Alienação de imóvel - Fraude - Manutenção do negócio - Impossibilidade - Danos morais não configurados

DIREITO CIVIL - ALIENAÇÃO DE IMÓVEL - FRAUDE PROVADA - MANUTENÇÃO DO NEGÓCIO - IMPOSSIBILIDADE - DANOS MORAIS - PRESSUPOSTOS AUSENTES

- Provado nos autos que negócios aparentemente lícitos na verdade prestaram-se à apropriação, pelo credor, de bens dados em garantia, disso resulta fraude à lei e nulidade absoluta a autorizar sua dissolução.

- O desfazimento contratual, ainda que pautado em simulação reconhecida, não ultrapassa os limites do indesejável e, justamente por isso, não rende reparação moral.

Apelação Cível n° 1.0261.06.045046-5/001 - Comarca de Formiga - Apelantes: Minasfac Fomento Mercantil Ltda. e outros - Apelantes adesivos: CID - Centro Imagem Diagnóstico S/C Ltda. e outra - Apelados: CID - Centro Imagem Diagnóstico S/C Ltda. e outro, Minasfac Fomento Mercantil Ltda. e outros - Relator: Des. Saldanha da Fonseca

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em negar provimento a ambos os recursos e determinar a publicação da sentença.

Belo Horizonte, 3 de junho de 2009. - Saldanha da Fonseca - Relator.

N O T A S  T A Q U I G R Á F I C A S

Produziram sustentação oral, pelo apelante principal, o Dr. Jacob Lopes de Castro Máximo e, pelo apelante adesivo, o Dr. Raimundo Cândido Junior.

DES. SALDANHA DA FONSECA - Sr. Presidente, registro ter recebido memorial da lavra do Dr. Jacob Lopes Castro Máximo e que ouvi a manifestação dos ilustres Advogados.

Cuidam os autos de ação revisional de contrato, cumulada com indenização e repetição de indébito ajuizada por Centro de Imagem e Diagnóstico S/C Ltda. e outra em face de Minasfac Fomento Mercantil Ltda. e outros na qual os autores, denunciando a simulação dos negócios jurídicos havidos entre as partes, buscam a revisão do contrato de compra e venda de títulos de crédito, a decretação de nulidade do contrato de compra e venda de bem imóvel e a reparação dos prejuízos materiais e morais daí advindos.

Nos termos da r. sentença de f. 520-530, o pedido foi julgado parcialmente procedente, declarando nulas todas as disposições existentes em documentos firmados entre a autora Denize Aparecida Silva e o réu Eduardo Borges Basílio, bem como dos poderes consignados na Procuração de f. 125, envolvendo o imóvel objeto da Matrícula nº 23.811, ficando sem efeito o Registro lançado sob o nº R-03-23.811-18/11/2005, perante o CRI local.

Insatisfeitos, recorrem os demandados. Com arrimo na apelação de f. 532-562, sustentam, em resumo, que a compra e venda do imóvel em referência se deu de forma totalmante desvinculada dos negócios anteriormente firmados entre as partes, nada havendo nos autos que possa ancorar a tese de simulação. Caso mantida a anulação do negócio, requer seja ressarcido pelo preço adimplido, bem como pelas benfeitorias realizadas no bem.

Os apelados apresentaram contrarrazões às f. 576-607, pugnando pelo desprovimento do recurso, bem como interpuseram apelo adesivo, requerendo a condenação do réu Eduardo Borges Basílio a pagar indenização pelos danos materiais e morais sofridos em decorrência do desfazimento do negócio sob exame.

Contrarrazões ao recurso adesivo às f. 613-625.

Conheço dos recursos, pois presentes os pressupostos de admissibilidade; e, porque se encontram interligadas as questões devolvidas a este eg. Tribunal, passo ao exame conjunto dos mesmos.

De início, convém destacar que o órgão ad quem está adstrito à matéria impugnada mediante recurso próprio, não podendo julgar fora dos limites estabelecidos pela parte, tantum devolutum quantum apellatum.

Da leitura das razões recursais, tanto da principal quanto da adesiva, observa-se que a controvérsia a ser aqui dirimida se restringe ao exame da suposta irregularidade do contrato de compra e venda do imóvel, matriculado no CRI de Formiga/MG sob o nº R-03.2388, e eventual indenização devida pelo seu desfazimento. Delimitado o fato controvertido e devolvido a este egrégio Tribunal, passo a examiná-lo.

Sem prejuízo das argumentações expendidas pelos litigantes, tenho que a r. sentença, nos termos em que proferida, imprimiu solução adequada à demanda.

Como bem perfilhou o Magistrado primevo, não encontra suporte probatório a tese de que Eduardo Borges Basílio adquiriu a casa de veraneio de Denize Aparecida Silva, objeto de discussão nos autos. Isso porque a formalização de tal negócio se deu com o escopo único de garantir o pagamento de títulos repassados pela empresa CID - Centro de Imagem e Diagnóstico S/C Ltda. à Minasfac Fomento Mercantil Ltda., por força de relação mercantil anteriormente entabulada.

Em verdade, a invalidade por simulação alcança os negócios jurídicos que mascaram outras avenças sob a aparência de convenção lícita por fraude à lei. Os exemplos mais comuns são os contratos de venda e compra com pacto de retrovenda, ou compromissos de compra e venda com objetivo de garantia a contrato de mútuo.

Feita a prova de que negócios aparentemente lícitos se prestam à apropriação pelo credor de bens dados em garantia, há fraude à lei e nulidade absoluta. A esse respeito não revela dúvida o acervo probatório, merecendo destaque o fato de ter o imóvel em referência, após suposta alienação, servido de garantia das operações de compra de títulos de crédito (f. 78/81 e 82/85). A simulação do negócio encontra apoio ainda no instrumento de f. 86/89, no qual o imóvel voltaria ao patrimônio da autora.

Na hipótese dos autos, não existe lógica na contemporaneidade entre o negócio jurídico que envolve a transferência do imóvel e aqueles que envolvem a constituição da dívida da autora. Por isso, outro não poderia ser o entendimento do Juiz primevo a não ser o da constatação de que o imóvel constituía garantia de outras avenças, ocorrência suficiente a obstar a validade do contrato de compra e venda.

Nada obstante, não faz a autora jus ao pedido de reparação material ou moral, pois não cuidou de trazer aos autos provas da onerosidade dos demais negócios realizados, sendo certo que a simples menção da quitação de valores abusivos não se presta a tal fim. Aliás, embora desagradável o insucesso contratual, os fatos narrados não ultrapassaram os limites do indesejável. A não concretização do negócio conforme pretendido pelas partes não é suficientemente danosa para provocar reparação de ordem moral, mormente quando de algum modo ambos os contratantes se beneficiaram.

Por último, é de se dizer que, como posto no decisum de primeiro grau, ausente a reconvenção, resta prejudicado o exame do pedido de ressarcimento pelas benfeitorias realizadas no imóvel, ou mesmo da suposta quantia efetivada na compra. A essa altura, mister ressaltar que os arestos epigrafados pelos apelantes abarcam situação fática divergente da que ora se examina, não podendo por isso serem aproveitados seus argumentos jurídicos.

Portanto, irretocável a r. sentença monocrática ao declarar a nulidade do negócio em questão e ao negar os pedidos de indenização.

Com tais razões, nego provimento aos recursos, mantendo-se íntegra a r. sentença hostilizada por seus próprios e sólidos fundamentos.

Cada parte arcará com as custas de seu recurso, restando suspensa sua exigibilidade em face dos apelantes adesivos, nos termos do art. 12 da Lei 1060/50.

DES. DOMINGOS COELHO - Registro também ter ouvido com atenção as palavras dos ilustres Advogados.

Na condição de Revisor, tive acesso aos autos e tive oportunidade de ler a sentença da lavra do Colega Ramon Moreira, que bem examinou a questão controvertida, e estou acompanhando-o na sua conclusão e nego provimento ao apelo.

DES. JOSÉ FLÁVIO DE ALMEIDA - Sr. Presidente, ouvi com atenção os ilustres oradores que ocuparam a tribuna, também recebi memorial do Dr. Jacob Lopes de Castro Máximo e ao qual dei a devida atenção.

Quanto à questão devolvida com recurso, cheguei à mesma conclusão do em. Des. Relator e acompanho integralmente o voto proferido por Sua Excelência.

Súmula - NEGARAM PROVIMENTO A AMBOS OS RECURSOS E DETERMINARAM A PUBLICAÇÃO DA SENTENÇA.

Sentença

Ação Ordinária nº 045046-5/06 - Comarca de Formiga - Requerentes: Centro de Imagem e Diagnóstico S/C Ltda. e Denize Aparecida Silva - Requeridos: Minasfac Fomento Mercantil Ltda., Eduardo Borges Basílio e Cia. Ltda. e Eduardo Borges Basílio.

Formiga, 13 de maio de 2008. - Ramon Moreira - Juiz de Direito.

I - Relatório.

Centro de Imagem e Diagnóstico S/C Ltda. e Denize Aparecida Silva, qualificados, propuseram a presente ação ordinária de revisão de contrato c/c indenização por danos materiais e morais, repetição do indébito c/c pedido liminar contra Minasfac Fomento Mercantil Ltda., Eduardo Borges Basílio e Cia Ltda. e Eduardo Borges Basílio, qualificados, alegando, em síntese, que a primeira requerente, em 18.07.2005, vendeu para a primeira requerida pelo preço total de quarenta e cinco mil, trezentos e cinquenta reais (R$ 45.350,00) cinco cheques de emissão da Sra. Rosa Maria de Souza, cuja soma totaliza cinquenta mil reais (R$ 50.000,00) e que, por exigência do representante legal da primeira requerida, ofereceu em garantia um terreno situado na fazenda Paraíso, no distrito de Ponte Vila, incluindo todas as benfeitorias, como casas, piscina e quadras; que na data de vencimento dos cheques estes retornaram sem a devida compensação bancária e, assim, sob constrangimento do representante legal da primeira requerida, outorgou procuração pública em nome de Maurício Leão Basílio, irmão do terceiro requerido para pagamento do débito, sendo que este, em 18.11.2005, sem o conhecimento da segunda requerente, procedeu à lavratura da escritura de compra e venda do imóvel em favor do terceiro requerido; que nesta época a segunda requerente já estava em tratamento médico, fazendo uso de medicamento controlado, e que a transferência de domínio da propriedade se deu logo após seu acidente automobilístico; que o pagamento pelo imóvel não se operou, visto ter sido o negócio meramente simulado, fruto de agiotagem; que, sob ameaça e coação do terceiro requerido, compuseram-se e convencionaram o pagamento do débito, acrescido de alta taxa de juros, formalizando, em 29.11.2005, um contrato de compra e venda do aludido imóvel, no valor de setenta e sete mil e duzentos reais (R$ 77.200,00); que o pagamento da referida compra e venda foi pactuado de forma verbal, devendo ser procedido mediante depósito em conta bancária, de titularidade da segunda requerida. Requereram liminarmente expedição de ofício ao Cartório de Registro de Imóveis para que não proceda a novos registros em torno da Matrícula nº 23.811 e para que averbe na referida matrícula a existência desta ação; a nomeação da segunda requerente como depositária fiel do imóvel objeto da demanda, ou, em caso de indeferimento, que seja o terceiro requerido intimado a responsabilizar-se pela manutenção do imóvel, ou ainda, que seja intimado para proceder à devolução dos bens móveis existentes no referido imóvel.

Requereram ainda a procedência do pedido para declarar a nulidade absoluta das cláusulas quartas dos contratos de compra de títulos realizados entre a primeira requerente e a primeira requerida, bem como a nulidade absoluta do contrato de compra e venda do bem imóvel; declaração de inexigibilidade dos títulos, com a devolução dos valores pagos indevidamente e em dobro, acrescidos de juros e correção monetária; declaração de nulidade da escritura pública de compra e venda lavrada em 18.11.2005, determinando o imediato cancelamento do registro; declaração de nulidade absoluta das cláusulas abusivas dos contratos de compra de títulos e do contrato de compra e venda do imóvel, com a restituição dos valores pagos indevidamente; a condenação dos réus ao pagamento de indenização por danos morais em valor a ser arbitrado; que seja oficiado o Ministério Público Criminal para que verifique a agiotagem, o Banco Central para que fique ciente do fomento mercantil e a Receita Federal para averiguar a sonegação fiscal. Pediram ainda os benefícios da justiça gratuita.

Com a inicial juntaram documentos de f. 27/125.

Indeferidos os pedidos liminares com exceção da devolução dos bens móveis existentes no referido imóvel que deverão ser entregues à requerente, que providenciará sua remoção (f. 127/129); e, devidamente citados, os requeridos apresentaram contestação de f. 147/189, alegando preliminarmente ilegitimidade passiva do segundo e terceiro requerido sob o argumento de que este último participou do negócio como representante legal da primeira requerida, e o primeiro não participou do negócio jurídico a que se visa anular.

No mérito sustentaram que, embora o imóvel em questão constasse como garantia dos contratos celebrados, a mesma não foi utilizada, uma vez que os cinco cheques emitidos pela Sra. Rosa Maria de Souza foram devidamente quitados e resgatados pelas requerentes; que a segunda requerente, alegando dificuldades financeiras, procurou o terceiro requerido, oferecendo-lhe em venda o imóvel que anteriormente havia sido dado em garantia e após convencionarem o valor; o negócio foi firmado, tendo a segunda requerente autorizado a transferência do imóvel, através de procuração pública, inclusive emitiu recibo, dando quitação ao negócio; que alguns dias depois a segunda requerente procurou o terceiro requerido, alegando que seus familiares não concordaram com a venda do imóvel, manifestando interesse em readquiri-lo, o que foi aceito, convencionando-se o pagamento em treze parcelas, entretanto nenhuma parcela foi adimplida, de forma que notificou a segunda requerente da rescisão do contrato e empreendeu obras no imóvel; que o pagamento de dez mil reais (R$ 10.000,00), ocorrido em 02.01.2006, se refere à quitação do Título nº 493039, de emissão da primeira requerente, que havia sido comprado de um terceiro estranho ao processo; que o contrato foi celebrado por agentes capazes, forma prescrita em lei e possui objeto lícito; que não há que se falar em indenização por danos morais, uma vez que foram as próprias requerentes que deram ensejo à rescisão do contrato de compra e venda com sua inadimplência e que também se mostra indevido o pleito a título de danos materiais, pois o valor pago era devido e, no que tange ao seguro de vida, este nada tem a ver com os negócios jurídicos entabulados; que é descabida a alegação de coação; que os bens móveis solicitados pelas requeridas não existem, pois, quando da alienação do imóvel, foram retirados todos os bens do mesmo; que promoveu reforma e ampliação do imóvel, sendo que, somente em material de construção e mão de obra, foi gasta a importância de setenta e cinco mil cento e vinte e cinco reais e sessenta e três centavos (R$ 75.125,63). Pugnou, ao final, pela improcedência do pedido ou, em caso de entendimento diverso, que seja o terceiro requerido ressarcido do valor pago na aquisição do imóvel, somado às despesas que fez no mesmo. Juntaram documentos de f. 190/335.

Em impugnação de f. 337/341, os requerentes alegaram que não merece ser acolhida a preliminar de ilegitimidade passiva do segundo e terceiro requeridos, uma vez que há solidariedade entre as empresas requeridas e, no que tange ao terceiro réu, este responde pelos negócios, pois há uma confusão entre este e suas empresas. No mérito, sustentaram que são inverídicas as alegações apresentadas na contestação, impugnando os documentos de f. 147/335 e requerendo, ao final, a procedência do pedido. Juntaram documentos de f. 342/406.

Instados a especificar provas, os requerentes (f. 409) ratificaram as provas já especificadas na exordial, enquanto os requeridos (f. 410/411) requereram prova testemunhal e pericial.

Indeferida prova pericial e médica, realizou-se audiência de instrução e julgamento (f. 447/464) em que foi colhido o depoimento pessoal do requerido e procedida a oitiva das testemunhas, tendo sido deferido o prazo sucessivo de dez dias para oferta de alegações finais.

Memorial das requerentes (f. 469/496) ratificando o pedido inicial e demais manifestações pugnando pela procedência do pedido; e dos requeridos (f. 500/516), pela improcedência do pedido.

É o extenso, mas indispensável relatório. Decido.

II - Fundamentos.

Cuida-se de ação ordinária de revisão de contrato cumulada com indenização por danos materiais e morais e repetição de indébito ajuizada pela empresa Centro de Imagem e Diagnóstico S/C Ltda. e sua sócia Denize Aparecida Silva contra as empresas Minasfac Fomento Mercantil Ltda. e Eduardo Borges Basílio e Cia. Ltda. e Eduardo Borges Basílio, objetivando a revisão de cláusulas do contrato de compra e venda de títulos de crédito entre a primeira autora e a primeira ré e a decretação da nulidade do contrato de compra e venda de bem imóvel pela segunda autora ao terceiro réu, cuja procedência parcial se impõe, porquanto demonstrada a simulação do negócio jurídico.

A matéria de fato envolve duas situações distintas. A compra e venda de títulos de crédito e de um imóvel.

Sustentam as autoras que, em 18.07.2005 e 05.08.2005, a primeira autora vendeu para a primeira ré os títulos de crédito descritos e caracterizados na inicial (f. 03), no montante de cinquenta mil reais, envolvendo a transação a oferta de garantia de um imóvel.

Tais fatos restaram incontroversos nos autos, visto que confirmados pelos réus (f. 153/157), inclusive no que se refere à oferta do imóvel em garantia e a confirmação de que os títulos foram integralmente quitados pelas autoras, o que atribui, segundo os réus, caráter de legalidade ao negócio jurídico da compra do imóvel pelo terceiro réu da autora Denize.

Os réus sustentam a legalidade da aquisição do imóvel pelo réu Eduardo Borges Basílio e de Denize Aparecida Silva, no documento de f. 220, datado de 15 de abril de 2005, em que consta como testemunha Maria José Oliveira, cuja data coincide com a data da procuração constante à f. 125, em que a autora Denize outorga poderes a Maurício Leão Basílio, irmão do réu Eduardo Borges Basílio, para a venda a quem interessar e pelo preço que combinar, do imóvel objeto da contenda, o que resultou na lavratura da escritura no dia 18.11.2005, conforme se colhe à f. 64-verso.

Corroborando os termos da declaração de f. 220, de que o imóvel foi adquirido mediante pagamento à vista em dinheiro, em depoimento pessoal, declarou o réu Eduardo Borges Basílio (f. 449) ter pago a Denize a importância de sessenta e sete mil e duzentos reais na presença da testemunha Maria José, que teria assinado o documento após Denize, declarando, ainda, ter recebido a procuração em garantia do negócio.

A versão apresentada pelo réu Eduardo Borges Basílio é confirmada em parte pela testemunha Maria José de Oliveira, que afirmou, em seu depoimento de f. 462/463, que participou de uma negociação de desconto de cheques feita entre abril e maio de 2005, entre a autora Denize e a empresa Minasfac pertencente a Eduardo, afirmando também que, antes disso, Denize tinha vendido uma casa de veraneio para Eduardo por sessenta e tantos mil reais.

No que se refere à presença de Denize no ato da assinatura do documento e ao pagamento, bem como ao fato de já estar o documento assinado por Denize, as informações do réu, Eduardo Borges Basílio, não guardam relação com o que afirmou a testemunha, in verbis:

"que o documento já estava pronto e a depoente assinou e Denize não estava presente e nem continha a assinatura dela; que parece que Denize foi no outro dia para assinar e receber;''.

A assertiva do réu Eduardo Borges Basílio de que adquiriu a casa de veraneio de Denize não encontra sustentação na prova dos autos.

É que o documento de f. 220 foi elaborado para dar aparência de legalidade a uma transação inexistente, pois, se o réu Eduardo realmente tivesse adquirido o imóvel como afirma, o mesmo não teria constado nos contratos de f. 78/81 e 82/85 como garantia das operações de compra de títulos, datadas de 18 de julho de 2005 e 5 de agosto de 2005, respectivamente.

A inexistência da negociação de venda do imóvel pela autora Denize ao réu Eduardo Borges Basílio se evidencia também pelo documento de f. 86/89, em que consta a "venda'' do imóvel pelo réu à autora.

Conquanto tenha a testemunha Maria José de Oliveira afirmado que Denize teria dito que recebeu o dinheiro, referiu-se Denize, por certo, ao dinheiro da negociação dos cheques, e não da venda da casa.

Comprovada está a simulação da venda por Denize ao réu Eduardo José Basílio do imóvel descrito e caracterizado nos autos, de modo a ensejar seja declarada nula referida transação, diga-se, o que é admitido pelos réus no item 5 de f. 188, hipótese em que pretende o réu, Eduardo Borges Basílio, se ver ressarcido do ``valor pago na aquisição do imóvel no importe de R$ 67.200,00 (sessenta e sete mil e duzentos reais), somado das despesas que fez no imóvel, que alçou importe superior a R$ 75.125,63 (setenta e cinco mil cento e vinte e cinco reais e sessenta e três centavos), que será apurado mediante prova documental e pericial''.

A declaração de f. 220 contém confissão, condição e cláusula não verdadeira, sendo nula a relação negocial de venda do imóvel, enquadrando-se na hipótese de simulação de negócio jurídico prevista no inciso II do § 1º do art. 167 do Código Civil, o que atrai ao magistrado o dever de pronunciá-las nos termos do parágrafo único do art. 168 do Código Civil, porquanto suficientemente provadas.

Quanto aos demais pleitos formulados pelos autores nos itens 6.2, 6.4 e 6.5 do pedido inicial, especificamente no que se refere à declaração de inexigibilidade dos títulos; nulidade das cláusulas abusivas dos contratos de compra de títulos; restituição em dobro de quantia paga indevidamente e danos morais, as duas primeiras restam inteiramente prejudicadas, porquanto os réus são categóricos em afirmar que as referidas obrigações foram integralmente cumpridas; a terceira, porque não se desincumbiram de provar o pagamento indevido, e a última, de indenização por dano moral, porque não restou caracterizada a sua ocorrência, enquadrando-se os fatos nos aborrecimentos comuns aos negócios.

De semelhante modo, insustentável a pretensão dos réus de haver o recebimento do valor que afirma ter pago em espécie pelo imóvel e das despesas de reforma do mesmo, visto que não formulada adequadamente mediante reconvenção.

Anote-se, por fim, que as operações de título envolveram a cobrança, por empresa desvinculada do Sistema Financeiro e sem autorização do Banco Central, de juros acima do percentual de um por cento ao mês, de modo a ensejar a prática, em tese, do delito de agiotagem, a ser apurada na seara criminal.

III - Dispositivo.

Ante o exposto e pelo mais que dos autos consta e foi detidamente visto e examinado, julgo parcialmente procedente o pedido inicial e declaro nulas todas as disposições existentes em documentos firmados entre a autora Denize Aparecida Silva e o réu Eduardo Borges Basílio, bem como dos poderes consignados na procuração de f. 125, envolvendo o imóvel objeto da Matrícula nº 23.811, ficando sem efeito o Registro lançado sob o nº R-03-23811-18/11/2005, perante o CRI local.

Imponho ao réu Eduardo Borges Basílio os ônus da sucumbência referentes ao pagamento das custas do processo e honorários advocatícios, que fixo em 15% de R$ 67.200,00, importância esta a ser atualizada a partir do ajuizamento da ação de conformidade com os índices da CGJ.

Determino, na forma do art. 39 do Código de Processo Penal, a remessa de cópias ao Ministério Público para os fins legais.

Publicar, registrar e intimar.


Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico do TJMG - 01/10/2009.

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