Conheça o estudo elaborado por Tendências Consultoria Integrada,
empresa de consultoria econômica e política sediada em São Paulo, que tem
entre seus sócios Gustavo Loyola, que foi presidente do Banco Central do
Brasil, e Mailson da Nóbrega, que foi ministro da Fazenda.
Sumário executivo
Este estudo foi elaborado para a Associação dos Notários e Registradores do
Estado de São Paulo (ANOREG/SP) e Associação dos Notários e Registradores do
Estado do Rio de Janeiro (ANOREG/RJ), tendo por objetivo uma análise
econômica das medidas que introduzem gratuidades na prestação de atividades
notariais e de registro.
Por serem pouco compreendidas no País, as atividades notariais e de registro
são alvo freqüente de inúmeros Projetos de Lei que objetivam instituir
regras de gratuidade em sua prestação.
As atividades notariais e de registro são instituições fundamentais,
reduzindo assimetrias de informação, incertezas e custos de transação
referentes a contratos, constituição de direitos e demais atos jurídicos e
da vida civil. Desempenham um papel primordial na oferta da segurança
jurídica, indispensável à atividade econômica, bem como na harmonização das
relações econômicas e na prevenção de conflitos.
No Brasil, as funções notariais e de registro são exercidas em caráter
privado por delegação do Poder Público, através de concurso de provas e
títulos. Os cartórios possuem autonomia administrativa e financeira, não
existindo qualquer financiamento ou subvenção pública de suas atividades. Os
emolumentos cobrados são estabelecidos (tabelados) por leis estaduais.
Os emolumentos devem corresponder ao custo das atividades dos cartórios e
proporcionar excedente para as necessidades de investimentos das serventias
e a adequada remuneração do titular. Para que a atividade seja atrativa aos
potenciais interessados, é preciso que haja correspondência entre a
remuneração do titular e o nível de responsabilidade e risco inerente aos
atos jurídicos prestados.
O sistema notarial e de registro brasileiro é intensamente regulado e está
obrigado a prover recursos para fins não relacionados às suas atividades, na
forma de repasses para diversas instituições. O nível de tributação
incidente na atividade é muito elevado e incide sobre pessoa física (titular
da serventia), pois os cartórios não possuem personalidade jurídica.
As isenções totais e parciais das atividades notariais e de registro vão
afetar a dotações orçamentárias de diversos órgãos estaduais, tais como
Poderes Judiciários estaduais, Institutos de Previdência estaduais, Fundos
de Assistência Judiciária, e Santa Casa de Misericórdia, que recebem
repasses das atividades notariais e de registro.
A existência dos repasses e tributação excessiva contribui para as
dificuldades financeiras enfrentadas pela maior parte das serventias.
O modelo de tributação da atividade, a existência dos repasses e a forma de
cobrança do ITBI e ITCMD (que em geral ocorrem antes da lavratura da
escritura e do registro na matrícula do imóvel, de modo que são confundidos
com receita dos cartórios) têm efeitos perversos: fazem com que os custos
das atividades notariais e de registro sejam mais elevados que a real
remuneração dos cartórios e elevam os custos da formalização da propriedade.
As regras de gratuidade nas atividades notariais e de registro carecem de
consistência econômica e possuem potenciais efeitos deletérios sobre o
sistema.
Uma primeira inconsistência em relação a essas medidas decorre do enorme
impacto negativo da introdução das gratuidades sobre o nível de receita dos
cartórios, o que compromete a viabilidade financeira da maioria, a exemplo
do ocorrido com o Registro Civil de Pessoas Naturais, já afetado pelas
gratuidades.
A redução de receitas e a restrição à viabilidade financeira do sistema
notarial e de registro se devem a dois fatores: (i) o elevado potencial de
demanda pelas atividades notariais e de registro gratuitos, uma vez que o
critério dessas medidas é basicamente a renda e existe um elevado
contingente de pessoas com baixa renda no País; e (ii) a predominância de
cartórios cuja receita é relativamente reduzida.
Para o público haveria uma perda devido à redução da oferta de serviços e ao
aumento da insegurança jurídica dos negócios e transações realizados pela
parcela mais pobre da população. O resultado seria, então, oposto ao
pretendido:
- Apesar de as medidas de gratuidade reduzirem o custo direto pecuniário do
registro, a redução da quantidade de cartórios elevaria de forma
significativa outros componentes de custo indireto dos registros: a
inviabilidade financeira e conseqüente fechamento de muitos cartórios
aumentaria gastos com transportes a locais onde há cartórios (custo
pecuniário), o tempo gasto nessas viagens (custo não pecuniário), e
repercutiria na capilaridade do sistema e no acesso da população,
especialmente a mais pobre, a esta atividade essencial;
- À medida que a gratuidade representa redução na remuneração dos serviços
prestados, ela prejudica a qualidade dos serviços, que é um dos elementos
determinantes da eficácia dos registros, reduzindo a segurança jurídica.
Uma falha gravíssima de algumas medidas de gratuidade é a desconsideração
das diferenças socioeconômicas entre regiões, ao impor critérios de
gratuidade em função da renda iguais em todo o País. A regulação setorial
prevê emolumentos fixados em cada Estado justamente para atender a essas
especificidades.
As referidas medidas não estão coordenadas com o marco regulatório setorial
já estabelecido, representando uma ameaça recorrente a essa regulação. Como
resultado, eleva-se a incerteza jurídica na atividade, o que reduz sua
atratividade e desincentiva a melhora no exercício das funções notariais e
de registro, particularmente a médio e longo prazo.
A gratuidade das atividades notariais e de registro transfere os custos de
benefícios privados a partes que não recebem os seus benefícios.
Existe sempre um alto grau de arbitrariedade no estabelecimento das
categorias de agentes que são contemplados nas medidas de gratuidade. A
gratuidade das atividades notariais e de registro é arbitrária também no
sentido em que outros bens e serviços ainda mais essenciais, como água,
esgoto, energia, etc., não são gratuitos.
As regras de gratuidade tornam necessários mecanismos de controle por parte
dos cartórios, para verificar o enquadramento dos solicitantes dos direitos.
Essa burocratização envolve custos, o que prejudica não só a estrutura de
custos dos cartórios, mas também a eficiência na prestação das atividades
notariais e de registro, podendo haver aumento no tempo para atendimento dos
usuários.
O critério de benefício em função da renda, um dos mais freqüentes nas
propostas de gratuidade, dá margem a injustiças, pois tem verificação
imperfeita, dadas as inúmeras dificuldades envolvidas na identificação a
respeito do direito ou não aos benefícios. Há o risco de que pessoas com
renda além do limite sejam contempladas.
O argumento de que a gratuidade das atividades notariais e de registro é um
importante estímulo à formalização da propriedade no Brasil não é
consistente. A solução desse problema demanda medidas amplas, como políticas
coordenadas e que, por exemplo, solucionem problemas ligados à violação da
legislação ambiental e urbanística.
A profusão de leis e propostas sobre gratuidades ou outros tipos de isenções
de emolumentos de atividades notariais e de registro configura uma ameaça de
deterioração da segurança jurídica para os agentes que exercem essas
atividades.
As gratuidades apontadas nessas leis têm implicações sobre a qualidade das
atividades notariais e de registro, a eficiência na prestação das mesmas e a
própria estrutura do sistema responsável.
A Medida Provisória 459/2009, em tramitação no Congresso, repete inúmeros
erros das propostas de gratuidade existentes. Por exemplo, durante a
tramitação dessa MP, foi incorporada emenda que amplifica o público
contemplado. Assim, apenas 6,6% das famílias pagariam o custo integral do
registro da propriedade.
É curioso observar que os resultados esperados com o PMCMV por meio da MP
459/2009, na forma de aumento da atividade do setor de construção civil,
devem impulsionar o desempenho de vários elos dessa cadeia: material de
construção, construtoras, incorporadoras, bancos, seguradoras, etc. A nenhum
desses setores a MP atribuiu ônus de qualquer tipo, mas ao sistema notarial
e de registro atribuiu um custo elevadíssimo e incompatível com sua
capacidade. Ao mesmo tempo lhe impôs agressivas metas de investimento sem
dotação dos devidos meios econômicos. Tampouco a União reduziu os valores
relativos ao pagamento do laudêmio, para a transferência de imóveis nos
terrenos de marinha, ou impôs aos Municípios, como sua contrapartida na
criação do PMCMV, a redução das alíquotas de ITBI.
As medidas referidas não contribuem para melhora do acesso da população às
atividades notariais e de registro. Novas proposições acerca do tema devem
necessariamente ter por base os elementos específicos desse setor (e da
natureza dessas atividades), já contemplados num marco regulatório extenso e
carente de estabilidade.
Junho/2009.
Análise econômica da gratuidade de atividades notariais e de registro no
Brasil (parecer completo)
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