Alienação Fiduciária de Imóveis - Sujeito Passivo do IPTU e das Despesas de Condomínio

Melhim Namem Chalhub *

Por efeito do registro do contrato de alienação fiduciária de bens imóveis, o credor é investido na propriedade fiduciária em garantia, atribuindo-se ao devedor fiduciante o direito real de aquisição do mesmo imóvel, bem como a posse e o livre uso e fruição, por sua conta e risco.

Esses direitos são atribuídos por força de lei e por efeito do registro do contrato, tornando-se o devedor fiduciante sujeito passivo do IPTU e das contribuições condominiais, nos termos dos arts. 32 e 34 do Código Tributário Nacional (CTN) e o § 8º do art. 27 da Lei 9.514/97, só vindo o credor fiduciário a ser responsabilizado por essas despesas após reintegrado na posse, se este vier a ser consolidado no seu patrimônio em decorrência de inadimplemento do devedor fiduciante.

Entretanto, o fato de, por força da alienação fiduciária, o credor tornar-se proprietário fiduciário tem levado algumas municipalidades e algumas administradoras de imóveis a identificar o credor como sujeito passivo da obrigação tributária do IPTU e das despesas condominiais. Há, nesse sentido, algumas decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo atribuindo ao credor fiduciário a responsabilidade pelo pagamento das despesas condominiais, como são os casos dos acórdãos das Apelações Cíveis 984507-0/0, da 31ª Seção de Direito Privado, j. 17.2.2009 e 1218924-0/7, da 35ª Seção de Direito Privado, j. 15.12.2008, e do Agravo de Instrumento 821139-0/9, da 3ª Câmara do 2º Tribunal de Alçada Civil.

Em se propagando, essa prática certamente levará ao aumento do custo do dinheiro.

É que, na concessão de empréstimo com garantia real, o emprestador recebe o imóvel apenas a título de garantia, sendo-lhe vedado o uso, a fruição ou a apropriação, e por isso não são sujeitos passivos do IPTU e das despesas condominiais, tal como claramente definido na lei.

Entretanto, se, por interpretação jurisprudencial, os credores com garantia real fiduciária passarem a ser identificados como sujeitos passivos do IPTU e das despesas condominiais, os valores desses encargos passarão a ser considerados quando da análise de risco de crédito nas operações de empréstimo habitacional e, em maior ou menor grau, passarão a ser computados como elemento do custo do dinheiro.

No caso da alienação fiduciária, por exemplo, a atribuição da propriedade ao credor é feita em caráter resolúvel, tão somente com função de garantia. A situação é análoga à do financiamento de automóveis, nos quais a instituição financiadora é que é a proprietária do veículo, mas em caráter fiduciário, e, não obstante figure como proprietária, é o devedor fiduciante, que é o possuidor do automóvel, o sujeito passivo do IPVA.

A alienação fiduciária de imóveis é definida no art. 22 da Lei nº 9.514/97, pelo qual a transmissão da propriedade-fiduciária é contratada apenas "com escopo de garantia" e, assim sendo, não investe a proprietária fiduciária de nenhuma das faculdades inerentes à propriedade plena, notadamente as faculdades relativas à posse, ao uso e à fruição do imóvel, que são deferidas ao devedor fiduciante, ao qual é legalmente atribuída a posse, nos termos do parágrafo único do art. 23, bem como o art. 24, V, da Lei nº 9.514/97.

A partir do momento em que é investido da condição de possuidor do imóvel objeto de alienação fiduciária, o fiduciante passa a ser o responsável pelo pagamento do IPTU, tal como estabelecem os arts. 32 e 34 do CTN, o primeiro dispondo que esse imposto "tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse do bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil," e o art. 34 definindo como contribuinte o "possuidor a qualquer título."

Coerentemente com a definição e delimitação estabelecidas pelo CTN, o art. 27 da mesma Lei nº 9.514/97, no seu § 8º, explicita que é o fiduciante o responsável pelo IPTU, assim como pelas demais obrigações propter rem, responsabilidade essa que perdura desde o momento em que lhe é legalmente deferida a posse direta (art. 23, parágrafo único) até a data em que o imóvel for restituído ao fiduciário, se vier a ocorrer a excussão do imóvel em razão de eventual inadimplemento do fiduciante, assim dispondo o referido § 8º:

"§ 8º Responde o fiduciante pelo pagamento dos impostos, taxas, contribuições condominiais e quaisquer outros encargos que recaiam ou venham a recair sobre o imóvel, cuja posse tenha sido transferida ao fiduciário, nos termos deste artigo, até a data em que o fiduciário vier a ser imitido na posse."

É certo que não é qualquer possuidor o responsável pelo pagamento do IPTU, mas apenas aquele possuidor ao qual a lei civil imputa essa responsabilidade, e é nesse sentido a disposição do art. 32 do CTN ("... a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município").

E no caso da alienação fiduciária a lei civil correspondente (Lei nº 9.514/97) identifica explicitamente o fiduciante como responsável pelo pagamento do IPTU, no § 8º do seu art. 27, acima reproduzido.

A hipótese é análoga também ao usufruto, ao uso e à habitação, para as quais o Código Civil, nos arts. 1.403, 1.413 e 1.416, atribui ao usufrutuário e ao titular do direito de uso ou de habitação a responsabilidade dos encargos decorrentes da fruição do imóvel em cuja posse se encontram.

A razão jurídica da atribuição da responsabilidade do IPTU e da contribuição condominial ao devedor fiduciante, ao usufrutuário e aos demais sujeitos que se encontrem na condição de possuidor é que são eles que usufruem os bônus e, portanto, devem suportar os ônus sobre o imóvel.

Dada essa premissa, o Superior Tribunal de Justiça assentou que, "em tese, o sujeito passivo do IPTU é o proprietário e não o possuidor, a qualquer título (...) Ocorre que, em certas circunstâncias, a posse tem configuração jurídica de título próprio, de investidura do seu titular como se proprietário fosse. É o caso do usufrutuário que, como todos sabemos, tem a obrigação de proteger a coisa como se detivesse o domínio" (REsp 203.098/SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 8.3.2000).

A orientação do Superior Tribunal de Justiça se ajusta com perfeição à relação jurídica decorrente da alienação fiduciária de bens imóveis, pois, de fato, a situação possessória a que está vinculado o fiduciante é da mesma natureza daquela em que se encontra qualquer outro titular de direito real de fruição do imóvel, entre eles o usufrutuário, o titular do direito de uso ou de habitação, aos quais o Código Civil imputa a responsabilidade pelas "as despesas ordinárias de conservação... ", bem como "as prestações e os tributos devidos pela posse ou rendimento da coisa usufruída" (arts. 1.403, 1.413 e 1.416).

A posição do fiduciante assemelha-se, também, nesse aspecto, à natureza jurídica do direito do comprador com reserva de domínio e do promitente comprador, que também são os sujeitos passivos das obrigações tributárias incidentes sobre o bem objeto desses negócios jurídicos.

Com efeito, o comprador com reserva de domínio e o promitente comprador, do mesmo modo que o fiduciante, são titulares de direito real de aquisição sob condição suspensiva: todos eles são investidos na posse e fruição do imóvel e, quando concluído o pagamento do preço, são investidos na plena propriedade, como ensina José Carlos Moreira Alves:

"o comprador, antes de pagar integralmente o preço, tem, como titular que é de propriedade sob condição suspensiva, direito expectativo, em cujo conteúdo se encontram os iura possidendi, utendi e fruendi,"(i)

É exatamente nesse sentido que Arnoldo Wald caracteriza a alienação fiduciária:

"uma promessa de venda pendente de condição suspensiva, em favor do alienante fiduciário ou devedor"(ii)

De fato, a promessa de compra e venda, tal como a alienação fiduciária quando utilizada na comercialização de imóveis, submete o direito do proprietário a forte compressão (seja o promitente vendedor ou o "proprietário fiduciário"), mantendo seus poderes no limite da função de garantia.

A posição jurídica do possuidor (promitente comprador ou devedor fiduciante) é a mesma tanto na promessa de compra e venda como na alienação fiduciária, sendo digna de nota a clarividente lição de José Osório de Azevedo Junior, em seu clássico Compromisso de Compra e Venda, no qual destaca a prevalência do vínculo do comprador em relação ao imóvel:

"Essa postura [do promitente comprador frente ao imóvel, idêntica à do devedor fiduciante] é muito mais de dominação frente à coisa do que de dependência de uma colaboração do compromitente [este que tem posição equivalente à do proprietário fiduciário] para a outorga da escritura definitiva: utiliza-se [o promitente comprador, tal como o devedor fiduciante] da coisa como dono; dispõe dela livremente (mesmo havendo preço a pagar, o compromitente não pode opor-se à cessão, e ainda que o contrato disponha em sentido contrário); alienações posteriores não o atingirão; tem sequela contraa coisa e tem ação de imissão de posse (...); a coisa passou a integrar seus bens imóveis (o compromitente vendedor só ficou com o crédito); sobre a coisa o compromissário exerce um poder direto e imediato; e pode exigir que as demais pessoas não causem dano a ela."(iii)

É que, por efeito da promessa de venda, o domínio, embora integre o patrimônio do promitente vendedor, perde substância e passa a ter função de garantia, como observamos em nosso trabalho Direitos Reais:

"Com efeito, apesar de o promitente vendedor conservar para si o domínio sobre o imóvel prometido vender, a verdade é que, para ele, esse domínio deixa de ter substância material ou jurídica, pois fica submetido a uma compressão que o reduz quase que à expressão mínima. Na verdade, a conservação desse domínio configura quase que uma garantia, apenas uma garantia do pagamento do preço da promessa, em favor do promitente vendedor."(iv)

Apreciamos especificamente a questão em nosso Negócio Fiduciário, destacando a razão jurídica da atribuição da responsabilidade desses encargos ao devedor fiduciante, permitindo-nos reproduzir nossa apreciação a respeito:

"Na concepção da Lei nº 9.514/97, o fiduciante é investido na posse direta do imóvel (parágrafo único do art. 23), assumindo-a por sua inteira conta e risco, daí porque é responsável por todos os impostos, taxas e contribuições que incidem sobre o imóvel, notadamente o imposto predial e as contribuições condominiais, e é civilmente responsável pela correta utilização do imóvel perante terceiros e poderes públicos, devendo indenizar qualquer prejuízo ou dano, material ou pessoal, a que der causa, além de estar obrigado a conservar e manter o imóvel (art. 24, IV). A responsabilidade do fiduciante pelos impostos, taxas, contribuições e demais encargos incidentes sobre o imóvel tem início na data em que recebe a posse do imóvel e perdura "até a data em que o fiduciário vier a ser imitido na posse" (§ 8º do art. 27) (...). A razão jurídica dessa regra é a comutatividade, pela qual aquele que tem a fruição da coisa é que deve responder pelos encargos a ela correspondentes. Em qualquer dos casos citados, quem usa o imóvel e dele tira proveito econômico são o usufrutuário, o usuário, o titular do direito de habitação e o fiduciante, e, portanto, são eles que têm que responder pelos tributos vinculados ao imóvel objeto do negócio." (grifo nosso)(v).

De fato, nada justifica que os serviços condominiais ou o IPTU sejam pagos por terceiros, a quem não é dado usufruir do imóvel, sob pena de grave ofensa ao princípio da vedação do enriquecimento sem causa, enunciado nos arts. 884 e seguintes do Código Civil.

A responsabilidade é de quem está investido nos direitos reais de uso, fruição ou de aquisição, com a posse do imóvel, como são os casos do usufrutuário, do usuário, do titular do direito de habitação, do fiduciante e do promitente comprador.

Imputar ao titular da propriedade fiduciária em garantia a obrigação de pagar cotas condominiais é o mesmo que exigi-las do credor hipotecário ou do credor anticrético, por exemplo.

Assim, considerando que a posse do devedor fiduciante é a ele atribuída por lei e "tem configuração jurídica de título próprio, de investidura do seu titular como se proprietário fosse" (STJ), e sendo o possuidor sujeito passivo do IPTU, por força dos arts. 32 e 34 do CTN, é do devedor fiduciante a responsabilidade pelo pagamento desse imposto e das contribuições.

A investida de algumas administradoras de condomínios e administrações municipais contra o proprietário fiduciário, em razão dessas obrigações, inclusive mediante ações judiciais de cobrança ou de execução, a par de violar a expressa disposição legal dos arts. 32 e 34 do CTN e do § 8º do art. 27 da Lei 9.514/1997, ensejará desgastes e custos desnecessários, notadamente por mobilizar desnecessariamente a máquina do Poder Judiciário.

É claro que, do mesmo modo que na execução hipotecária em que o devedor não é o hipotecante, mas é terceiro em relação ao vínculo obrigacional, este, o terceiro garante, deve ser cientificado da execução (CPC, art. 655, § 1º), também o proprietário fiduciário deve ser cientificado da cobrança de despesa condominial ou execução de IPTU relativo ao imóvel objeto da garantia fiduciária, para que disponha de tempo hábil para adotar as providências que entender necessárias.

Visando melhor esclarecer o limite da responsabilidade de cada qual, na relação fiduciária, sugerimos alteração legislativa nesse sentido, cujos termos foram acolhidos pelo Deputado Rogério Lisboa e por ele adotados em Emenda à Medida Provisória nº 459/2009, nos seguintes termos:

"Art. ___. O sujeito passivo da obrigação decorrente de créditos correspondentes a rateio de despesas de condomínio, imposto predial e territorial urbano, ou outros encargos sobre o imóvel, é aquele a quem tiver sido atribuída a posse na qualidade de titular do respectivo direito aquisitivo, assim como o usufrutuário ou outros titulares de direito real de uso, posse ou fruição, não figurando no polo passivo o titular do domínio, pleno ou útil, inclusive o promitente vendedor ou o fiduciário, que deverá ser apenas cientificado da ação."

A proposição merece o mais amplo debate e, se merecer prosperar, está aberta a críticas e sugestões, que podem vir a ser acolhidas pelo relator do Projeto de Conversão da Medida Provisória nº 459/2009.

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* Advogado e Professor. Autor dos livros Negócio Fiduciário (4. Ed), Direitos Reais e Da Incorporação Imobiliária (2. Ed), entre outros.
(i)ALVES, José Carlos Moreira, Alienação Fiduciária em Garantia. Rio de Janeiro:Forense, 2. ed., 1979, p. 132.
(ii)WALD, Arnoldo, Curso de Direito Civil - Obrigações e Contratos. São Paulo: RT, 14. ed., 2000, p. 318.
(iii) AZEVEDO JR., José Osório, Compromisso de Compra e Venda. São Paulo: Malheiros. 5. ed., 2006, p. 69.
(iv)CHALHUB, Melhim Namem, Direitos Reais. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 179.
(v)CHALHUB, Melhim Namem, Negócio Fiduciário. Rio de Janeiro: Renovar. 4. ed., 2009, pp. 240/241.


Fonte: Boletim Eletrônico do IRIB nº 3607 - 06/04/2009.

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