cessão, pelo coerdeiro, de seu direito hereditário sobre
qualquer bem da herança considerado singularmente.
§ 3º Ineficaz é a disposição, sem prévia autorização do juiz da sucessão,
por qualquer herdeiro, de bem componente do acervo hereditário, pendente a
indivisibilidade''.
Tais dispositivos não se aplicam ao caso em questão, primeiramente porque
não se trata de bem da herança singularmente considerado, mas de fração
ideal em imóvel condominial, fruto, sim, de herança, mas já encerrada a
partilha (f. 41 a 45), em segundo lugar porque não houve cessão de bem
componente do acervo hereditário por herdeiro, mas, sim, venda de fração
ideal por seu próprio dono.
Ademais, a prevalecer o raciocínio desenvolvido pelo apelante, deveriam ser
também declaradas ineficazes as compras que ele próprio fez a outros
condôminos, também realizadas nas mesmas condições da que ele pretende ver
anulada.
Por fim, ainda que se entendesse pela aplicabilidade do art. 504 do Código
Civil, e do direito de preferência, por conseguinte, aos imóveis
condominiais passíveis de divisão, inexistiria direito de preferência do
apelante pelo imóvel alienado pelas apeladas ao apelado, já que este não era
"estranho", alheio ao condomínio, mas, sim, um dos condôminos, pela
aquisição anterior, em 30.01.1995, da cota-parte do herdeiro Francisco
Freire de Mello Júnior, não questionada pelo apelante.
Diante disso, nego provimento ao recurso mantendo integralmente a sentença.
Custas recursais, pelo apelante.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Alberto Aluízio Pacheco
de Andrade e Pereira da Silva.
Súmula - REJEITARAM A PREJUDICIAL E NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. |