- A inicial da ação de usucapião instruída com
a planta ou memorial descritivo do imóvel usucapiendo, com indicação de suas
características, limites, dimensões e confrontações, não pode ser indeferida
sob a exigência de que as coordenadas geográficas de latitude e longitude
sejam indicadas através de dados obtidos através do moderno e dispendioso
sistema de posicionamento global, conhecido pela sigla GPS.
Apelação Cível n° 1.0313.08.262713-1/001 - Comarca de Ipatinga - Apelante:
Sebastiana Clementina Firmina Silva - Apelados: Macam Parafuso Usinagem Ind.
Ltda., espólio de Laércio Felipe João - Relator: Luiz Carlos Gomes da Mata
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na
conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade
de votos, em acolher preliminar de nulidade e cassar a sentença.
Belo Horizonte, 20 de agosto de 2009. - Luiz Carlos Gomes da Mata - Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DES. LUIZ CARLOS GOMES DA MATA - Trata-se de recurso de apelação interposto
por Sebastiana Clementina Firmina Silva contra sentença proferida pelo MM.
Juiz de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Ipatinga, que indeferiu a sua
petição inicial da ação de usucapião, ao entendimento de que o memorial
descritivo apresentado não especifica as coordenadas geográficas do objeto
da ação, pelo que o título almejado seria inapto à produção dos seus
efeitos.
Sustenta a apelante que a sentença é nula por importar em negativa de
prestação jurisdicional, na medida em que o indeferimento da inicial, quando
estão atendidos os requisitos impostos em lei para o processamento da ação,
não tem outra finalidade senão criar obstáculo ao acesso à Justiça;
argumenta que a exigência de apresentação de coordenadas geográficas através
do sistema de posicionamento global (GPS) inviabiliza o acesso de quem não
dispõe de recursos à aquisição da propriedade através da ação de usucapião;
pede que seja cassada a sentença e determinada a continuidade do feito.
Sem contrarrazões, visto que a inicial foi indeferida antes da citação dos
réus.
Preparo dispensado, em face da gratuidade de justiça deferida à f. 16.
Este é o relatório.
Conheço da apelação, visto que própria, tempestiva e dispensada de preparo.
A sentença combatida julgou extinto o feito, sem resolução do mérito, nos
termos do art. 267, inciso I, combinado com o art. 295, VI, todos do Código
de Processo Civil, indeferindo a petição inicial, sob o argumento de que não
fora juntado aos autos documento indispensável à constituição e
desenvolvimento válido do processo.
Depois de observar que não há registro imobiliário individualizando o
imóvel, o douto Juiz prolator da sentença vergastada fez observar que "para
a efetividade de eventual sentença de procedência do pedido, imprescindível
a abertura de nova matrícula no registro imobiliário". Entendeu que o
memorial descritivo apresentado pela apelante, "onde não estão especificadas
as coordenadas geográficas do objeto da ação", impede que seja
particularizada a área objeto da demanda.
Colho da sentença o comentário de que, "em casos semelhantes", aquele Juízo
"tem recebido pedidos de declaração de usucapião em que a planta e o
memorial descritivo do bem vêm acompanhados pelas coordenadas geográficas de
latitude e longitude obtidas pelo sistema 'GPS', identificando precisamente
o imóvel de modo a possibilitar a abertura de matrícula individualizada no
cartório do registro imobiliário".
A propósito dos requisitos necessários para o processamento da ação de
usucapião, a apresentação da planta do imóvel com a inicial é uma das
exigências feitas no Código de Processo Civil, como se vê:
``Art. 942. O autor, expondo na petição inicial o fundamento do pedido e
juntando planta do imóvel, requererá a citação daquele em cujo nome estiver
registrado o imóvel usucapiendo, bem como dos confinantes e, por edital, dos
réus em lugar incerto e dos eventuais interessados, observado quanto ao
prazo o disposto no inciso IV do art. 232''.
O objetivo de tal exigência é a individuação do imóvel objeto do pedido de
usucapião, de forma a permitir uma caracterização que atenda aos
pressupostos de matrícula no Registro de Imóveis.
De acordo com a doutrina de Benedito Silvério Ribeiro (in Tratado de
usucapião. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 2, p. 1.368):
"A seriedade do registro imobiliário exige obediência fiel e estrita dos
postulados contidos na lei, devendo retratar ipsis litteris a vida, a
situação e a transformação dos imóveis, sobremodo na hipótese de usucapião,
quando será legalmente atestada a existência de uma propriedade, antes
inexistente para os efeitos legais.
Tal como o nascimento de um ser, impõem-se as cautelas extremas para fixação
ab ovo da verdade quanto ao teor do registro imobiliário. Afinal, o ideal
seria a precisão, o retrato da verdade e a segurança do cadastro
imobiliário, com o que se evitariam ações retificatórias, demarcatórias,
divisórias e tantas outras.
Não há atinar que a perícia poderá ser dispensada, à vista de não impugnação
de qualquer interessado, especialmente de confinantes. Citados e vendo seus
interesses não abalados ou infringidos, dado serem as divisas certas e
observadas, é óbvio que nenhuma defesa ou contestação será por eles oposta.
No entanto, não lhes importa o quantum da gleba usucapienda em metros
quadrados, alqueires, braças etc. Ademais, é sabido que o imóvel
caracteriza-se por seus contornos, constituindo um corpus, que poderá ter
tantos ou quantos alqueires, hectares, metros quadrados etc.
Para a precisão necessária, para cercar de garantias o registro imobiliário,
que deve refletir a realidade ou verdade do que nele contém, torna-se
imperativo, constituindo-se questão de ordem pública, que sejam apurados
todos os dados indispensáveis à caracterização dos imóveis.
Estando sub judice a aquisição usucapiatória, não se concebe que pela
Justiça se aufira um resultado duvidoso, incerto ou impreciso".
Entretanto, não vejo razão para que seja exigido memorial descritivo que
especifique as coordenadas geográficas do objeto da ação, mormente pelo
moderno e dispendioso sistema de posicionamento global, conhecido pela sigla
"GPS". Basta que a planta ou o memorial descritivo indique suas
características, limites, dimensões e confrontações.
A propósito, cito precedentes deste egrégio Tribunal:
``Agravo de instrumento - Ação de usucapião extraordinária - Requisito -
Individualização do imóvel - Utilização de GPS - Desnecessidade - Recurso
provido. - Na ação de usucapião, imprescindível que o autor instrua a
inicial com a planta e o memorial descritivo da área a ser usucapida,
tornando possível a sua individuação. Tendo os agravantes instruído sua
inicial com a planta do imóvel e memorial descritivo, desnecessário que os
autores apresentem memorial descritivo com as referências de
georeferenciamento (GPS), conforme intimação realizada''. (TJMG - AI nº
1.0671.07.001946-6/001 - Rel.ª Des.ª Hilda Teixeira da Costa - DJ de
20.01.2009.)
"Ementa: Agravo de instrumento - Direito processual civil - Usucapião -
Individuação do imóvel - Requisito essencial - Presença - Emenda à inicial -
Desnecessidade. - O usucapião pressupõe posse sobre imóvel, com sua perfeita
individuação, quanto à sua confrontação, área, divisas e demais
características. No caso em apreço, a parte autora, ora agravante, instruiu
sua inicial com planta da área em litígio que busca usucapir e memorial
descritivo também relativo a essa área, com indicação dos seus limites,
dimensões e confrontações. Tendo sido o imóvel devidamente descrito, de modo
a estabelecer a sua delimitação e, consequentemente, a sua individuação,
torna-se desnecessária a emenda da inicial conforme determinado pela ilustre
Juíza, de apresentação de nova planta e memorial a serem elaborados com o
auxílio do sistema GPS. Eventuais deficiências e inexatidões do mapa
apresentado, constatadas no curso do processo, poderão ser supridas e
esclarecidas através de prova pericial''. (TJMG - AI nº
1.0671.08.003993-4/001 - Rel. Des. Eduardo Mariné da Cunha - DJ de
16.09.2008.)
No caso, a apelante fez juntar aos autos planta de situação do imóvel (f.
33), acompanhada de memorial descritivo (f. 34/37), que contêm elementos
suficientes para a aferição dos limites, dimensões, confrontações e demais
características do imóvel usucapiendo.
Caso necessário, a caracterização exata do imóvel deverá ser apurada no
curso do processo, inclusive mediante a realização de perícia técnica, de
forma a viabilizar o registro do título de propriedade que eventualmente for
constituído através da sentença.
A informação prestada pelo Cartório do Registro de Imóveis (f. 55/56) não me
convence da inviabilidade de abertura de nova matrícula no caso de
declaração da propriedade por meio do usucapião, porque a questão que lhe
foi submetida não diz respeito a um condomínio conforme equivocadamente
considerado no parecer. A bem da verdade, dela extraio a recomendação de que
"o correto seria que o técnico apresentasse memorial descritivo somente do
lote 4-B sobre o qual se encontra edificada a casa nº 250-B, com área
construída de 55,76 m2, fazendo constar com precisão, os característicos, as
confrontações e a localização do imóvel".
Embora o memorial descritivo discorra sobre a caracterização das unidades
construídas sobre o terreno nº 0004, fornece todas as características,
limites, confrontações e localização da casa nº 250-B e seu respectivo lote
de nº 0004-B, de forma que atende inclusive à recomendação do oficial do
Registro de Imóveis.
Por assim entender, tenho para mim que o indeferimento da petição inicial
fundado na ausência de apresentação de documento indispensável à
constituição e desenvolvimento válido do processo não se sustenta, pelo que
casso a sentença para que o feito tenha prosseguimento.
Dessarte, acolho a preliminar de nulidade e casso a sentença, determinando o
regular prosseguimento do feito nos seus ulteriores termos.
Custas, ex lege.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Francisco Kupidlowski e
Cláudia Maia.
Súmula - ACOLHERAM PRELIMINAR DE NULIDADE E CASSARAM A SENTENÇA.
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